A medicina da conversão: apropriação e circulação de saberes e práticas de cura
(Província Jesuítica do Paraguay, século XVIII)

The med­i­cine of con­ver­sion: appro­pri­a­tion and cir­cu­la­tion of knowl­edge and heal­ing prac­tices (Provín­cia Jesuíti­ca of Paraguay, 18th cen­tu­ry)

Eliane Cristi­na Deck­mann Fleck*

Recibido: 30 de enero de 2017
Acep­ta­do: 6 de abril de 2017

Resumen

Neste arti­go, nos dete­mos no sig­ni­fica­ti­vo proces­so de tro­cas cul­tur­ais que car­ac­ter­i­zou o con­vívio entre indí­ge­nas e mis­sionários jesuí­tas nas reduções insta­l­adas pelos reli­giosos da Com­pan­hia de Jesus na Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguay, a par­tir da análise de libros de med­i­c­i­na pro­duzi­dos nas duas primeiras décadas do sécu­lo XVIII, tais como os atribuí­dos aos irmãos Pedro de Mon­tene­gro e Mar­cos Vil­lo­da, e de obras de História Nat­ur­al, como o Paraguay Nat­ur­al Ilustra­do, do padre José Sánchez Labrador, escrito entre 1771–1776. Desta­camos e dis­cu­ti­mos os pro­ced­i­men­tos ter­apêu­ti­cos ado­ta­dos pelos mis­sionários e a pro­dução int­elec­tu­al resul­tante tan­to de seu empen­ho em asse­gu­rar a cura das almas e dos cor­pos enfer­mos, quan­to da apro­pri­ação e da cir­cu­lação de saberes e práti­cas de cura que foram por eles sis­tem­ati­za­dos. A análise con­sid­era, ain­da, o papel desem­pen­hado por infor­mantes, enfer­meiros e copis­tas indí­ge­nas e por reli­giosos da Com­pan­hia de Jesus na con­for­mação de uma cul­tura cien­tí­fi­ca na Améri­ca plati­na, no sécu­lo XVIII, evi­den­ci­a­da nos Receituários e Matérias Médi­cas, que cir­cu­laram entre os colé­gios e reduções da Ordem, e nas obras de História Nat­ur­al que foram escritas, em espe­cial, durante o exílio, a par­tir das exper­iên­cias vivi­das nas ter­ras de mis­são na Améri­ca.

Palavras-chave: Com­pan­hia de Jesus — Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguai — Artes de Curar — Apro­pri­ação e Cir­cu­lação de Saberes — Tro­cas inter­cul­tur­ais

Abstract

In this arti­cle, we con­sid­er the sig­nif­i­cant process of cul­tur­al exchange that char­ac­ter­ized the rela­tion­ship between indige­nous peo­ples and Jesuit mis­sion­ar­ies in the reduc­tions found­ed by reli­gious men of the Com­pa­ny of Jesus in the Provín­cia Jesuíti­ca of Paraguay. This is done through the analy­sis of libros de med­i­c­i­na pro­duced in the first two decades of the 18th cen­tu­ry, such as the ones attrib­uted to Broth­ers Pedro de Mon­tene­gro and Mar­cos Vil­lo­da, and of works of Nat­ur­al His­to­ry, such as Paraguay Nat­ur­al Ilustra­do, by priest José Sánchez Labrador, writ­ten between 1771 and 1776. We high­light and dis­cuss the ther­a­peu­tic pro­ce­dures adopt­ed by the mis­sion­ar­ies as well as the intel­lec­tu­al pro­duc­tion result­ing from their effort to ensure the heal­ing of the souls and infirm bod­ies, as well as from the appro­pri­a­tion and cir­cu­la­tion of knowl­edge and heal­ing prac­tices that they sys­tem­atized. This analy­sis also con­sid­ers the role played by indige­nous infor­mants, nurs­es and scribes as well as by reli­gious men of the Com­pa­ny of Jesus in the con­for­ma­tion of a sci­en­tif­ic cul­ture in Latin Amer­i­ca, in the 18th cen­tu­ry, as evi­denced in the Receituários and Matérias Médi­cas, that cir­cu­lat­ed among col­leges and reduc­tions of the Order, and in the works of Nat­ur­al His­to­ry that were writ­ten dur­ing exile, based on the expe­ri­ences shared in the mis­sion lands in Amer­i­ca.

Key words: Com­pa­ny of Jesus — Provín­cia Jesuíti­ca of Paraguay — Heal­ing Arts — Appro­pri­a­tion and Cir­cu­la­tion of Knowl­edge — Inter­cul­tur­al exchanges

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Em busca da saúde das almas e dos corpos: dos experimentalismos aos libros de medicina[1]

Ape­sar da sig­ni­fica­ti­va pro­dução dos jesuí­tas sobre a natureza e os cos­tumes das gentes do Novo Mun­do, poucos foram os his­to­ri­adores que se dedicaram a anal­isá-los levan­do em con­ta seu papel na história int­elec­tu­al do Renasci­men­to e dos iní­cios do perío­do mod­er­no. His­to­ri­adores como Di Lis­cia [2002], Mil­lones Figueroa; Ledez­ma [2005], Del Valle [2009] e Asúa [2010] se inscrevem em uma ver­tente his­to­ri­ográ­fi­ca recente de reavali­ação da atu­ação dos jesuí­tas na con­strução da chama­da ciên­cia mod­er­na, desta­can­do o papel que desem­pen­haram na cri­ação de redes de con­hec­i­men­to e na for­mação de uma epis­te­molo­gia par­tic­u­lar no sécu­lo XVIII. Em seus tra­bal­hos enfa­ti­zam, sobre­tu­do, a importân­cia dos colé­gios da Com­pan­hia de Jesus insta­l­a­dos nas várias regiões em que seus mem­bros atu­aram, para a cir­cu­lação de saberes e a práti­ca de exper­i­men­tal­is­mos, dos quais resul­tou tan­to a val­i­dação, quan­to a con­tes­tação de práti­cas e saberes con­sagra­dos na Europa.[2]

Alguns mem­bros da Com­pan­hia, a despeito de uma assim­i­lação sele­ti­va de ideias caras à Ilus­tração, pro­duzi­ram notáv­el con­hec­i­men­to cien­tí­fi­co basea­do na obser­vação e na exper­iên­cia e fun­da­men­ta­do no pro­du­ti­vo diál­o­go que man­tiver­am com a ciên­cia e a filosofia mod­er­nas. Esta sin­gu­lar posição se traduz­iu no expres­si­vo número de obras escritas por inte­grantes da Ordem, tais como as “His­to­rias Nat­u­rales” e as “Mate­rias Med­icas”, cuja análise per­mite a recon­sti­tu­ição do con­hec­i­men­to cien­tí­fi­co por ela apro­pri­a­do, difun­di­do e pro­duzi­do ao lon­go do sécu­lo XVII e na primeira metade do sécu­lo XVIII.[3] Para além des­ta pecu­liar condição da Com­pan­hia de Jesus, e dadas as condições em que se deu o avanço colo­nial sobre as ter­ras amer­i­canas, somadas à per­son­al­i­dade e aos tal­en­tos de cada mis­sionário e ao iso­la­men­to a que muitos deles estiver­am sujeitos, é pre­ciso, tam­bém, con­sid­er­ar que muitos destes reg­istros sofr­eram inegáveis influên­cias das exper­iên­cias vivi­das e das tro­cas inter­cul­tur­ais que estes padres e irmãos viven­cia­ram.[4]

Esta dupla con­statação parece jus­ti­ficar a proposição de estu­dos sobre o des­ti­no dado aos man­u­scritos (sobre­tu­do daque­les que ain­da se man­tém inédi­tos, como é o caso do Trata­do de Cirugía e o Paraguay Nat­ur­al Ilustra­do) redigi­dos por padres e irmãos da Ordem, nos sécu­los XVII e XVIII, e aos acer­vos das bib­liote­cas jesuíti­cas logo após a expul­são da Com­pan­hia de Jesus da Améri­ca his­pâni­ca, em 1767. Uma análise dos inven­tários dos bens da Ordem, por exem­p­lo, nos rev­ela a pre­sença de livros, medica­men­tos, uten­sílios e instru­men­tos nos colé­gios e reduções da Com­pan­hia de Jesus na Améri­ca plati­na, rev­e­lando que eles foram, por excelên­cia, espaços de cir­cu­lação de ideias – medi­ante a for­mação de redes de con­hec­i­men­to – e de exper­i­men­tal­is­mos, que pro­mover­am tan­to a cri­ação, quan­to a val­i­dação de práti­cas e saberes.[5] Estes dados rev­e­lam que em muitos dess­es colé­gios e reduções da Ordem, encon­traremos pen­sadores – como pro­pos­to pelo his­to­ri­ador equa­to­ri­ano Cañizares Esguer­ra – que, ape­sar de habitarem regiões mar­gin­ais no cenário int­elec­tu­al do perío­do – áreas con­sid­er­adas ape­nas e tradi­cional­mente como recep­toras de con­hec­i­men­tos pro­duzi­dos em out­ras partes do mun­do –, foram deci­sivos na con­strução de deter­mi­na­dos con­hec­i­men­tos.

Des­de a primeira déca­da do sécu­lo XVII, muitos dos mis­sionários jesuí­tas envi­a­dos à Améri­ca, pre­ocu­pa­dos em mel­hor aten­der os doentes (para asse­gu­rar a saúde das almas e dos cor­pos), dedicaram-se à cole­ta e a exper­i­men­tos com plan­tas nati­vas exis­tentes nas ime­di­ações dos colé­gios e das reduções em que atu­avam. A existên­cia de enfer­marias e de hos­pi­tais, bem como de her­bários e bot­i­cas nos colé­gios e nas reduções jesuíti­cas, pode ser con­stata­da nas Car­tas Ânuas, que ref­er­em tan­to a apli­cação, quan­to a pro­dução e a cir­cu­lação de con­hec­i­men­tos médi­cos e far­ma­cêu­ti­cos, visan­do ao com­bate das epi­demias que atin­giam indis­tin­ta­mente indí­ge­nas e europeus e ao atendi­men­to dos doentes que bus­cav­am os remé­dios e o con­so­lo espir­i­tu­al que somente os padres pode­ri­am lhes dar.[6] Des­ta pre­ocu­pação em mel­hor aten­der os doentes resul­taram algu­mas ini­cia­ti­vas de cole­ta e de exper­i­men­tos com plan­tas exis­tentes nas ime­di­ações dos colé­gios e das reduções e inves­ti­men­tos feitos na aquisição de receituários e de obras de med­i­c­i­na e cirur­gia.

Con­tan­do com a colab­o­ração de indí­ge­nas, que desem­pen­haram ati­va­mente os papeis de infor­mantes, enfer­meiros, parteiras e, tam­bém, de copis­tas, irmãos e padres jesuí­tas – como Pedro de Mon­tene­gro e Segis­mund Asperg­er – insta­laram her­bários e bot­i­cas, sis­tem­ati­zaram e fiz­er­am cir­cu­lar saberes e práti­cas, através da inten­sa cor­re­spondên­cia que man­tiver­am entre si ou das cópias de trata­dos e receituários que fiz­er­am cir­cu­lar entre as reduções e os colé­gios das Provín­cias Jesuíti­cas da Améri­ca plati­na e aque­les insta­l­a­dos na Europa – em espe­cial, com a far­má­cia do Colé­gio Romano – e tam­bém no Ori­ente. Algu­mas bot­i­cas – como a do Colé­gio San Pablo, de Lima – trans­for­maram-se, com o pas­sar do tem­po, em cen­tro de refer­ên­cia, envian­do medica­men­tos – como o bezoar peru­ano, a ambrosia mex­i­cana e a quina – para esta­b­elec­i­men­tos da Com­pan­hia de Jesus no Chile, Paraguai, Argenti­na, Equador, Panamá e no Vel­ho Mun­do, ate­s­tando a inten­sa cir­cu­lação de saberes, medica­men­tos e práti­cas cura­ti­vas.[7]

São inúmeras as refer­ên­cias nas Car­tas Ânuas a obras clás­si­cas de Med­i­c­i­na e a Trata­dos de Cirur­gia, as quais, com certeza, devi­am inte­grar os acer­vos das bib­liote­cas de algu­mas Reduções e de alguns Colé­gios jesuíti­cos, com destaque para a Far­ma­co­pea, de Palá­cios; Opera Med­ica de Hoto­s­mani; dois tomos médi­cos de Car­los Mure­tano; Opera Med­ica e Dic­cionario Medico, de Rib­era; Cirugía, de Rob­le­do; Postemas, de López; Med­i­c­i­na, de Guadalupe; Cirugía, de Vigo; Far­ma­co­pea Matri­cense; Far­ma­co­pea, de Ceci, e Opera Med­ica, de Syderas. Vale ressaltar que havia um Catál­o­go dos livros que podi­am ser ven­di­dos e envi­a­dos às chamadas Indias Oci­den­tales e no qual con­stavam obras como Dis­puta­ciones de Med­i­c­i­na, de Gar­cia; De Cor­pore humana, de Valverde; Cirugía, de Redon­do; De mor­bo gal­i­co, de Duarte Madeira; Cirugía, de Bor­bon, bem como o Promp­tu­ario, de Remi­gio e o Promp­tu­ario, de Salazar.

Sabe-se que a Bib­liote­ca da Uni­ver­si­dade de Cór­do­ba con­ta­va com obras como Tesoro de Med­i­c­i­na, de Egidio de Vil­lalón; Cirugía Uni­ver­sal, de Cal­vo; El Trata­do de todas las enfer­medades, de Fran­cis­co Diaz; Trata­do de Med­i­c­i­na, de Juan Ama­to e Los Prin­ci­p­ios de Cirugía, de Ayala. O Inven­tário da bot­i­ca deste mes­mo colé­gio – real­iza­do em fevereiro de 1768, por­tan­to, logo após a expul­são da Com­pan­hia de Jesus dos ter­ritórios de domínio espan­hol – parece con­fir­mar esta afir­mação, ao rela­cionar “‘vinos’, ungüen­tos, lameadores, aceites, esen­cias, ‘espíri­tus’, bál­samos, tin­turas y elixires, sal volátil, emplas­tos, ‘con­fec­ciones’, prepara­ciones y polvos, píl­do­ras, polvos cor­diales, hari­nas, raíces, gomas, sue­cos, flo­res y aguas”. Ao lado de prepara­dos à base de nitro-áci­do e amonía­co, como os ‘vinos’ e de águas, como a rosa­da, de melis­sa e de canela, encon­travam-se os polvos extraí­dos da ipecacuan­ha, plan­ta med­i­c­i­nal amer­i­cana.[8]

As menções feitas pelo irmão jesuí­ta Pedro de Mon­tene­gro a Riveiro, a Pedro Andrés Math­i­o­lo, a Andrés de Lagu­na e a Dioscórides e a apli­cação de alguns de seus pres­su­pos­tos, espe­cial­mente, nos três primeiros capí­tu­los da Mate­ria Med­ica Mision­era, pare­cem con­fir­mar o aces­so e a leitu­ra destas obras médi­cas de refer­ên­cia pelos jesuí­tas em mis­são na Améri­ca. Mas é pre­ciso destacar a importân­cia de out­ros mem­bros da Com­pan­hia de Jesus para a história da botâni­ca amer­i­cana, tais como os padres Florián Paucke, Martín Dobrizhof­fer e José Sánchez Labrador, que apor­taram valiosos con­hec­i­men­tos sobre a flo­ra do con­ti­nente amer­i­cano nas obras que pro­duzi­ram.[9]

Para além do vas­to con­jun­to de fontes doc­u­men­tais pro­duzi­das pela própria Com­pan­hia de Jesus, os inves­ti­gadores têm podi­do con­tar tam­bém com doc­u­men­tos escritos em lín­gua indí­ge­na. O começo do que poderíamos denom­i­nar de lit­er­atu­ra em guarani coin­cide com a fase ini­cial do tra­bal­ho apos­tóli­co, pois a cate­quese exigiu a tradução de cate­cis­mos, orações e ser­mões para a lín­gua dos nativos. A esta pro­dução dirigi­da essen­cial­mente à con­ver­são, se somari­am, no sécu­lo XVII e XVIII, as cópias de receituários e de libros de med­i­c­i­na e, muito espe­cial­mente no Sete­cen­tos, out­ros gêneros de escritos indí­ge­nas, tais como car­tas, atas de cabil­dos e nar­ra­ti­vas históri­c­as. Nos últi­mos anos, his­to­ri­adores e antropól­o­gos, como Gan­son [2003], Neu­mann [2005, 2007] e Wilde [2014a; 2014b] têm se debruça­do sobre estas fontes indí­ge­nas em guarani, com o propósi­to de inter­pre­tar o proces­so colo­nial e reducional des­de uma “per­spec­ti­va dos indí­ge­nas” Eles, con­tu­do, têm suas inves­ti­gações condi­cionadas tan­to à tradução destas fontes para o espan­hol ou para o por­tuguês, quan­to ao aces­so facil­i­ta­do a esta doc­u­men­tação – que se encon­tra em arquiv­os europeus ou lati­no-amer­i­canos – cuja quan­ti­dade e qual­i­dade já foram recon­heci­das por reno­ma­dos his­to­ri­adores como Pastells [1912; 1933], Fur­long [1948; 1953] e Melià [1992; 2006].

Den­tre estes novos e valiosos man­u­scritos em guarani se encon­tram os recen­te­mente descober­tos por inves­ti­gadores da Uni­ver­si­dad de Kiel [Thun; Cer­no; Ober­meier 2015], que têm recor­ri­do à tipolo­gia de Har­ald Thun sobre as práti­cas de escrit­u­ra em guarani [Thun 2002; 2015], para quem a par­tic­i­pação do indí­ge­na no proces­so da escrit­u­ra apre­sen­ta duas eta­pas: a primeira seria de uma escrit­u­ra “guia­da e con­tro­la­da”, na qual o índio escreve sob a ini­cia­ti­va e o con­t­role de um padre da Com­pan­hia de Jesus, e a segun­da seria a da “lib­er­ação da escrit­u­ra”, que tem relação com as car­tas indí­ge­nas da época do Trata­do de Madri [1750] e das guer­ras guaraníti­cas [1754–1756] já anal­isadas por Eduar­do Neu­mann [2005].

Sabe-se que os libros de med­i­c­i­na man­u­scritos cir­culavam de redução em redução, sob a for­ma de cader­nos, sem especi­fi­cação de seu autor, e, ain­da, que estes cader­nos eram copi­a­dos para que as receitas não se perdessem.[10] Um deles, denom­i­na­do Man­u­scrito de São Bor­ja[11] — suposta­mente do sécu­lo XVIII, pela for­ma de sua escrit­u­ra -, con­tém pro­ced­i­men­tos e receitas para afecções do estô­ma­go e tam­bém para o par­to e o puer­pério, com destaque para os transtornos que cos­tu­mavam se apre­sen­tar nes­ta fase críti­ca para o recém-nasci­do. A cir­cu­lação deste man­u­scrito mostra a clara intenção, assim como tam­bém pudemos perce­ber na Mate­ria Med­ica Mision­era, escri­ta pelo irmão jesuí­ta Pedro Mon­tene­gro, de colo­car estes saberes rela­ciona­dos às artes de curar à dis­posição dos índios con­cen­tra­dos nas reduções.

Além deste man­u­scrito, a Bib­liote­ca Nacional de Madrid (BNM) con­ta com uma ver­são do Libro de med­i­c­i­na en lengua guarani, denom­i­na­do de Ms. B. N. Madrid, que, segun­do a lin­guista Angéli­ca Otazú Mel­gar­e­jo [2014], cir­cu­lou jun­to a um man­u­scrito de Gre­go­rio López (1542–1596).[12] Otazú ref­ere a existên­cia de uma out­ra ver­são deste mes­mo man­u­scrito, sob o títu­lo Pojhã Ñana[13] – redigi­do quase inteira­mente em guarani e atribuí­do ao irmão jesuí­ta Mar­cos Vil­lo­das – na Well­come Library de Lon­dres, razão pela qual é denom­i­na­do de Ms. W. L. Lon­dres.[14] O Man­u­scrito Vil­lo­das, como tam­bém é con­heci­do, se con­sti­tui, segun­do a pesquisado­ra paragua­ia, em um dos poucos no qual o mis­sionário rev­ela que apren­deu – com os indí­ge­nas guara­nis – algu­mas práti­cas médi­cas e, sobre­tu­do, for­mas de diag­nos­ticar doenças, o tipo e a duração do trata­men­to, bem como uma clas­si­fi­cação das plan­tas med­i­c­i­nais. O tex­to traz ao final, escri­ta a lápis, a seguinte ano­tação: “Este ‘Códice Vil­lo­das’ es el úni­co man­u­scrito médi­co guaraní cono­ci­do y se refiere a las propiedades ter­apéu­ti­cas de las plan­tas de las misiones jesuíti­cas en el Paraguay. El padre Fur­long, S.J. no llegó a ver­le. Pro­cede de la colec­ción de Moisés S. Bertoni, Asun­ción, Paraguay, y fue adquiri­do del prf. Guiller­mo Tell Bertoni en Asun­ción, el 5 de mayo 1957.”[15]

Para Angéli­ca Otazú, as ver­sões do Man­u­scrito Vil­lo­das são, jun­ta­mente com Man­u­scrito de São Bor­ja, de importân­cia fun­da­men­tal não somente para a História da Med­i­c­i­na amer­i­cana, mas porque supõe a colab­o­ração e a par­tic­i­pação de enfer­meiros guara­nis nos ofí­cios de pre­venir e curar enfer­mi­dades. Otazú, con­tu­do, aler­ta que “uno de los incon­ve­nientes para analizar el Ms. Lon­dres es el difí­cil acce­so al guaraní clási­co o el guaraní que se emplea­ba en las Reduc­ciones”,[16] o que parece explicar os poucos estu­dos real­iza­dos sobre o man­u­scrito atribuí­do a Mar­cos Vil­lo­das, sal­vo os de Car­men Sánchez Téllez [1990] e de Sabine Anag­nos­tou [2005].

Neste arti­go, com­par­til­hamos os resul­ta­dos de uma inves­ti­gação sobre a pro­dução cien­tí­fi­ca de jesuí­tas que atu­aram na Améri­ca plati­na no Sete­cen­tos, priv­i­le­gian­do a análise da Matéria Med­ica Mision­era e do Libro de Cirugía, escritos pelo irmão Pedro Mon­tene­gro, em 1710 e 1725, respec­ti­va­mente, do man­u­scrito “Pojhã Ñana”, de 1725, cuja auto­ria é atribuí­da ao tam­bém irmão Mar­cos Vil­lo­das, e, ain­da, do man­u­scrito Paraguay Nat­ur­al Ilustra­do, escrito entre 1771 e 1776, pelo padre jesuí­ta José Sánchez Labrador. Mais do que con­statar a influên­cia exer­ci­da pelas teo­rias médi­cas vigentes na Europa nas obras destes mis­sionários jesuí­tas, inter­es­sa-nos tam­bém apre­sen­tar evidên­cias da apro­pri­ação, difusão e cir­cu­lação de saberes e pro­ced­i­men­tos ter­apêu­ti­cos.

A Materia Medica Misionera e o Libro de Cirugía do irmão jesuíta Pedro Montenegro

Escri­ta em 1710, a Mate­ria Med­ica Mision­era tem 458 pági­nas, além de 148 desen­hos de plan­tas feitos à mão, e con­ta em seu fron­tispí­cio com uma imagem de Nos­sa Sen­ho­ra das Dores, padroeira dos doentes. Sabe-se da existên­cia de dois man­u­scritos orig­i­nais, isto é, data­dos de 1710. Um deles se encon­tra na Bib­liote­ca de Buenos Aires e do qual se orig­i­naram cin­co ver­sões impres­sas. A primeira ver­são impres­sa foi pub­li­ca­da em 1888, por Ricar­do Trelles, na Revista Patrióti­ca Del Pasa­do Argenti­no,[17] a segun­da, em for­ma­to dig­i­tal, disponív­el na Bib­liote­ca Vir­tu­al del Paraguai,[18] e a ter­ceira, em uma edição recente, do ano de 2009.[19] Local­izamos, tam­bém, uma ver­são na Bib­liote­ca Dig­i­tal da Espan­ha, que data de 1710 e que acred­i­ta­mos tratar-se do orig­i­nal. Sabe-se que uma cópia do tex­to orig­i­nal de Pedro de Mon­tene­gro – Libro primeiro de la propiedad y bir­tudes de los arboles i plan­tas de las misiones y provín­cias de Tucumán con algu­nas del Brasil y del Ori­ente – se encon­tra guarda­do na Bib­liote­ca Nacional de Madri.[20]

Existe, ain­da, uma cópia man­u­scri­ta da Mate­ria Med­ica Mision­era, com data de 1790, que se encon­tra disponív­el no Arqui­vo do Insti­tu­to Anchi­etano de Pesquisas da UNISINOS. Este man­u­scrito não con­ta com os desen­hos pre­sentes no orig­i­nal, e, ao que tudo indi­ca, foi copi­a­do por uma pes­soa pouco letra­da, haja vista as incor­reções gra­mat­i­cais, como obser­va­do pelo padre Bar­tolomeu Melià, em ano­tação fei­ta à mão no fron­tispí­cio com data de 1986: “El pre­sente man­u­scrito parece ser de la época y está escrito por quien no dom­i­na la lengua castel­lana, y asi podría ser un índio misionero”.[21]

Sobre seu autor, Pedro de Mon­tene­gro, sabe-se que nasceu na Galí­cia, em maio de 1663 e, ain­da jovem – provavel­mente, em 1679 –, ini­ciou seus estu­dos de med­i­c­i­na no “Hos­pi­tal Gen­er­al de Madrid”, ten­do ingres­sa­do na Com­pan­hia de Jesus em abril de 1691. No Catál­o­go da Provín­cia do ano de 1703, con­s­ta que o irmão Mon­tene­gro “(…) había hecho los últi­mos votos el 25 de abril de 1703, que se alla­ba en las Misiones del Rio Paraná, que sus fuerzas físi­cas eran ‘débiles’ y su ofi­cio era el de ciru­jano (Chirur­gus).”[22] Con­sideran­do a for­mação que Pedro de Mon­tene­gro teve na Espan­ha e os pro­ced­i­men­tos ter­apêu­ti­cos empre­ga­dos pelos médi­cos e cirurgiões à época – que pre­vi­am san­grias, ingestão de ervas med­i­c­i­nais, fricções, apli­cação de ven­tosas e emplas­tros com os mais vari­a­dos ingre­di­entes e cat­a­plas­mas, bem como amputações e cor­reções de desvios ósseos – e o ofí­cio de cirurgião a ele atribuí­do no Catál­o­go, pode-se inferir quais as ativi­dades que viria a desem­pen­har nas mis­sões da Com­pan­hia de Jesus na Améri­ca.[23]

As ver­sões man­u­scritas e impres­sas do trata­do Mate­ria Médi­ca Mision­era, do irmão jesuí­ta Pedro de Mon­tene­gro – um dos man­u­scritos de med­i­c­i­na que cir­cu­laram entre as reduções e colé­gios da Ordem na Améri­ca plati­na ao lon­go do sécu­lo XVIII e mes­mo no pos­te­ri­or – já foram anal­isadas por vários pesquisadores. Ape­sar da con­tes­tação da auto­ria da obra, com destaque para a posição assum­i­da pelo médi­co argenti­no Pedro Ara­ta [1898], out­ros padres jesuí­tas, como Pedro Lozano [1733] e José Sánchez Labrador [1910], se encar­regaram de asse­gu­rar a Pedro Mon­tene­gro a condição de prin­ci­pal autor de receituários de botâni­ca médi­ca da Com­pan­hia de Jesus no sécu­lo XVIII.[24]

Na Mate­ria Med­ica Mision­era, encon­tramos reg­istradas infor­mações sobre aque­les que Mon­tene­gro denomi­nou de “estos pobres índios”, aque­les que se encon­travam sujeitos ao atendi­men­to presta­do por “médi­cos curan­deros y curan­deiras” [Mon­tene­gro 1945: Pról­o­go]. Con­tu­do, à medi­da que avançamos nos capí­tu­los da obra, os saberes indí­ge­nas, sobre­tu­do sobre plan­tas med­i­c­i­nais e práti­cas cura­ti­vas, assumem desta­ca­da importân­cia, nem sem­pre recon­heci­da pelo irmão jesuí­ta, que pref­ere asso­ciá-los à providên­cia div­ina. A manutenção de deter­mi­nadas práti­cas cura­ti­vas tradi­cionais nas reduções e o papel desem­pen­hado por indí­ge­nas – como infor­mantes ou enfer­meiros, ou mes­mo, como curan­deiros – ficam tam­bém evi­dentes na cor­re­spondên­cia tro­ca­da entre os mis­sionários e encam­in­ha­da ao Padre Ger­al da Com­pan­hia de Jesus, como procu­ramos demon­strar neste arti­go.

Para Mon­tene­gro, tan­to a natureza, quan­to os con­hec­i­men­tos indí­ge­nas sobre ela são perce­bidos como inter­venção do Cri­ador – que agia de difer­entes maneiras para garan­tir sua uti­liza­ção “como sus­ten­to y med­i­c­i­na”, como se pode con­statar nas pas­sagens rel­a­ti­vas ao uso da erva mate, que “en estos pais­es del Paraguay, y Misiones (…) la enseñó San­to Thomé á los Indios”, e cujas pro­priedades con­du­centes seri­am bem supe­ri­ores às do cacau do Ori­ente [Mon­tene­gro 1945: 4]. A uti­liza­ção da erva mate pelos indí­ge­nas era, des­ta for­ma, legit­i­ma­da em função da pas­sagem do após­to­lo São Tomé pela Améri­ca, ocasião em que lhes ensi­nou a viv­er como cristãos civ­i­liza­dos e pre­gou sobre a “ver­dadeira religião”.

Em out­ros momen­tos, a jus­ti­fica­ti­va dada pelo jesuí­ta para a aceitação dos saberes indí­ge­nas esta­va lig­a­da à condição e à con­du­ta do infor­mante. Ao falar sobre a plan­ta alto­ci­go, Mon­tene­gro ressalta várias de suas qual­i­dades – prove­nientes de seu amar­gor – e sua apli­cação em doenças nos olhos decor­rentes de fraque­zas no cére­bro, acres­cen­tan­do que havia toma­do con­ta­to com esta plan­ta através de um índio cristão muito qual­i­fi­ca­do, chama­do Clemente, “cier­to Curuzú­yara ó medico, el mas péri­to que en estas Misiones he hal­la­do”. Na refer­ên­cia que faz às qual­i­dades da raiz do Caá­pari guazú, empre­ga­da com suces­so nas epi­demias de “cama­ras de san­gre”, Mon­tene­gro afir­ma que, ape­sar de nun­ca ter feito exper­iên­cias com a plan­ta, dava algum crédi­to à infor­mação por ter sido dada por “un capáz y buen cris­tiano lla­ma­do Clemente” [Mon­tene­gro 1945: 314].

A con­fi­ança deposi­ta­da nas infor­mações dadas pelo “capaz¸ buen cris­tiano e el más per­i­to” – o infor­mante indí­ge­na Clemente – parece apon­tar para a asso­ci­ação que Mon­tene­gro faz entre con­ver­são e con­hec­i­men­to, como se pode con­statar em out­ra pas­sagem na qual, ao descr­ev­er os usos pos­síveis da plan­ta yacaré caá,[25] ele desta­ca que os indí­ge­nas cos­tu­mavam buscá-la para neu­tralizar venenos de diver­sos ani­mais e que “así me la dió a cono­cer cier­to Indio viejo, el más expe­d­i­to que he hal­la­do en estas Misiones en el conocimien­to de las yer­bas, y su apli­cación” [Mon­tene­gro 1945:118] Mostrou-se, tam­bém, aten­to aos efeitos do con­sumo do guem­bé[26] sobre cer­tos ani­mais:[27]

…hasta los gatos madrugan á hurtar su fruto, siendo de complesion tan calientes y secos como son los cuales; á pocos dias que lo han comido arman unos con otros graves y sangrientas pendencias, despues de las cuales he observado se bán secando y pelando, de suerte que vienen á morir á los cuatro ó cinco meses, y conozco es la causa el faltarles agua despues de haberlos comido [Montenegro, 1945:205].

As refer­ên­cias feitas aos con­hec­i­men­tos dos nativos, sobre­tu­do em relação à apli­cação de plan­tas med­i­c­i­nais no trata­men­to de doenças acabam por rev­e­lar a atu­ação dos “médi­cos índios” pelo irmão jesuí­ta, como fica evi­den­ci­a­do nes­ta pas­sagem, em que, ao descr­ev­er as pro­priedades do beju­co, Mon­tene­gro ressalta ter rece­bido infor­mações de “var­ios medicos Indios los más capaces”, o que apon­ta para o rel­e­vante papel desem­pen­hado pelos infor­mantes indí­ge­nas na elab­o­ração da Mate­ria Médi­ca Mision­era.[28] Na descrição que faz de algu­mas das plan­tas, Mon­tene­gro acres­cen­tará a infor­mação de que elas podi­am ser encon­tradas em “huer­tas y chacaras de los Indios”, o que sug­ere – além de se tratar de um recur­so ter­apêu­ti­co tradi­cional entre os indí­ge­nas – a con­tinuidade de seu emprego nas reduções jesuíti­cas (Mon­tene­gro, 1945: 209).

A iden­ti­fi­cação das plan­tas em guarani – e tam­bém em tupi – parece ates­tar a importân­cia que Mon­tene­gro dava ao con­hec­i­men­to que os indí­ge­nas tin­ham sobre a local­iza­ção e sobre as pro­priedades cura­ti­vas das plan­tas nati­vas, bem como a sua pre­ocu­pação em garan­tir que os leitores da Mate­ria Med­ica Mision­era – padres que se encon­travam em out­ras reduções, colé­gios ou residên­cias jesuíti­cas – pudessem con­tar com a aju­da de indí­ge­nas – infor­mantes ou enfer­meiros – para sua uti­liza­ção como remé­dio em deter­mi­nadas situ­ações. Além dis­so, é pre­ciso con­sid­er­ar que, ape­sar do rel­a­ti­vo iso­la­men­to e das lon­gas dis­tân­cias, padres, indí­ge­nas e infor­mações cir­culavam entre as difer­entes regiões da Améri­ca onde a Com­pan­hia de Jesus atu­a­va, como se depreende des­ta pas­sagem em que Mon­tene­gro ref­ere os usos da copay­ba pelos índios Tupis: “Me he infor­ma­do de los Por­tugue­ses, y Tupis, que en el Brasil lo han saca­do, y dicen, que hay arbolea muy grue­sos, y en tier­ra pingüe, que en quince dias llenan dos cal­abazos, como dos fras­cos, y más, de los nue­stros de á dos cuar­til­los de medi­da may­or”.[29] Ou, então, na refer­ên­cia fei­ta ao uso do Macaguá isipo no trata­men­to de mor­di­das de víb­o­ras que, segun­do Mon­tene­gro, lhe havia sido ensi­na­do por um índio Tupi insta­l­a­do no povoa­do de San Bor­ja, que “se vino de la Ciu­dad de San Gabriel hui­do, según me han dicho” [Mon­tene­gro 1945: 101].

A cópia man­u­scri­ta do trata­do Mate­ria Med­ica Mision­era, com data de 1790, que local­izamos no Arqui­vo do Insti­tu­to Anchi­etano de Pesquisas da Unisi­nos, parece con­fir­mar a cir­cu­lação de cópias de obras des­ta natureza entre os difer­entes espaços de atu­ação da Com­pan­hia de Jesus. De acor­do com o his­to­ri­ador Eduar­do Neu­mann, o domínio do alfa­beto pelos indí­ge­nas foi uma decor­rên­cia da cate­quese, que per­mi­tiu que atingis­sem notáv­el destreza nas práti­cas letradas, par­tic­i­pan­do dire­ta­mente na elab­o­ração de vocab­ulários, cate­cis­mos, gramáti­cas e na repro­dução (cópias) de obras que pas­savam a cir­cu­lar entre os colé­gios e as reduções.[30]

Heloísa Gesteira, por sua vez, defende que estes tex­tos eram copi­a­dos (pelos próprios mis­sionários ou, então, por copis­tas indí­ge­nas), sendo dis­tribuí­dos e com­par­til­ha­dos pelos ina­cianos insta­l­a­dos em várias regiões aten­di­das pela Com­pan­hia de Jesus (daí, traz­er os nomes das espé­cies de plan­tas em espan­hol, tupi e guarani), con­for­man­do uma “rede de tro­ca de exper­iên­cias e de infor­mações” e um “proces­so de cos­mopoli­ti­za­ção das práti­cas médi­cas, que, por sua vez, era acom­pan­ha­da por um proces­so de exper­i­men­tação, cul­ti­vo e dis­sem­i­nação de plan­tas”.

Encar­rega­dos das cópias de car­til­has com ori­en­tações para evi­tar o con­tá­gio, de fór­mu­las de medica­men­tos e de obras de med­i­c­i­na, muitos destes indí­ge­nas copis­tas não somente favore­ce­r­am a tro­ca e a dis­sem­i­nação de uma série de saberes e práti­cas de cura entre as dis­tin­tas e dis­tantes ter­ras de mis­são da Com­pan­hia de Jesus. Tam­bém a engen­hosi­dade indí­ge­na foi reg­istra­da por Mon­tene­gro, como se pode con­statar na descrição que faz da apli­cação da plan­ta “vivo­ra de Tar­i­ja”.[31] O irmão jesuí­ta infor­ma que, ini­cial­mente, suas pro­priedades eram con­heci­das ape­nas por um espan­hol, que não as rev­ela­va por “el interéz que le cor­ria”. O seg­re­do, no entan­to, acabou sendo rev­e­la­do por um indí­ge­na – um cari­doso cristão – que, muito per­spi­caz, observou‑o – à dis­tân­cia – col­her deter­mi­na­da erva após ser pic­a­do por uma cobra:

...al punto corrió á un vallecito de un arroyuelo, y un Indio tráz de él, vió que cojió esta yerba, la mascó y aplicó á la herida, y mascando mas tragó el zumo. Dicho Indio fué mas Cristiano, por que luego comunicó el secreto á un su compañero, y de aquí resultó el descubrimiento para conocer su preciosa virtud, y aquel secreto del codicioso europeo. Esto me lo contó dicho Pe. Tomas Moreno” [Montenegro 1945: 83-84].

Mon­tene­gro reg­is­tra, tam­bém, as incursões que fazia – acom­pan­hado de indí­ge­nas – em bus­ca de deter­mi­nadas plan­tas que, por serem prove­nientes do Ori­ente, eram tidas como raras, tan­to nos her­bários, quan­to nas bot­i­cas europeias:

...pero viendo que le faltaba lo agudo y aromático que pide el verdadero esquinanto la arrojé, fiando del Todo Poderoso lo hallaría, y no me engañé, porque estando un día de gran Sol á la orilla de cierto arroyo á la sombra, á donde me guarnecí del cansancio del largo camino que traía, me lo deparo el Todo Poderoso, por medio del olfato, y en fin después de varias diligencias mías, y de tres Indios que venían en mi compañía, registrando arboles, y mato de alrededor, hice reparo, que en sentándome en tierra por lo cual me puse á buscar entre las yerbas y pasto el tal olor, cuando el uno de los Indios me dijo: este es Capiî-cati. Dije le, si, (…) esto es lo que buscaba: saqué sus raíces, y hallé por olor y gusto el verdadero esquinanto, de lo cual mucho me alegré”.

Como podemos con­statar, mes­mo tratan­do-se de um man­u­scrito de med­i­c­i­na, a Mate­ria Med­ica Mision­era parece com­pro­var não ape­nas a cir­cu­lação de medica­men­tos e con­hec­i­men­tos entre os jesuí­tas – através das cópias de trata­dos e receituários e da inten­sa cor­re­spondên­cia que entre si man­tiver­am – como tam­bém a inter­ação de indí­ge­nas e mis­sionários, como evi­den­ci­a­do no rela­to feito pelo irmão jesuí­ta Mon­tene­gro – que, depois de muito procu­rar, encon­trará o “ver­dadero esquinan­to” com a aju­da de um indí­ge­na – e que apon­ta para as tro­cas cul­tur­ais entre saberes e práti­cas de cura.[32]

As várias espé­cies referi­das por Mon­tene­gro e, não exclu­si­va­mente suas dis­tin­tas denom­i­nações, estão, com certeza, asso­ci­adas às ecor­regiões em que os colé­gios e as reduções jesuíti­cas se encon­travam insta­l­adas. Na ecor­região do Cha­co Seco, encon­tramos o Colé­gio de San­ti­a­go del Estero e o Colé­gio de La Rio­ja. Este últi­mo se encon­tra insta­l­a­do muito próx­i­mo da ecor­região Monte de Sier­ras e Bol­sones que, dev­i­do às pou­cas pre­cip­i­tações, é muito ári­da. Na região mais a noroeste da atu­al Argenti­na, encon­tramos o Colé­gio de Tucumán e o Colé­gio de Salta, insta­l­a­dos em um ter­ritório com condições climáti­cas mais favoráveis, pois aden­travam a ecor­região denom­i­na­da Sel­vas de las Yun­gas, que se car­ac­ter­i­za por pre­cip­i­tações mais fre­quentes, que favore­cem uma flo­ra e uma fau­na mais diver­sa. Já o Colé­gio de Cor­ri­entes se encon­tra­va em uma região com áreas sujeitas a inun­dações, típi­cas da ecor­região Esteros del Ibera, e muito próx­i­mo do Cha­co Úmi­do e Delta do Paraná. Na região cen­tral, temos o Colé­gio de Cór­do­ba – onde Mon­tene­gro com­ple­tou sua for­mação e atu­ou como boticário –, que se local­iza­va na ecor­região do Espinal, car­ac­ter­i­za­da pela sua aridez. O Colé­gio de Men­doza, por sua vez, se encon­tra­va em uma região ain­da mais inóspi­ta, abar­ca­da pelas ecor­regiões Monte de Lla­nuras y Mese­tas e da Estepa Patag­o­ni­ca. Já as reduções em que o irmão jesuí­ta atu­ou – a de Após­toles e a de Már­tires –, se encon­travam na região de Mis­siones (região tam­bém denom­i­na­da de Sel­va Mision­era ou Paranaense), que se car­ac­ter­i­za pelas chu­vas abun­dantes e pela sua bio­di­ver­si­dade, e que, além do ter­ritório da atu­al Argenti­na, se esten­dia às regiões ori­en­tais do Paraguai e tam­bém ao sul do Brasil. Sua atu­ação em reduções nes­ta região parece explicar a diver­si­dade das espé­cies de plan­tas med­i­c­i­nais nati­vas que Mon­tene­gro cole­tou (em expe­dições que real­i­zou acom­pan­hado de indí­ge­nas já reduzi­dos), testou e descreveu na Mate­ria Med­ica Mision­era.

Para muitos his­to­ri­adores, o Trata­do de Cirugía,[33] de 1725, tam­bém foi escrito pelo irmão jesuí­ta Pedro Mon­tene­gro, autor da Mate­ria Med­ica Mision­era, de 1710. Em con­sul­ta ao ver­bete Pedro Mon­tene­gro do Dic­cionário Históri­co de La Com­panía de Jesús, e Charles E. O’Neill e Joaquin Maria Dominguez, encon­trei a seguinte infor­mação: “Escribió libros de med­i­c­i­na en español y guaraní. Sus prin­ci­pales obras fueron ‘Mate­ria Med­ica Mision­era’ [1710], con 148 ilus­tra­ciones hechas por él mis­mo, y ‘Libro de Cirugía’ [1725], aún inédi­to, que se con­ser­va en la bib­liote­ca del con­ven­to fran­cis­cano de Cata­mar­ca (Argenti­na)” [O’neill; Dominguez 2001: 13–15].

Posi­cio­nan­do-se em relação à polêmi­ca quan­to à pos­si­bil­i­dade de o “Libro de Cirugía” ter sido escrito por um frei fran­cis­cano – de nome Pacheco –, o his­to­ri­ador jesuí­ta Guiller­mo Fur­long [1947: 74] afir­mou que “Mon­tene­gro es el indis­cu­ti­do autor de la tan zaran­dea­da Mate­ria Med­ica Mision­era pero, a nue­stro pare­cer, es el igual­mente el autor del ‘Libro de Cirugía’ que, en 1916, dio a cono­cer el doc­tor Félix Garzón Mace­da en magna y eru­ditísi­ma his­to­ria de la “Med­i­c­i­na en Cór­do­ba”.[34] O tex­to do Pról­o­go da obra evi­den­cia que seu autor recor­reu a “autores clási­cos y que son doc­tos para la Med­i­c­i­na” e que seu maior propósi­to era o “de reunir en un Cuer­po, lo que no he podi­do hal­lar en libro alguno, cuan­to es pre­ciso tenien­do que cam­i­nar con­tin­u­a­mente y por diver­sas partes; no podi­en­do lle­var muchos libros que me hal­la­ba fal­to” [Mon­tene­gro apud Acer­bi Cre­mades 1999: 19]. O Libro de Cirugía, segun­do Garzón Mace­da, pos­sui nove capí­tu­los:

1 Capítulo: Dispensário Médico, conteniendo diferentes fórmulas magistrales de medicamentos, para ser administrados por via oral o em aplicaciones externas; 2 Capítulo: Anatomía del cuerpo humano; 3 Capítulo: El tratado de sangrar; 4 Capítulo: enfermedades de la cabeza; 5 Capítulo: Enfermedades del pecho; 6 Capítulo: Enfermedades de la cavidad abdominal; 7 Capítulo: Enfermedades de las Mujeres; 8 Capítulo: Tratado de las Fiebres; 9 Capítulo: Tratado sobre el pulso: orina y crisis. Algunos tratamientos quirúrgicos; medidas para curar el ‘morbo gálico’ y el Escorbuto. Se Cierra el Tratado de los Pronósticos con tablas que muestan la complexión y aspecto de los siete planetas y los doce signos celestes, entre los cuales está la luna y los dias más convenientes para evacuar los humores, por medio de las sangrias o purgantes. (…) Es lo más completo que ha circulado y lo de mayor mérito que puede hallarse entre los códices médicos coloniales que han llegado hasta nosotros [Garzón Maceda in: Acerbi Cremades 1999: 19].

Con­sideran­do a for­mação que Mon­tene­gro teve como apren­diz no Hos­pi­tal Gen­er­al de Madrid e os pro­ced­i­men­tos ter­apêu­ti­cos empre­ga­dos pelos médi­cos e cirurgiões à época – que pre­vi­am san­grias, ingestão de ervas med­i­c­i­nais, fricções, apli­cação de ven­tosas e emplas­tros com os mais vari­a­dos ingre­di­entes e cat­a­plas­mas, bem como amputações e cor­reções de desvios ósseos – e o ofí­cio a ele atribuí­do no Catál­o­go – o de cirurgião –, pode-se inferir quais as ativi­dades que viria a desem­pen­har nas mis­sões da Com­pan­hia de Jesus na Améri­ca.

Acred­i­ta­mos que Mon­tene­gro pôde, efe­ti­va­mente, exercer tan­to as funções de boticário, de “enfer­mero” e de cirurgião, pois adquir­iu jun­to ao Hos­pi­tal Ger­al de Madri “amplia prác­ti­ca tan­to médi­ca como quirúr­gi­ca y en far­ma­co­pea his­páni­ca”. A esta “for­ma­ción, empíri­ca al pare­cer, pues no obtu­vo nun­ca títu­lo de médi­co”, somou-se “un ver­dadero tal­en­to de obser­vación, [que] le per­mi­tió adquirir un sóli­do conocimien­to de nues­tra aún descono­ci­da botáni­ca médi­ca” [Mañé Gar­zon 1996: 231]. A atu­ação de irmãos jesuí­tas nes­ta função é con­fir­ma­da por Pablo Pastells: “se señalaran enfer­meros en cada pueblo y lle­varan las med­i­c­i­nas ordi­nar­ias, como son: ven­tosas, lanc­etas, panos para hilar y ven­dar, sal, cuchil­los para foguear, azufre, ajos, piedra de San Pablo, miel de abe­jas, 12 hamacas, por lo menos, para los enfer­mos” [Pastells 1912, Tomo I: 287]. Além dis­so, de acor­do com Mar­tin e Valverde [1985: 355] o irmão Mon­tene­gro “fue nom­bra­do ciru­jano de los pueb­los e San Bor­ja, San Miguel de la Can­de­lar­ia y del Yta­puã en 1705”, segun­do con­s­ta em doc­u­men­to pub­li­ca­do em Pastells [1933].

A menos doc­u­men­ta­da das três ativi­dades que Mon­tene­gro desem­pen­hou é, sem dúvi­da, a de “ciru­jano (chirur­gus)”. Sabe-se que Mon­tene­gro par­ticipou dos con­fli­tos decor­rentes da dis­pu­ta pela Colô­nia de Sacra­men­to entre por­tugue­ses e espan­hóis,[35] e que

...en 1705 volvemos a tener noticias de él; esta vez en un certificado extendido por el capitán de coraceros Andrés Gómez de la Quintana, en ocasión del sitio de la Colonia del Sacramento, para cuya empresa los jesuitas armaron y condujeron un ejército de 4.000 indios guaraníes, donde venía, ‘como cirujano para curar heridos’, junto con otros religiosos, el hermano Montenegro [Bauzá 1895, Tomo I: 551].[36]

Além deste doc­u­men­to ofi­cial,[37] que ref­ere a sua par­tic­i­pação como cirurgião jun­to a uma milí­cia de sol­da­dos indí­ge­nas, algu­mas infor­mações, ape­sar de mín­i­mas, podem ser encon­tradas na Mate­ria Med­ica Mision­era, de 1710, como se pode con­statar nes­ta pas­sagem em que Mon­tene­gro ref­ere o suces­so de um prepara­do à base da raiz de orozús: “Esto ten­go con más de cua­tro hecho la expe­ri­en­cia, que atraveza­dos el pecho de lan­zas y balas,[38] en las guer­ras que me hal­lé, que nadie pens­a­ba que los tales pud­iesen vivir 24 horas” [Mon­tene­gro 1945: 176]. Ou, então, nes­ta pas­sagem na qual ref­ere que com­bat­eu as “cama­ras de con­ta­gio” – “diar­reas san­guino­len­tas cau­sadas pelas “muchas llu­vias; y poco abri­go, y no ten­er mas que carne, y aque­l­la fla­ca” [Mon­tene­gro 1945: 110]. [39] – que havi­am atingi­do os sol­da­dos com arrayán e arazá, plan­tas que nasci­am em “abun­dan­cia sobre la Colo­nia de San Gabriel” [Mon­tene­gro 1945: 37].[40]

Tam­bém nas reduções, Mon­tene­gro parece ter con­vivi­do com situ­ações que reque­ri­am mais do que os con­hec­i­men­tos próprios de um enfer­meiro ou boticário, como esta em que um indí­ge­na teve “una dis­lo­cación, con grave con­tu­ción del espina­zo y rodil­la de un Indio, que por reco­jer guabirás se cayó del arbol sobre piedras, quedan­do alli casi muer­to”,[41] no entan­to, ele afir­ma ter recor­ri­do a um um bál­samo de Yuquírípeí, que “mit­igó los dolores, y quitó la infla­ma­cion en 24 horas.”[42] Em out­ra pas­sagem, Mon­tene­gro ressalta os bene­fí­cios da uti­liza­ção “del ungüen­to del Guní-elemí” – já referi­do por Andres Alcazar, médi­co e pro­fes­sor em Sala­man­ca, autor de livros de cirur­gia, com destaque para um deles, no qual abor­da o trata­men­to de feri­das na cabeça (1582)[43] –, que “es admirable en las heri­das pen­e­trantes del pecho y ven­tre, porque saca las mate­rias y san­gre de lo inter­no por la heri­da y el ardor de la lla­ga al mis­mo tiem­po” e, tam­bém, nas “que­braduras de los hue­sos y graves con­tor­ciones oseas (…) como yo me he vali­do y me val­go de el.”[44]

O manuscrito Pojhã Ñaña, do irmão jesuíta Marcos Villodas

Sobre o autor do assim denom­i­na­do Man­u­scrito Vil­lo­das, sabe-se que nasceu em 1º de maio de 1695, em Nan­clares de Gam­boa, Ála­va, País Bas­co, e que era jesuí­ta des­de 1712. Vil­lo­das chegou a Buenos Aires em 1717, e entre 1724 até 1735 exerceu ativi­dades nas “Misiones del Uruguay”, sendo que no ano de 1725 (ano da divul­gação do man­u­scrito) se encon­tra­va na redução de “Con­cep­ción”. Foi des­ti­na­do depois à cidade de Cór­do­ba de Tucumán, onde esteve encar­rega­do da bot­i­ca até 1739. Era tido como bom cirurgião, mas como boticário, “se fala­va mal dele porque além de ser mesquin­ho, não sabia nada de bot­i­ca e tro­ca­va os remé­dios e receitas, segun­do dizem” [Fur­long 1947: 97]. Foi trans­feri­do da bot­i­ca de Cór­do­ba para San­ta Fe, onde veio a fale­cer em 1741.

O man­u­scrito MS-Lon­dres ou Pojhã Ñana[45], estu­da­do por Otazú, está escrito em guarani, bas­tante legív­el, encader­na­do em pergam­in­ho mod­er­no, que mede 19,5 x 14,5 cm, com 59 folios ou 119 pági­nas. Os títu­los se encon­tram numer­a­dos em números arábi­cos, com uma seqüên­cia de f.1‑f.205, mas o man­u­scrito não con­ta com 205 receitas. O tex­to apre­sen­ta três seções, sendo que a primeira traz trin­ta trata­men­tos para doenças, des­de dores de cabeça até varío­la; a segun­da seção, ter­apias indi­cadas para mor­di­das de víb­o­ras e pic­a­das de inse­tos, e trata­men­tos para cer­tas afecções da pele, como cha­gas e feri­das decor­rentes de queimaduras. É nes­ta últi­ma seção do man­u­scrito que se encon­tram indi­cações de uso de cer­tas plan­tas med­i­c­i­nais e instruções sobre seu preparo, além de uma tabela inti­t­u­la­da “Nom­bres de algu­nas plan­tas en guaraní y castel­lano”, na qual se encon­tram tam­bém ori­en­tações quan­to à sub­sti­tu­ição de uma plan­ta med­i­c­i­nal por out­ra quan­do fos­se necessário. Em relação ao trata­men­to de enfer­mi­dades, o autor deste man­u­scrito descreve sin­tomas, ofer­ece ao seu poten­cial leitor/usuário vários pro­ced­i­men­tos ter­apêu­ti­cos,[46] indi­can­do, ain­da, tan­to a duração dos trata­men­tos que dev­e­ri­am ser ado­ta­dos, quan­to os cuida­dos que os pacientes dev­e­ri­am tomar, por exem­p­lo, em relação à ali­men­tação durante a con­va­lescença.[47]

O man­u­scrito, ape­sar de estar escrito em guarani, se car­ac­ter­i­za pelo emprego recor­rente de cer­tos his­panis­mos, o que pode ser con­stata­do no emprego de medi­das como onça, libra e peso real e, ain­da, de ingre­di­entes como “azu­car”, “con­ser­va”, “aguar­di­ente”, “azufre”; nas refer­ên­cias feitas a recip­i­entes como vaso e fras­co, e, espe­cial­mente, a ter­mos da anato­mia humana, tais como “híga­do” e “corazón”. É plausív­el supor que Pojhã Ñana ten­ha sido escrito tan­to para ori­en­tar enfer­meiros guara­nis – ou àque­les indí­ge­nas que, por terem apren­di­do a ler e a escr­ev­er em guarani, pode­ri­am vir a assumir esta função em algu­ma even­tu­al­i­dade –, [Per­amás 2004: 77] quan­to para sub­sidiar jesuí­tas enfer­meiros, encar­rega­dos de cuidar de pacientes que falavam o guarani [Otazú Mel­gar­e­jo 2014: 05].

Con­sideran­do que este man­u­scrito foi divul­ga­do quinze anos depois daque­le que Pedro Mon­tene­gro escreveu e que ele coin­cide com o ano de divul­gação do Libro de Cirugía, atribuí­do tam­bém ao irmão jesuí­ta, é plausív­el supor que no Pojhã Ñana, do irmão Mar­cos Vil­lo­das, muitos dos diag­nós­ti­cos, de princí­pios humoral­is­tas,[48] das vir­tudes med­i­c­i­nais de cer­tas plan­tas e a indi­cação de trata­men­tos ten­ham sua origem no “libro de med­i­c­i­na” escrito em 1710. As evidên­cias da apro­pri­ação de saberes ou da repro­dução de cer­tas receitas[49] pre­sentes na Mate­ria Med­ica Mision­era podem ser con­statadas, por exem­p­lo, nos pro­ced­i­men­tos ter­apêu­ti­cos indi­ca­dos para o trata­men­to de “lla­gas vie­jas”, uma vez que o irmão Vil­lo­das recomen­da:

Hay varias for­mas de lla­gas vie­jas, las que afectan la parte inter­na del cuer­po, otras que pro­ducen hinchazón/inflamación en la carne y otras que afectan la piel, otras pro­ducen pequeños agu­jeros en la carne del paciente, y pro­ducen pus. (…) [Hay las] que afectan los nervios y otras que afectan has­ta los hue­sos. (…) si se le apli­ca el cocimien­to del zumo de taba­co mata rap­i­da­mente todo tipo de gusanos de la carne. Y para que sea más efi­caz cocer con taba­co o vina­gre, y que se lave cor­rec­ta­mente el gusano de la lla­ga con orín (humano), cuan­tas veces sea nece­sario. [A la par se recomen­da emplear el zumo de juapekã como bre­ba­je] Que se le dé el sigu­iente reme­dio para que tran­spire su cuer­po, coger once o doce raíces de juapekã de una pul­ga­da, diez raíces de tarope. Un puña­do de kapi’i kati, además, un puña­do de car­do san­to. (…) [Deve-se] fro­tar ade­cuada­mente todas las razíces y machacar­las. Y cocer debida­mente con car­do san­to, se le añadirá seis vasos de agua. Después sacar del fuego (…) y dejar reposar ade­cuada­mente el cocimien­to durante la noche, reca­len­tar­lo al amanecer. Y colar para extraer el zumo, luego colo­car­lo en un cán­taro [Ms W. L. Lon­dres f. 171, 39r en Otazú Mel­gar­e­jo, 2014]. [50]

Na Mate­ria Med­ica Mision­era, o irmão jesuí­ta Mon­tene­gro recomen­da que “Para curar lla­gas de las pier­nas (…) [deve-se] Mas­car una oja de taba­co, y apli­car­la sobre las lla­gas tam­bi­en las cura” [Mon­tene­gro 1945: 415]. Quan­to ao uso med­i­c­i­nal do taba­co, ele obser­va:[51]

Hallanse en estas Misiones dos diversas especies de Tabaco; [el] mas fuerte y mas eficáz para el uso de medicinas, que piden ó se requieren movimiento violento (...) La yerba del Tabaco es tan alabada de los antiguos, que llegaron á llamar la yerba sagrada, otros, yerba santa. (...) Mata las lombrices y gusanos chatos, y otras cualquier sabandija que se cria en los cuerpos, por malos mantenimientos. Sus ojas secas mascadas muy bien, y aplicada[s] á las heridas, ó [p.] 350 /ó llagas sordidas y putridas, ó aquellas que ya hacen materia, las mundifica, y las cura, y lo mismo hace en las muy viejas y sucias [Montenegro 1945: 347; el resaltado me pertenece].

As vir­tudes med­i­c­i­nais do taropé, referi­das por Vil­lo­das no Ms W. L. Lon­dres, foram tam­bém desta­cadas por Mon­tene­gro na Mate­ria Med­ica Mision­era, de 1710:

El Taropé, ó contra yerba del Perú está lo mas de estas tierras muy abundante de ella, y casi todos los Indios la conocen (...) Tiene virtud potentisima contra las mordeduras de las fieras, que arrojan de si ponzoña fria, como es la vibora, culebra, aspid, ceraste, escuerzo, zapos, y semejantes. El cocimiento de dos dragmas de su raiz tomado caliente con un poco de miel de avejas, deshace los grumos de sangre estravenada en las cavidades del pecho y vientre (Montenegro, 1945: 109; el resaltado me pertenece).

Como se pode con­statar, em ambos os libros de med­i­c­i­na (Mate­ria Med­ica e Pojhã Ñana) tan­to as enfer­mi­dades, quan­to as ter­apêu­ti­cas e as plan­tas med­i­c­i­nas indi­cadas por suas vir­tudes se aprox­i­mam – e até se repetem – de for­ma muito sig­ni­fica­ti­va, o que nos leva a con­sid­er­ar plausív­el que os man­u­scritos que se seguiram àquele que orig­i­nal­mente Pedro Mon­tene­gro escreveu, procu­raram repro­duzi-las de for­ma que mis­sionários e indí­ge­nas pudessem – de for­ma mais efi­ciente – con­tornar os efeitos de epi­demias e out­ras enfer­mi­dades sobre as “nascentes cri­stan­dades”.

O Paraguay Natural Ilustrado do padre jesuíta José Sánchez Labrador

O últi­mo man­u­scrito que anal­isamos é o Paraguay Nat­ur­al Ilustra­do,[52] que foi escrito pelo padre José Sánchez Labrador, entre 1771–1776, durante seu exílio em Rave­na, na Itália, por­tan­to, após a expul­são da Com­pan­hia de Jesus dos domínios colo­ni­ais ibéri­cos. O man­u­scrito orig­i­nal encon­tra-se sob a guar­da do Arqui­vo Romano da Sociedade de Jesus (ARSI), em Roma,[53] se sub­di­vide em seis tomos – per­fazen­do um total de 1.852 pági­nas –, que reúnem infor­mações sobre geografia, geolo­gia, zoolo­gia e botâni­ca[54] da vas­ta região que com­preen­dia a Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguay.

José Sánchez Labrador nasceu em La Guardia, cidade de La Man­cha, no dia 19 de setem­bro de 1714 ou 1717. Ingres­sou na Com­pan­hia de Jesus em 5 de out­ubro de 1731, de acor­do com Ruiz Moreno [1948], ou em 19 de setem­bro de 1732, segun­do Sainz Ollero [1989]. Ini­ciou seus estu­dos de Filosofia no Colé­gio de Val­ladol­id, inter­rompen­do-os para via­jar ao Rio da Pra­ta em 1734, acom­pan­han­do o Padre Anto­nio Machoni. De 1734 a 1739, estu­dou Filosofia e Teolo­gia na Uni­ver­si­dade de Cór­do­ba, con­cluin­do sua for­mação no verão de 1739. Entre os anos de 1741 e 1744, atu­ou como pro­fes­sor na mes­ma cidade, ded­i­can­do-se, con­comi­tan­te­mente, aos estu­dos de História Nat­ur­al.

Assim, como muitos out­ros padres e irmãos jesuí­tas que o pre­ced­er­am nas ter­ras de mis­são amer­i­canas, Sánchez Labrador não dedi­cou-se, exclu­si­va­mente, à con­ver­são dos indí­ge­nas, mas tam­bém ao estu­do da fau­na e da flo­ra amer­i­cana que obser­vou nas diver­sas regiões da Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguai em que atu­ou como mis­sionário. De acor­do com alguns de seus bió­grafos, entre 1747 e 1757, o padre jesuí­ta atu­ou jun­to às reduções de San Fran­cis­co Xavier, San­ta Maria la May­or, La Cruz, San­to Thomé e San José.[55] A par­tir de 1757, pas­sou a atu­ar em Após­toles (San­tos Após­to­los ou Após­to­los São Pedro e São Pablo), ten­do como com­pan­heiros os padres Loren­zo Ovan­do e Segis­mun­do Asperg­er, este últi­mo, recon­heci­do por sua atu­ação como médi­co e boticário. Sabe-se que, dois anos depois, lecio­nou Teolo­gia no Colé­gio de Assunção, e que no ano seguinte (1760), mis­sio­nou entre índios Mbayás, Gua­nas e Guara­nis, que, mais tarde, for­mari­am a redução de Nues­tra Seño­ra de Belén.

Em seu com­pên­dio da flo­ra amer­i­cana, con­stata­mos o emprego de critérios de clas­si­fi­cação próprios da botâni­ca, tais como tax­ono­mia, mor­folo­gia, anato­mia e, tam­bém, aspec­tos etnobotâni­cos e rel­a­tivos aos tratos cul­tur­ais, que, até o momen­to, eram trata­dos iso­lada­mente por out­ros cien­tis­tas. Isto fica evi­dente na afir­mação que ele faz na aber­tu­ra do Tomo de Botâni­ca:

...no se trata qui de dar una Notícia ayuna, y enxuta de las Plantas del Paraguay, sino, en quanto se há podido, formar una Botanica de las que produce este País, considerado hasta ahora con casi, ningun cuidado, e empeno (...) Muchos auctores restringen la Botanica à solo el conocimiento de las Classes, Generos, y Especies de las Plantas; à su exterior forma, y la descripción de todas sus partes. Estoy de acuerdo, que su objeto comprehenda todo el Reyno de los vegetables, em todo sus estados, en todos sus usos, y em todos sus respectos [Sánchez Labrador 1772: Tomo II, Introdução, f. num. I].

Cada plan­ta descri­ta por Labrador está pre­ce­di­da por descrições mor­fológ­i­cas e ecológ­i­cas, seguidas por infor­mações sobre sua util­i­dade, além do seu méto­do de obtenção e cul­ti­vo. Ao lon­go deste Tomo, o jesuí­ta apre­sen­ta uma série de advertên­cias, obje­ti­van­do o êxi­to na bus­ca e no emprego de deter­mi­na­do veg­e­tal. Den­tre as plan­tas apre­sen­tadas, se encon­tra o cupay (Copaifera sp.), nome vernácu­lo atribuí­do a diver­sas espé­cies nati­vas, pro­du­toras de óleos essen­ci­ais ter­apêu­ti­cos, que foram empre­gadas nas reduções jesuíti­cas na preparação de diver­sos bál­samos, úteis no trata­men­to tan­to de lesões exter­nas, quan­to da varío­la.

Para além das vir­tudes med­i­c­i­nais das plan­tas, padre Sánchez Labrador tam­bém sis­tem­ati­zou as pro­priedades ter­apêu­ti­cas das pedras bezoares.[56] O primeiro Livro da Ter­ceira Parte da obra, inti­t­u­la­do Ani­mais quadrú­pedes, con­ta com um capí­tu­lo [o séti­mo, inti­t­u­la­do De las Piedras Bezares], que tra­ta, especi­fi­ca­mente, das ori­gens dos bezoares, das fal­si­fi­cações, das espé­cies exis­tentes, de suas vir­tudes e de out­ros tipos dessas pedras. Vale obser­var que ao lon­go do quin­to capí­tu­lo do ter­ceiro Livro da Segun­da Parte do Paraguay Nat­ur­al Ilustra­do, inti­t­u­la­do Los Arboles en Par­tic­u­lar, o jesuí­ta tam­bém faz refer­ên­cias às vir­tudes med­i­c­i­nais das pedras bezoares e a sua uti­liza­ção tan­to por europeus e ori­en­tais, quan­to pelos indí­ge­nas da Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguai. Nestes dois capí­tu­los, o jesuí­ta ressalta que tan­to o bezoar oci­den­tal, quan­to o bezoar ori­en­tal pos­suíam suas vir­tudes rela­cionadas com a quan­ti­dade de sal volátil alcali­no e sulfúreo que con­tin­ham, sendo tam­bém bas­tante oleosos e con­tribuin­do para a limpeza dos áci­dos do cor­po. Por pos­suírem estas pro­priedades, os bezoares seri­am diaforéti­cos, provo­cari­am o suor, sendo bons con­tra os venenos, dis­si­pan­do as ver­ti­gens da cabeça e as pal­pi­tações do coração, e matan­do as lom­bri­gas.[57]

Padre Labrador dedi­cou-se, ain­da, às vir­tudes med­i­c­i­nais dos inse­tos, apre­sen­tan­do seus empre­gos pelos gru­pos indí­ge­nas com os quais con­ta­tou na condição de mis­sionário. É no Ter­ceiro Livro da Quar­ta Parte da obra que o autor tra­ta d “Os Inse­tos”, sendo que no últi­mo capí­tu­lo, abor­da a util­i­dade dos inse­tos na Med­i­c­i­na, den­tre os quais se encon­tram os escor­piões, as ara­nhas, os perceve­jos, os besouros, os gri­los, as formi­gas, as moscas, os piol­hos e as sangues­sugas.[58] Inter­es­sante obser­var que na doc­u­men­tação jesuíti­ca são recor­rentes as menções a aci­dentes com ani­mais venenosos, como ser­pentes, escor­piões e ara­nhas, que podem ser atribuí­das tan­to ao ambi­ente nat­ur­al em que as reduções se esta­b­ele­ce­r­am, quan­to a des­or­dens climáti­cas, tais como secas ou enchentes, que podem ter favore­ci­do a sua pro­lif­er­ação ou deslo­ca­men­to para out­ras regiões. A propósi­to, den­tre as plan­tas que o irmão Pedro Mon­tene­gro ref­ere para uso especí­fi­co em aci­dentes com ani­mais peçon­hen­tos, está o “taropé”, pop­u­lar­mente con­heci­da como “figueir­il­ha”, per­ten­cente à espé­cie Dorste­nia brasilien­sis Lam., e que, em tra­bal­hos atu­ais, é referi­da por suas pro­priedades antiofídi­cas, diaforéti­cas e antifebris.

Segun­do Sánchez Labrador, algu­mas regiões da Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguai, como a do Cha­co, apre­sen­tavam cli­ma muito quente e úmi­do, por­tan­to, bas­tante propí­cio para a pro­lif­er­ação de inse­tos. Estes “pequeños vivientes” estavam, segun­do ele, pre­sentes na água, no ar e na ter­ra, ador­na­dos ou não com asas, pos­suin­do sem­pre uma sime­tria em seu todo, razão pela qual suas partes demon­strari­am a sabedo­ria do Auc­tor, numa refer­ên­cia ao Cri­ador. O jesuí­ta clas­si­fi­ca os inse­tos por famílias, dis­tribuin­do-as entre os que voam, os que se arras­tam ou os que pare­cem que se arras­tam. Entre essas famílias exis­ti­am, segun­do ele, dis­tinções quan­to aos cor­pos dos inse­tos, que pode­ri­am se con­sti­tuir de anéis, nós, pla­cas e out­ras divisões. Afir­ma, ain­da, que os inse­tos, difer­ente­mente de out­ros ani­mais, não tin­ham recon­heci­das suas vir­tudes ter­apêu­ti­cas, porque os médi­cos depre­ci­avam estes “ani­malil­los” por seu taman­ho.[59]

Além das enfer­mi­dades para as quais eles seri­am efi­cientes, o jesuí­ta se detém nas for­mas de preparo destes inse­tos para que fos­sem ingeri­dos como medica­men­tos. Cabe ressaltar que as indi­cações feitas pelo jesuí­ta Sánchez Labrador, assim como as feitas por out­ros home­ns de ciên­cia do perío­do, tan­to na Europa, quan­to na Améri­ca, lev­am em con­sid­er­ação os pres­su­pos­tos da teo­ria humoral­ista hipocráti­co-galêni­ca[60], segun­do a qual a saúde era asse­gu­ra­da pelo equi­líbrio entre os humores que com­pun­ham o cor­po humano. Percebe-se que Sánchez Labrador fun­da­men­ta o emprego ter­apêu­ti­co de cer­tos inse­tos a par­tir de pres­su­pos­tos da teo­ria humoral­ista, na medi­da em que o emprego da med­i­c­i­na dos con­trários – o uso de con­tra­ve­nenos – leva o enfer­mo a expelir os exces­sos dos humores em dese­qui­líbrio, através do sangue, das fezes, da uri­na, do vômi­to e de demais for­mas de excreção. A apro­pri­ação da teo­ria hipocráti­co-galêni­ca fica tam­bém evi­den­ci­a­da em várias out­ras pas­sagens, como na refer­ên­cia que o jesuí­ta faz à náusea provo­ca­da pela ingestão de piol­hos, que con­si­s­tiria, segun­do ele, jus­ta­mente, na maneira de o cor­po elim­i­nar a febre.

Como se pôde con­statar, prati­ca­mente todos os inse­tos eram tosta­dos, moí­dos ou seca­dos com o intu­ito de serem reduzi­dos a pó. Este pó podia, pos­te­ri­or­mente, ser ingeri­do com algu­ma água ou “licor con­ve­niente”, sendo mis­tu­ra­do ou cozi­do com vin­ho ou chicha ou, até mes­mo, infun­di­do em algum azeite. O padre jesuí­ta rela­ta alguns out­ros curiosos usos de inse­tos, tais como o das abel­has, moscas e mos­qui­tos como medica­men­to con­tra a calví­cie, e o do car­ra­p­a­to para que o cabe­lo caísse. Há, ain­da, o reg­istro do uso das ante­nas do besouro em par­tos difí­ceis, mas sem o detal­hamen­to dos mod­os de preparo, e o emprego da cochonil­ha de grana por uma mul­her que, muito adoen­ta­da e, queren­do con­fes­sar-se, não mais con­seguia falar. Neste caso, um pedaço da grana foi diluí­do em vin­ho morno, colo­ca­do em uma col­her e inseri­do na boca da enfer­ma, com grandes resul­ta­dos.

Cer­ca de doze den­tre os vinte e um inse­tos con­tem­pla­dos pelo jesuí­ta pos­suem sal volátil, enquan­to onze con­têm óleo. De for­ma ger­al, quase todos que pos­suem sal volátil e óleo são diuréti­cos e/ou diaforéti­cos, sendo que as doenças mais fre­quentes se rela­cionam com a retenção de uri­na ou a pedras nos rins e/ou na bex­i­ga. Esta con­statação, que pre­cisa ser estu­da­da mais deti­da­mente, parece apon­tar para a alta incidên­cia destas enfer­mi­dades entre os gru­pos indí­ge­nas con­tata­dos ou obser­va­dos pelo mis­sionário jesuí­ta, e que podem estar rela­cionadas com mudanças nos hábitos ali­menta­res, mais especi­fi­ca­mente, do con­sumo de sal ou de açú­car, após a inten­si­fi­cação do con­ta­to com os europeus[61].

É impor­tante lem­brar que, ao lon­go das mais de trezen­tos e seten­ta pági­nas deste livro, Sánchez Labrador recorre a vários autores europeus para legit­i­mar suas afir­mações e descrições das indi­cações ter­apêu­ti­cas e mod­os de preparo dos inse­tos. Aliás, fica bas­tante evi­dente que Sánchez Labrador se valeu tan­to de suas próprias obser­vações, a par­tir de expe­dições que real­iza­va pela região plati­na, acom­pan­hado de indí­ge­nas, quan­to através de obras autores clás­si­cos e con­tem­porâ­neos, muitas delas, redigi­das por out­ros jesuí­tas, como os padres Alon­so de Ovalle (1601–1651) e Athana­sius Kircher SJ. (1601–1680),[62] ou por cien­tis­tas lei­gos, com os quais esta­b­ele­cerá um inter­es­sante diál­o­go, tais como os médi­cos Cas­pard Bauhin (1560–1624), Robert James (1703–1773), Nicolás Lemery (1645–1715), Este­ban Geof­froy[63] (1672–1731), Jacques-Cristophe de Bomare (1731–1807), Mar­cial[64] (38/40 d.C.-?), Dioscórides[65] (40 d.C.-90 d.C.), Mar­tin Lis­ter (1638–1712), Johann Schröder[66] (1600–1664) e Cláu­dio Galeno[67] (129–199/217 d.C.).

A refer­ên­cia a Galeno pode ser encon­tra­da na pas­sagem em que ref­ere a uti­liza­ção de “agua des­ti­la­da de Moscas (…) con­tra los males de los ojos; para servirse de ella la mez­clan con una yema de hue­bo, y for­man emplas­to. Galeno aprue­ba este remé­dio”.[68] Ao tratar das pro­priedades ter­apêu­ti­cas do mel das abel­has, Labrador deixa bas­tante evi­dentes as leituras que real­i­zou e os autores nos quais se basea­va: “Otras vir­tudes exce­lentes dela Miel podrán leerse en las Phar­ma­co­peas Matritense, de Lemery, Pala­cios, James, etc.”[69] Mas, ao referir-se à cera de abel­ha, o jesuí­ta demon­stra não somente con­hecer a obra de Lemery, como man­i­fes­ta sua dis­cordân­cia em relação ao já afir­ma­do por ele:

Lemery juzga, que no hay mas cera virgen, que la que en las colmenas se llama propolis, y en Guarani Eybora; que es una especie de Matice dorado, o rubicundo, el qual contiene mucho oleo, y poca sal volátil acida. Es error este de Lemery, y solo impropriamente puede la Propolis llamarse Cera Virgen.[70]

Em out­ra pas­sagem, que tra­ta, especi­fi­ca­mente, das sangues­sugas, o jesuí­ta irá ressaltar as acer­tadas recomen­dações feitas pelo mes­mo Lemery:

Para aplicar las sanguijuelas son necessarias algunas precauciones, que podran verse en el Diccionario de Drogas Simples de Lemery. Este Auctor enseña, que si por casualidad, bebiendo agua, se trago alguna sanguijuela, luego o se beba agua salada en abundancia, porque con ella desiste este insecto de atormentar; y que después se purgue con Mercurio dulce, u otra composición Mercurial.[71]

O diál­o­go que Labrador man­tinha com as con­cepções e obras de out­ros home­ns de ciên­cia da Com­pan­hia de Jesus fica ates­ta­do nes­ta pas­sagem, na qual faz refer­ên­cia aos escor­piões, men­cio­nan­do que “Cree el P. Kircher que los Alacranes atra­hen el veneno por cier­ta vir­tud mag­néti­ca; pero Hoff­mann /in Medic. Rat. Syst. tom. P. 2. Cap. 2. §. 27. lo tiene por fab­u­la, que atraiga por mag­net­ismo.”[72]

Para abor­dar as pro­priedades ter­apêu­ti­cas de ara­nhas e de suas teias, Sánchez Labrador recorre aos tra­bal­hos tan­to de Mar­tin Lis­ter, quan­to de Robert James, como se pode con­statar nas pas­sagens que desta­camos. Em relação ao primeiro autor, o jesuí­ta afir­ma que em seu “/Tractat. De Araneís/ [Lis­ter] las atribuye muchas fac­ul­tades med­i­c­i­nales; pero se desean bue­nas prue­bas, fun­dadas en exper­iên­cias.”[73] Na refer­ên­cia que faz ao segun­do, Labrador não ape­nas recorre a James para legit­i­mar as vir­tudes e o mais ade­qua­do pro­ced­i­men­to ter­apêu­ti­co, como para reforçar sua eficá­cia a par­tir de exper­iên­cias bem suce­di­das e de reg­istros que a com­pro­vam:

James escribe que se ha de tomar una vez una hora antes que venga el paroxismo; y otra vez quando ya esta próximo a venir. Dice, que le informaron, que los indianos en la Carolina Septentrional, tiene grande confianza en este remedio para el dicho mal, a que están muy expuestos. Añade, que un amigo suyo, que había estado muchos anos en aquellas tierras, le asseguro, que el mismo había sanado de aquel mal con la tela de Araña. Concluye James, y de hecho, la experiencia misma confirma la eficacia de este remedio para sanar las calenturas, que vienen con frío.[74]

Este recur­so nar­ra­ti­vo de legit­i­mação pode ser tam­bém obser­va­do em out­ras duas situ­ações, nas quais, ao referir-se à cochonil­la, o jesuí­ta respal­da suas descrições em autores como Geof­froy, Schröder e Lemery:

Geoffroy dice, que se usa la cochonilla para todos aquellos fines, a los quales sirve el Chermes. (...) En los Pasmos delas Quixadas, en que estas se aprietan de modo que se cierra fuertemente la boca, son excelentissimo, y prompto remedio, cogese un pedacito de Grana, (que es la substancia de los Gusanos) como una Almendra; desliese en vino; abrese la boca del enfermo con algún palito, y se le hecha en ella la dicha infusión algo tíbia con una cuchara: luego sele desetan los nervios, y habla. Practique este remedio en una ocasión, que llamado a confessar una enferma en la ciudad de Buenos Ayres, la encontré con el referido Pasmo. Pudo por este medio confessarse a satisfacción. De otras virtudes dela Grana, vease Schroder en el Libr. citad. Geoffroy. Lemery.[75]

Schröder será nova­mente men­ciona­do na descrição que Labrador faz das vir­tudes med­i­c­i­nais dos besouros: “Dice Schroder, que el aceyte hecho de la infusión de estos insec­tos, puesto en el oído, o insti­la­do en la ore­ja, qui­ta los dolores de los oídos, yla sor­dera”.[76] Mas esta não será a úni­ca for­ma de preparo dos escaraba­jos , uma vez que Labrador irá destacar tam­bém “El modo mejor de hac­er­los pol­vo, segun Hart­mannes, es este: meter algunos escaraba­jos en un vaso de tier­ra; taparle bien, y pon­er­le al sol a secar; después moer­los has­ta que­den pol­vo”.[77] Referindo-se uti­liza­ção ter­apêu­ti­ca de piol­hos, Labrador descreve e, ao mes­mo tem­po, desa­cred­i­ta uma das práti­cas ado­tadas, afir­man­do que “En quan­to a el uso exter­no, sir­ven para los Ninõs [os indios], que pade­cen supres­sión de ori­na: sue­len pon­er vivo un Pio­jo en el Cañonci­to, que con la titi­lación se ensan­cha, y da lugar a que la ori­na sal­ga. Schroder no aprue­ba esto”.[78] Por out­ro lado, ressalta a eficá­cia de out­ra for­ma de uti­lizá-los, sobre­tu­do, por asse­gu­rar, em uma per­spec­ti­va humoral­ista, a retoma­da do equi­líbrio: “Dense­le al enfer­mo al prin­ci­pio del parox­is­mo cin­co, o seis, y que los trague, o mas o menos, según se juz­gare con­ve­niente. Nota muy bien Lemery, que por ven­tu­ra al asco, y nau­sea, que siente el paciente al tomar­los, con­duce para expel­er la calen­tu­ra mas, que el mis­mo reme­dio.”[79]

Por sua condição de autor eru­di­to, o jesuí­ta Sánchez Labrador pro­duz­iu uma obra em que fica, por­tan­to, evi­dente a “neces­si­dade de um comen­tário autor­iza­do da parte de quem é sufi­cien­te­mente ‘sábio’ ou pro­fun­do” [De Certeau 1982: 82]. Entre­tan­to, o que chama a atenção, especi­fi­ca­mente, neste livro do Paraguay Nat­ur­al, não são as recor­rentes remis­sões e evo­cações aos con­hec­i­men­tos de autori­dades recon­heci­das, mas as menções que Labrador faz às con­tribuições de out­ros sujeitos, no caso, os indí­ge­nas, a quem denom­i­na de “inteligentes” e “sábios” em algu­mas situ­ações. Em uma das descrições sobre a uti­liza­ção ter­apêu­ti­ca de gri­los (quiyu, em guarani) encon­tramos menção aos indí­ge­nas que Labrador denom­i­na de “inteligentes”, os quais atu­avam, segun­do ele, como curan­deiros:[80]

En el Paraguay un inteligente los preparaba, como ya digo. Cocía levemente unos Grillos, les sacaba las tripas, molía lo demás; y estos polvos daba en licor conveniente alos que padecían dela orina: fluía esta, y quedaba aliviado el paciente. Otro tostaba dos Grillos en una cazuela de barro, los molia; yen un poco de vino, o de agua bien cocida, o de Chicha (Aloxa) de Maiz los daba a beber al enfermo, que padecia dela retención de la orina; obraba luego el buen efecto. Por el contrario si la enfermedad era de demasiado fluxo de orina, le daba al enfermo un solo Grillo sin tostar, machacado, yen infusión de un poco de agua tíbia.[81]

Labrador tam­bém descreve out­ra práti­ca de uti­liza­ção dos quiyus, que parece ter sido bas­tante comum entre os indí­ge­nas. Os gri­los, segun­do o jesuí­ta, dev­e­ri­am ser enfi­a­dos ain­da vivos “en un pal­i­to, como assador; tuesta­los al fuego, y ya tosta­dos muele­los en un poco de vino caliente: este vino mez­cla­do con los Polvos de los Quiyus, daras al indio, o india, que padeciere la reten­ción de ori­na, y esta poco a poco fluirá con feliz suc­ce­so”.[82] Em out­ra ocasião, ele afir­ma que pres­en­ciou dois “inteligentes” e “sábios” indí­ge­nas preparan­do gri­los, com o propósi­to de curar um índio que se encon­tra­va enfer­mo, e que o pro­ced­i­men­to teve resul­ta­dos pos­i­tivos.

Essa práti­ca de nomeação ou adje­ti­vação dos indí­ge­nas traz con­si­go um caráter de dis­tinção, na medi­da em que não são iguais aos cien­tis­tas europeus, mas se difer­en­ci­am dos demais indí­ge­nas. François Har­tog expli­ca que a nomeação do out­ro faz parte do proces­so da retóri­ca da alteri­dade e envolve, prin­ci­pal­mente, a clas­si­fi­cação deste out­ro, que seria essen­cial, pois “clas­si­f­i­can­do o out­ro, clas­si­fi­co-me a mim mes­mo e tudo se pas­sa como se a tradução se fizesse sem­pre na esfera da ver­são” [Har­tog 1999: 259]. É impor­tante con­sid­er­ar, ain­da, que a dis­tinção que Sánchez Labrador fez entre indí­ge­nas “’más racionales’ y ‘menos racionales’” se baseou no uso que estes fazi­am das espé­cies veg­e­tais como medica­men­tos, porque para “él la medi­da de la lóg­i­ca se daba en relación con el acer­camien­to al mun­do nat­ur­al, uti­lizan­do y aprovechan­do sus ven­ta­jas, a la vez que se des­pre­cia­ba lo sobre­nat­ur­al (el shaman­is­mo, la magia, en suma), prue­ba clara de irra­cional­i­dad” [Di Lis­cia 2002: 40].

Considerações Finais

Tra­bal­hos recentes têm apon­ta­do tan­to para a pre­mis­sa de que irmãos e padres da Com­pan­hia atu­aram deci­si­va­mente na implan­tação de uma cul­tura cien­tí­fi­ca nas ter­ras de mis­são amer­i­canas, quan­to para aque­la que desta­ca a indis­cutív­el con­tribuição dos indí­ge­nas para este con­hec­i­men­to cien­tí­fi­co, que viria a ser difun­di­do através da efi­ciente “rede de agentes da Com­pan­hia” encar­rega­da de pro­mover sua cir­cu­lação entre os colé­gios jesuíti­cos da Améri­ca e os da Europa [Mil­lones Figueroa; Ledes­ma 2005: 28].

Para a douto­ra em Far­má­cia Sabine Anag­nos­tou [2011], se a história nat­ur­al e a far­má­cia mis­sioneira podem ser con­sid­er­adas como “as duas fac­etas prin­ci­pais do nat­u­ral­is­mo jesuíti­co na Améri­ca do Sul”, por out­ro, não devem ser perce­bidas como “pre­cur­so­ras defi­cientes das ciên­cias atu­ais ou como cópias insu­fi­cientes dos mod­e­los europeus, mas como for­mas inde­pen­dentes e sin­gu­lares da história da ciên­cia” [Anag­nos­tou in: Wilde 2011: 175]. Esta sin­gu­lar­i­dade, segun­do ela, fica evi­den­ci­a­da na “exper­i­men­tação e na incor­po­ração do saber etno­far­ma­cêu­ti­co indí­ge­na”, que decor­reu da “posição rel­a­ti­va­mente impar­cial e aber­ta dos jesuí­tas frente aos indí­ge­nas, basea­da na espir­i­tu­al­i­dade ina­ciana”, que pos­si­bil­i­tou “um inter­câm­bio inten­so e per­sis­tente no cam­po da med­i­c­i­na” [Anag­nos­tou in: Wilde 2011: 190].

A Mate­ria Med­ica Mision­era e o Libro de Cirugía, do irmão jesuí­ta Pedro Mon­tene­gro, mais do que com­pro­var “sus afic­ciones des­de niño y su estu­dio favoritola vir­tud de las plan­tas para curarse con ellas y a sus pro­ji­mos” – e o “inge­nio” e a erudição e do jovem galego for­ma­do no Hos­pi­tal de Madri, nos rev­e­lam um Mon­tene­gro pen­sador – um “autor de Bot­i­ca” – que põe à pro­va os con­hec­i­men­tos dos autores clás­si­cos “por la espe­ri­en­cia” e que investe “el tiem­po aberiguan­do poco a poco las vir­tudes [das plan­tas], não lim­i­tan­do-se à com­pi­lação de vir­tudes, receitas e pro­ced­i­men­tos ter­apêu­ti­cos divul­ga­dos nos trata­dos que ele tão bem con­hecia. Condição que, aliás, o lev­ou a afir­mar que as plan­tas que havia descrito não se encon­travam “en ninguno de los herbar­ios escritores, ni tam­poco en ningu­na otra parte” [Mon­tene­gro 1945: 264].

Em out­ro momen­to, em espe­cial na Mate­ria Med­ica Mision­era, o irmão jesuí­ta, con­sciente das impli­cações das posições autorais que assum­iu, chegou a antev­er as críti­cas que seri­am feitas a “este pobre igno­rante [que] quiera ir con­tra las reglas de un Dios Corides, Math­i­o­lo, y Lagu­na, y otros muchos q.e en esta fac­ul­tad han escrito” [Mon­tene­gro 1945: Modo de Reco­jer), recomen­dan­do que as receitas por ele indi­cadas fos­sem sem­pre admin­istradas “en la for­ma que digo, y con las cir­cun­stan­cias que pide la med­i­c­i­na” [Mon­tene­gro 1945: Pre­fá­cio].

O Man­u­scrito MS W. L. Lon­dres, ou Man­u­scrito Vil­lo­das, difer­ente­mente dos dois escritos pelo irmão Mon­tene­gro e do que foi elab­o­ra­do pelo padre Sánchez Labrador durante o exílio na Europa, foi redigi­do quase inteira­mente em guarani, recor­ren­do a “el hablar cotid­i­ano de los autóctonos”. Para além de seu ineditismo e des­ta dis­tinção, o “man­u­al de enfer­medades y sus respec­ti­vas for­mas de curar”, não se detém na expli­cação das vir­tudes das plan­tas, na indi­cação de cer­tos pro­ced­i­men­tos ter­apêu­ti­cos, na preparação e na duração da admin­is­tração dos remé­dios – como ocor­ria nos demais man­u­scritos da época escritos em castel­hano –, priv­i­le­gian­do a descrição detal­ha­da dos sin­tomas das doenças, o que parece acen­tua sua final­i­dade práti­ca e o tornar bas­tante sin­gu­lar [Otazú Mel­gar­e­jo 2014: 3–4].

Quan­to aos reg­istros que o padre jesuí­ta Labrador fez dos saberes e das práti­cas cura­ti­vas indí­ge­nas no Paraguay Nat­ur­al Ilustra­do – com destaque para o emprego de plan­tas, pedras bezoares e de inse­tos – estes, segu­ra­mente, levaram em con­ta tan­to as obras que con­sul­tou na bib­liote­ca do Colé­gio de Val­ladol­id e, pos­te­ri­or­mente, na do Colé­gio de Cór­do­ba, quan­to o diál­o­go que esta­b­ele­ceu com out­ros home­ns de ciên­cia – durante seu exílio em Rave­na, na Itália – perío­do durante o qual dedi­cou-se à sis­tem­ati­za­ção das infor­mações lev­an­tadas na Améri­ca e à escri­ta do Paraguay Católi­co e do Paraguay Nat­ur­al. Sánchez Labrador, con­tu­do, esta­b­ele­ceu con­tínuas relações e com­para­ções entre as práti­cas cura­ti­vas indí­ge­nas e as europeias, fun­da­men­tan­do suas obser­vações no con­hec­i­men­to divul­ga­do por autori­dades em Med­i­c­i­na e Far­má­cia. Em algu­mas situ­ações, con­tu­do, ele con­testou cer­tas con­cepções europeias, con­trapon­do-as às obser­vações e as exper­iên­cias que real­i­zou durante o perío­do de sua atu­ação como mis­sionário jun­to aos indí­ge­nas da região plati­na. Sua nar­ra­ti­va parece, por­tan­to, sobre­por e mesclar as exper­iên­cias que viven­ciou na Améri­ca àque­las próprias de seu perío­do de for­mação na Europa e, ain­da, às que viverá durante o exílio na Itália.

Como procu­ramos evi­den­ciar neste arti­go, tan­to as tra­jetórias dos irmãos jesuí­tas Pedro Mon­tene­gro e Mar­cos Vil­lo­das e do padre José Sánchez Labrador, quan­to os libros de med­i­c­i­na que pro­duzi­ram na primeira metade do Sete­cen­tos pare­cem, efe­ti­va­mente, com­pro­var a existên­cia de uma “escrit­u­ra lim­i­nal” e de uma “epis­te­molo­gia prác­ti­ca”, aque­la que se impôs nas zonas per­iféri­c­as dos impérios ibéri­cos, e que se traduz­iu em “com­ple­jos pro­ce­sos de redefini­ción del suje­to”, resul­tantes das ten­sões próprias da exper­iên­cia mis­sion­era de “rep­re­sen­tantes del orden letra­do en las fron­teras” [Del Valle 2009: 13].

 Referências

* Douto­ra em História pela PUCRS (Por­to Ale­gre, RS, Brasil). Pro­fes­so­ra Tit­u­lar da Grad­u­ação e pesquisado­ra do Pro­gra­ma de Pós-Grad­u­ação em História da UNISINOS (Uni­ver­si­dad de Vale do Rio dos Sinos, Brasil) e inte­grante dos Gru­pos de Pesquisa-CNPq “Jesuí­tas nas Améri­c­as” e “Ima­gens da Morte: a morte e o mor­rer no mun­do ibero-amer­i­cano”. Cor­reio eletrôni­co: ecdfleck@terra.com.br

[1] Este arti­go retoma anális­es já desen­volvi­das ante­ri­or­mente em Fleck 2014, 2015 e 2016, trazen­do con­tribuição sig­ni­fica­ti­va à temáti­ca do pre­sente dos­siê, ao abor­dar evidên­cias de apro­pri­ação e cir­cu­lação de saberes e práti­cas de cura na Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguay, a par­tir da análise de três libros de med­i­c­i­na e de uma obra de História Nat­ur­al que foram escritos por jesuí­tas no sécu­lo XVIII.

[2] Para Miguel de Asúa, “hay sufi­cientes ele­men­tos para con­cluir que (…) ya des­de la época de los jesuitas (antes de su expul­sión en 1767) hubo en el Río de la Pla­ta episo­dios y per­son­ajes ‘mod­ern­izadores’ (…) en las misiones se desple­ga­ba una inter­es­sante activi­dad cien­tí­fi­ca como lo demues­tran los casos del astrónomo Bue­naven­tu­ra Suárez (…) y los autores de las ‘his­to­rias nat­u­rales jesuitas del Nue­vo Mun­do’ o los man­u­scritos de mate­ria med­ica. Hace bas­tante que ven­go argu­men­tan­do que a medi­a­dos del siglo XVIII el frente más avan­za­do de la cien­cia en el Río de la Pla­ta se ubicó en las misiones del Paraguay históri­co.” [Asúa 2010: 192–193].

[3] Beat­riz Hele­na Domingues afir­ma que os jesuí­tas assim­i­la­ram “algu­mas ideias caras à Ilus­tração – ain­da que [de for­ma] sele­ti­va e católi­ca”, razão pela qual se deve rel­a­tivizar a “abor­dagem tradi­cional que atribuiu à Com­pan­hia de Jesus uma visão retrógra­da e resistente a mudanças, asso­ci­a­da à tradição medieval católi­ca e bar­ro­ca”. (Domingues, 2009: 233). Tam­bém para Figueroa e Ledez­ma, os jesuí­tas incor­po­raram e assim­i­la­ram pau­lati­na­mente as ideias e os méto­dos de estu­do da Ilus­tração, mas isto não sig­nifi­cou “un rec­ha­zo abso­lu­to del estu­dio de la nat­u­raleza inspi­ra­do por la mar­avil­la y el asom­bro que infundían las com­ple­ji­dades y mis­térios del mun­do nat­ur­al amer­i­cano”. Assim, a pro­dução de um con­hec­i­men­to basea­do na obser­vação e na exper­iên­cia – tão caro aos jesuí­tas – “no ensom­bre­ció la fasci­nación por los mis­térios de la nat­u­raleza” [Mil­lones Figueroa; Ledes­ma 2005: 22].

[4] A Com­pan­hia de Jesus ado­tou uma clas­si­fi­cação de tal­en­tos “em difer­entes cat­e­go­rias”, que eram os “tal­en­tos para ensi­nar, seja em nív­el ele­men­tar (ad docen­dum), seja em nív­el supe­ri­or (ad leg­en­das fac­ul­tates); para a admin­is­tração, que são ou de gov­er­no (ad guber­nan­dum), ou de con­sel­ho (ad con­sul­tan­dum); para as tare­fas espir­i­tu­ais: a pre­gação (ad condi­cio­nan­dum), a con­fis­são (ad audi­en­das con­fes­siones), o cuida­do dos out­ros (ad agen­dum cum prox­imis), enfim, tal­en­tos lig­a­dos à gestão dos bens e à orga­ni­za­ção da vida mate­r­i­al da provín­cia (ad nego­tia curan­da, ad offi­cia domes­ti­ca).” [Castelnau‑L’estoile 2006: 211].

[5] Sobre esta temáti­ca, recomen­da-se ver: Aman­ti­no; Fleck; Enge­mann, 2015.

[6] As Car­tas Ânuas tin­ham como base os relatórios anu­ais que o Provin­cial rece­bia dos supe­ri­ores das residên­cias, colé­gios, uni­ver­si­dades e mis­sões jun­to aos índios, sendo redigi­das pelos secretários ou por pes­soas com capaci­dade para escrevê-las, des­ig­nadas pelo Provin­cial. Vale lem­brar que cabia a esta cor­re­spondên­cia unir, por meio da escri­ta, os diver­sos e espar­sos mem­bros da Com­pan­hia de Jesus, pro­mover uma pro­pa­gan­da edi­f­i­cante que inspi­rasse novas adesões e, ain­da, com­par­til­har as exper­iên­cias alcançadas, de maneira a tornar as mis­sões mais frutíferas pela tro­ca de infor­mações.

[7] Sobre os inven­tários dos bens das bot­i­cas dos colé­gios jesuíti­cos, recomen­da-se ver: O Inven­tário for­ma­do por Loren­zo Infante Boticário en la Ciu­dad de Cór­do­ba de los bienes med­i­c­i­nales, Julio de 1772 se encon­tra no Archi­vo Históri­co de la Uni­ver­si­dad Nacional de Cór­do­ba, Argenti­na. Doc­u­men­tos de la Jun­ta de Tem­po­ral­i­dades de Cór­do­ba. Caja 10, lega­jo 2, nº 27, fólios 4533r-4628 r. Recomen­da-se ver a tran­scrição comen­ta­da do Inven­tário em: Fleck; Polet­to, 2013.

[8] Page; Flachs, 2010:123.

[9] Tra­ta-se de: Pau­ucke, 1943; Dobrizhof­fer, 1967–1970 e Sánchez Labrador, 1910.

[10] Ilus­tra­ti­vo da práti­ca da cópia de man­u­scritos é o doc­u­men­to inti­t­u­la­do Sobre el con­ta­gio de las viru­elas [anôn­i­mo], que parece haver sido escrito como uma car­til­ha que dev­e­ria ser segui­da pelos mis­sionários respon­sáveis pelas reduções jesuíti­cas. Nela, pode-se encon­trar uma série de recomen­dações para o cuida­do dos doentes e medi­das para evi­tar o con­tá­gio: “(…) Hagase tam­bién pro­visión de aguarabay, el cosimien­to de el sirve para lavarse una o dos vezes al dia cuan­do ya las viru­elas se van secan­do. Esta água les qui­ta las ron­chas y hedion­dez. Tam­bién sirve para que­mar­lo en el hos­pi­tal. Y es prove­choso el humo en los aposen­tos apes­ta­dos.” (MCA, 1951, Cx A, Doc. 04. Acer­vo XCCDA, Doc. A1) Ape­sar da menção explíci­ta à aguarabay – ter­mo em guarani para a plan­ta med­i­c­i­nal que, segun­do o trata­do Matéria Médi­ca Mision­era, do Ir. Pedro de Mon­tene­gro, é com­paráv­el ao lentis­co [aroeira-da-pra­ia] ou molle de Castil­la, e que pode ser empre­ga­da como bál­samo cica­trizante, con­tra a diar­réia e con­tra infecções do apar­el­ho res­pi­ratório e urinário –, os pro­ced­i­men­tos ter­apêu­ti­cos recomen­da­dos se baseiam na tradição hipocráti­co-galêni­ca ampla­mente con­heci­da – ou prat­i­ca­da – pelos mis­sionários jesuí­tas.

[11] Sabe-se que este man­u­scrito foi encon­tra­do na redução de São Bor­ja, local­iza­da sobre a margem esquer­da do rio Uruguai, mas isto não sig­nifi­ca que ten­ha sido redigi­do nes­ta redução. A data de sua elab­o­ração é descon­heci­da, razão pela qual não se pode afir­mar que este ten­ha sido o primeiro receituário de med­i­c­i­na escrito em guarani.

[12] Há cer­ca de dez anos, um man­u­scrito inti­t­u­la­do Curiosi­dad – un libro de med­i­c­i­na escrito por los jesuí­tas en las misiones del Paraguai, data­do suposta­mente de 1580 (ano em que ain­da não havia sido fun­da­da a Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguai e sequer havi­am sido insta­l­adas as primeiras reduções jesuíti­cas na região do Rio da Pra­ta), foi local­iza­do na Bib­liote­ca Nacional do Rio de Janeiro e anal­isa­do por Heloísa Gesteira. Ao con­statar que os dois tex­tos trazi­am “partes idên­ti­cas”, a pesquisado­ra levan­tou “a hipótese de que tra­bal­hos deste tipo eram com­par­til­ha­dos pelos mis­sionários”, e tam­bém, a de que o doc­u­men­to deposi­ta­do na Bib­liote­ca Nacional do Rio de Janeiro pudesse ser “uma repro­dução do tex­to de Mon­tene­gro” [Gesteira 2006: 2–3]. A existên­cia de várias cópias man­u­scritas deste mes­mo tex­to tam­bém foi obser­va­da pelo médi­co argenti­no Pedro Ara­ta, que, em arti­go de 1898, afir­mou “Las copias del libro del Her­mano Mon­tene­gro deben haber sido muchas, y repar­tidas en el Paraguay, en las Misiones y aun en Europa” [Ara­ta 1898: 435].

[13] O man­u­scrito Pojha Ñana. Mate­ria Med­ica Mision­era o Herbario de las Reduc­ciones Guara­nies. Misiones. Año de 1725 por Mar­cos Vil­lo­das, S.J. con­s­ta de 59 folios, que equiv­alem a 119 pági­nas. De acor­do com Angéli­ca Otazú Mel­gar­e­jo [2014], Pojhã pode ser traduzi­do como remé­dio e o ter­mo Ñana por erva sil­vestre.

[14] O Well­come Insti­tute for the His­to­ry of Med­i­cine de Lon­dres adquir­iu este man­u­scrito em 1962, jun­to com out­ras peças da coleção do Dr. Fran­cis­co Guer­ra, bib­lió­fi­lo e his­to­ri­ador da med­i­c­i­na de Améri­ca Lati­na.

[15] Otazú Mel­gar­e­jo, 2014: 7.

[16] Otazú Mel­gar­e­jo, 2014: 1

[17] Tra­ta-se de Trelles, 1888.

[18] Ver mais em Mon­tene­gro, 1945.

[19] Tra­ta-se de Mon­tene­gro, 2009.

[20] Em sua Mate­ria Med­ica, Mon­tene­gro ain­da ref­ere out­ras infor­mações sobre a região de Tucumán. Em espe­cial, são desta­cadas nomen­clat­uras de plan­tas que seri­am típi­cas da região, como, por exem­p­lo, ao referir-se a Cor­reguela, que seria a mes­ma Pur­ga criol­la, que lla­man por toda la gob­er­na­cion de San­ti­a­go y Tucuman.” [Mon­tene­gro 1945: 55]. Em out­ro momen­to, são desta­cas as qua­tro espé­cies diver­sas de Guay­acán que eram encon­tradas na Améri­ca: “he hal­la­do (…) dos en Tucumán, y otras dos en estas Misiones” [Mon­tene­gro 1945: 21] e apre­sen­ta suas apre­ci­ações acer­ca das qual­i­dades das mes­mas, desta­can­do a mais ade­qua­da para o uso: “pero solo en med­i­c­i­na se ha de tomar el negro de cora­zon, que es esa estam­pa segun­da, que cier­to es Guay­acán, seguro, como he sabido en Tucumán sanaron var­ios que lo tomaron: y lo mis­mo en San­ti­a­go del Estero el lla­ma­do Tar­co” [Mon­tene­gro 1945: 21].

[21] Ao com­para­r­mos a ver­são de 1790, a que tive­mos aces­so no IAP-UNISINOS, com a de 1710, percebe­mos que à primeira não foram adi­ciona­dos alguns dos ele­men­tos pré-tex­tu­ais pre­sentes na ver­são orig­i­nal da obra, tais como as tablas com os nomes indí­ge­nas e dos vocábu­los. O fato de a ver­são do final do sécu­lo XVIII não ter con­sid­er­a­do a ver­são inte­gral do man­u­scrito pode estar asso­ci­a­do a cer­to prag­ma­tismo ou a uma seleção – arbi­trária ou não – do seu con­teú­do quan­do da real­iza­ção da cópia.

[22] Fur­long, 1947: 67. Para Di Lis­cia, o autor da Mate­ria Med­ica Mision­era foi, efe­ti­va­mente, Pedro Mon­tene­gro. Ela, no entan­to, sus­ten­ta que ele a escreveu em 1702 e que “el padre Asperg­er la copió em 1710 con su nom­bre.” [Di Lis­cia 2002: 301]. Neste tra­bal­ho, con­tu­do, con­sid­er­aremos o ano de 1710, por ser o mais aceito entre os his­to­ri­adores. Para a his­to­ri­ado­ra argenti­na, a obra de Mon­tene­gro “es un com­pen­dio de plan­tas útiles de la región del Paraguay, escri­ta a princí­pios del siglo XVIII, donde las vir­tudes cura­ti­vas de las plan­tas autóc­tonas están dis­pues­tas de acuer­do al esque­ma med­i­c­i­nal clási­co, agre­gan­do fór­mu­las y dosis de los com­puestos. (…) la obra de Mon­tene­gro es la base de las recopi­la­ciones botan­i­cas pos­te­ri­ores y fue copi­a­da una y otra vez por sub­sigu­ientes autores, intere­sa­dos en este esfuer­zo de sín­te­sis real­iza­do tan tem­prana­mente (…) has­ta el pun­to en que hubo momen­tos en que se dudó de su autoría.” [Di Lis­cia 2002: 301].

[23] Sobre a tra­jetória de Pedro Mon­tene­gro, recomen­damos ver Fleck; Rodrigues; Mar­tins, 2014 e Fleck, 2014.

[24] Este empen­ho pode ser con­stata­do nes­ta pas­sagem da História de la Con­quista del Paraguay, na qual o padre Pedro Lozano assim se ref­ere ao irmão jesuí­ta Pedro Mon­tene­gro: “Todas estas especies (…) de esta provín­cia, el her­mano Pedro de Mon­tene­gro, de nues­tra Com­pañía sug­e­to muy per­i­to en la med­i­c­i­na (…)” [Lozano 1874, Cap. IX: 220].

[25] Por vezes, Mon­tene­gro ado­ta a nomen­clatu­ra nati­va, como fica evi­den­ci­a­do na descrição do Yacaré caá, que lhe teria sido apre­sen­ta­da por um vel­ho índio con­hece­dor das plan­tas med­i­c­i­nais: “dijome lla­marse así, por ten­er el olor del Yacaré” [Mon­tene­gro 1945: 118].

[26] Há reg­istros da uti­liza­ção do guem­bé ou imbé pelas pop­u­lações tradi­cionais, porém a lit­er­atu­ra far­ma­cológ­i­ca aler­ta que seu uso deve ser feito parci­mo­niosa­mente, assim como já havia feito Mon­tene­gro, na Mate­ria Med­ica Mision­era, ao adver­tir que “es tan venenosa cogi­da en cre­ciente de luna”, não deven­do ser empre­ga­da em dema­sia, pois pode­ria causar reações adver­sas sev­eras. [Mon­tene­gro 1945: 200]. Segun­do Otto­bel­li [2011], algu­mas espé­cies do gênero Philo­den­dron apre­sen­tam ativi­dade bac­te­ri­ci­da, com­bat­en­do os agentes cau­sadores de doenças que acome­tem os órgãos gen­i­tais, haven­do tam­bém reg­istros de seu uso con­tra pic­a­das de ser­pentes e de sua ação anal­gési­ca. Na lit­er­atu­ra etnobotâni­ca, encon­tramos uma série de pro­priedades med­i­c­i­nais referi­das às espé­cies de guem­bé, em espe­cial, à espé­cie P. bip­in­nat­i­fidum, den­tre as quais podemos citar a anti-reumáti­ca, a anal­gési­ca, a con­tra­cep­ti­va, con­tra orquite, con­tra hidropisia, con­tra par­a­sitos intesti­nais, sendo tam­bém usa­da no trata­men­to de úlceras e erisipela, e, ain­da, no trata­men­to de feri­das, car­ac­ter­i­zan­do sua ação vul­nerária.

[27] Mon­tene­gro, aliás, não se lim­i­ta­va à obser­vação dos com­por­ta­men­tos de deter­mi­na­dos ani­mais, como se pode con­statar nes­ta pas­sagem em que ele ref­ere ter con­stata­do que um pás­saro de peito amare­lo ou ver­mel­ho con­sum­ia a vir­ga-aurea como ali­men­to, o que lev­ou o jesuí­ta a caçar e a matar o pás­saro, “con el inten­to de recono­cer la vir­tud de su carne, la cual comî y es muy den­sa y amar­ga, tira á par­da como la de la palo­ma tor­cáz, con algu­na agudeza en su amar­gor, la cual no dudo ser úni­ca para los que pade­cen piedra de riñones y veji­ga, asi su cal­do como su carne” [Mon­tene­gro 1945:184].

[28] O beju­co era tam­bém con­heci­do como ipecacuan­ha.

[29] As menções feitas aos saberes tupis e às plan­tas med­i­c­i­nais brasileiras podem ser atribuí­das ao fato de que uma das prin­ci­pais refer­ên­cias para o irmão jesuí­ta foi a obra de Guil­herme Piso, inti­t­u­la­da “India Utriusque Re Nat­u­rali et med­ica”, de 1658, e que foi reed­i­ta­da e traduzi­da em 1957, sob o títu­lo de «História nat­ur­al e médi­ca da Índia Oci­den­tal». Out­ra refer­ên­cia impor­tante para Mon­tene­gro foi a obra “Libro que tra­ta de las cosas que se traen de las Índias Occi­den­tales, que sir­ven al uso de Med­i­c­i­na”, do tam­bém espan­hol Nicolás Monardes, pub­li­ca­da em 1574. O médi­co argenti­no Pedro Ara­ta chega a, inclu­sive, afir­mar que: Las fig­uras copi­adas de la obra de Pison, De indi­ae utriusque Re nat­u­rali et med­ica cita­da, pertenecen a las pági­nas sigu­ientes: 308, 122, 146, 158, 146, 247, 261, 133, 231, 157, 118, 123, 143 [Ara­ta 1898 438].

[30] Para Neu­mann, “a escri­ta indí­ge­na, reg­istra­da em difer­entes suportes e com final­i­dades diver­sas, obri­ga-nos a rev­er em grande medi­da as avali­ações sim­plis­tas que con­sid­er­avam a ativi­dade ‘escrit­urária’ como menor ou mes­mo restri­ta aos tex­tos canôni­cos nas reduções” [Neu­mann 2003: 2]

[31] É o próprio Mon­tene­gro [1945: 329] quem nos fornece tal dado, quan­do rela­ta as qual­i­dades da yer­ba de la vivo­ra de Tar­i­ja. Ele desta­ca que havia obti­do infor­mações sobre a mes­ma e suas qual­i­dades “estando en el Cole­gio de Cor­do­ba, y pasan­do al de Tucumán, quiso mi for­tu­na, y la de otros muchos, que con ella he cura­do, el que la viese con todas sus partes, menos la flor”. A plan­ta, no entan­to, não pare­cia ser nati­va da região de Tucumán, já que o jesuí­ta desta­ca tê-la rece­bido do então reitor do Colé­gio, padre Diego Ruiz, “quien par­tió con­mi­go la ter­cia parte del ház que tra­ia, y hal­lé ser amar­ga sin acervi­dad algu­na, ántes si, un amar­gor gra­to al estom­a­go, y muy con­for­t­a­ti­vo al cora­zon y cele­bro.” [Mon­tene­gro 1945: 329].

[32] De acor­do com Ric­cia­r­di; Caballero; Chi­fa [2000], esquinan­to é tam­bém con­heci­do como “capií cati”, “jahapé” ou, então, como capim cheiroso.

[33] O Libro de Cirugía foi “dado a cono­cer en 1916, por el Dr. Felix Garzón Mace­da, en su obra La med­i­c­i­na en Cór­do­ba. Se tra­ta de un vol­u­men con más de 600 pági­nas, escrito con letra pequeña y apre­ta­da, inter­ca­lan­do muchos dibu­jos del instru­men­tal quirúr­gi­co usa­do para diver­sas inter­ven­ciones. Incluye un apéndice, escrito con letra difer­ente y quizá por eso de otro autor o colab­o­rador de la obra fig­u­ran­do en ella el año de edi­ción, 1725” [Acer­bi Cre­mades 1999: 19].

[34] Tra­ta-se de Garzón Mace­da 1916.

[35] Por­tu­gal e Espan­ha entraram em con­fli­to, por motivos que envolvi­am a sucessão ao trono espan­hol, em 1704, o que veio a ter con­se­quên­cias nos con­fli­tos entre as coroas ibéri­c­as na região do Pra­ta. Ini­cial­mente, cog­i­tou-se o envio de nove mil indí­ge­nas mis­sioneiros para o ataque à Colô­nia, mas os Supe­ri­ores das Mis­sões do Uruguai e do Paraná não autor­izaram sua lib­er­ação, temen­do pela segu­rança das reduções. Acred­i­ta-se que ten­ham se deslo­ca­do em torno de qua­tro mil indí­ge­nas, prove­nientes de Cor­ri­entes, Cór­do­ba e Tucumán.

[36]Esta mes­ma infor­mação pode ser encon­tra­da na Notí­cia pre­lim­i­nar de Raúl Quin­tana à Mate­ria Med­ica Mision­era. Buenos Aires. Imprenta de la Bib­liote­ca Nacional, 1945. Ver ver­são dig­i­tal disponív­el na Bib­liote­ca Vir­tu­al del Paraguay. Tam­bém o his­to­ri­ador jesuí­ta Charlevoix ref­ere a par­tic­i­pação: “O cer­ti­fi­ca­do expe­di­do em 15 de jun­ho de 1705, por Bal­tasar Gar­cía Ros, desta­ca os serviços presta­dos pelos indí­ge­nas Diego Gaivipoy, Boni­fa­cio Capi, Juan Mañani e Pedro Mba­capi, e que “al lado de ellos [estavam] los her­manos Pedro de Mon­tene­gro, Joaquín de Zubeldía y Josef Brasaneli ‘sus ciru­janos’” [Charlevoix 1913: 377].

[37] Archi­vo Gen­er­al Admin­is­tra­ti­vo (1705–1750). Cer­ti­fi­ca­do de Andrés Gómez de la Quin­tana: sobre los ser­vi­cios presta­dos por los indios de las reduc­ciones en el desa­lo­jo de los pro­tugue­ses de la colo­nia. 1705, noviem­bre 29. Cer­ti­fi­ca­dos. Caja 1, car­pe­ta 1 bis (fls:2). Archi­vo Gen­er­al de la Nación del Uruguai.

[38] Fer­i­men­tos como os reg­istra­dos por Mon­tene­gro eram, de fato, inevitáveis, já que as tropas “venían muy bien armadas”, sendo que os indí­ge­nas seguiram para o con­fli­to “con difer­entes bocas de fuego con sus fras­cos, y bol­sas bien provi­dos de pólvo­ra y balas; y otros con lan­zas, dar­d­os, arcos con mucha can­ti­dad de fle­chas, macanas y piedras, armas nat­u­rales suyas.” Ver Archi­vo Gen­er­al Admin­is­tra­ti­vo (1705–1750). Cer­ti­fi­ca­do de Andrés Gómez de la Quin­tana: sobre los ser­vi­cios presta­dos por los indios de las reduc­ciones en el desa­lo­jo de los por­tugue­ses de la colo­nia. 1705, noviem­bre 29. Cer­ti­fi­ca­dos. Caja 1, car­pe­ta 1 bis (fl. 2). Archi­vo Gen­er­al de la Nación del Uruguai.

[39]Como bem apon­ta­do por Schi­affi­no, “En las cua­tro expe­di­ciones mil­itares, donde invari­able­mente se agre­garan los enfer­meros, el aspec­to higiéni­co y san­i­tario ocu­pa­ba un lugar impor­tante”. Archi­vo del Dr. R. Schi­affi­no. Orig­i­nales de su obra His­to­ria de la Med­i­c­i­na en el Uruguay. Tomo II, cap. II (La Colo­nia de Sacra­men­to). Caja 245, car­pe­ta 21. Archi­vo Gen­er­al de la Nación del Uruguay.

[40] Mon­tene­gro se ref­ere à pitan­ga e ao guabi­ju como arrayán blan­co e arrayán negro, respec­ti­va­mente. Ambas as plan­tas eram indi­cadas para o trata­men­to de dis­túr­bios estom­acais e intesti­nais, por suas pro­priedades antidis­en­téri­ca e antidiar­réi­ca. Tam­bém a espé­cie Psid­i­um L., denom­i­na­da como guayabas ou arazá pelo irmão jesuí­ta, é indi­ca­da para os males do estô­ma­go e intesti­nos.

[41] Vale ressaltar que na Europa, e mes­mo na Améri­ca, cabia aos cirurgiões-bar­beiros, que não pos­suíam for­mação nas Acad­e­mias, a real­iza­ção de práti­cas cirúr­gi­cas – que pre­vi­am o trata­men­to de frat­uras e amputações – e san­grias. De qual­quer modo, o trata­men­to de frat­uras ósseas na Améri­ca por­tugue­sa pre­via a indis­pen­sáv­el manip­u­lação e emprego de fár­ma­cos, aos quais se somavam emplas­tros, ataduras de panos, talas e mui­ta aguardente para lavar as lesões e imo­bi­lizar o feri­do. [Abreu 2007; Faus­to et al 2013; Fur­ta­do 2002; 2005]. Con­sideran­do que os jesuí­tas enfer­meiros con­tavam com “las med­i­c­i­nas ordinárias” das bot­i­cas insta­l­adas nas reduções, tais como “ven­tosas, lanc­etas, panos para hilar y ven­dar, sal, cuchil­los para foguear, azufre, ajos, piedra de San Pablo, miel de abe­jas” é, muito prováv­el, que acabassem desem­pen­han­do as funções próprias dos cirurgiões-bar­beiros. No caso de Mon­tene­gro, con­sid­er­amos plausív­el que tan­to o con­hec­i­men­to prévio na Espan­ha, quan­to a exper­iên­cia adquiri­da no cuida­do de fer­i­men­tos como os resul­tantes de quedas ou de con­fli­tos béli­cos – e que caberi­am a estes profis­sion­ais das artes de curar – ten­ham sido fun­da­men­tais para a con­cepção e a elab­o­ração do Libro de Cirugía, cujo sumário pode ser con­sul­ta­do na obra de Garzón Mace­da [1916].

[42] Mon­tene­gro, 1945: 244. Tam­bém algu­mas reduções con­taram com bot­i­cas que con­tavam com “el azufre, el alum­bre, el sal, el taba­co, la pimien­ta, la enjuidi­cia de gal­li­na, la graxa de tigre, buey y de carnero y pólvo­ra. Fuera de estos sim­ples tenían siem­pre pron­tos tres cal­abazas llenas de unguen­tos com­pues­tas una de ellas con un verde hecho con sebo y veinte hier­bas dis­tin­tas y las cortezas de arboles famosas por sus vir­tudes med­i­c­i­nales” Archi­vo del Dr. R. Schi­affi­no. Orig­i­nales de su obra His­to­ria de la Med­i­c­i­na en el Uruguay. Tomo II, cap. II (La Colo­nia de Sacra­men­to). Caja 245, car­pe­ta 21. Archi­vo Gen­er­al de la Nación del Uruguay.

[43] No trata­men­to de feri­das exter­nas, Mon­tene­gro indi­ca­va a uti­liza­ção do cei­bo ou zuinadí para os guara­nis. Sua cas­ca, depois de ras­pa­dos os espin­hos, dev­e­ria ser esma­ga­da e apli­ca­da sobre as lesões. Com ela tam­bém podi­am ser prepara­dos bál­samos, com o extra­to da cas­ca ou da flor, que ficavam guarda­dos nas bot­i­cas das reduções, para even­tu­ais emergên­cias. Ver Mon­tene­gro 1790: 55.

[44]Mon­tene­gro 1945: 237. Den­tre as espé­cies nati­vas pro­du­toras de óleos essen­ci­ais ter­apêu­ti­cos e que com­pun­ham os bál­samos empre­ga­dos no trata­men­to de lesões exter­nas indi­ca­dos por Mon­tene­gro, esta­va a cupay (Copaifera sp.) ou copaí­ba. Na Améri­ca por­tugue­sa sete­cen­tista, os emplas­tros uti­liza­dos na regen­er­ação de ossos frat­u­ra­dos eram feitos tam­bém pri­mor­dial­mente à base de copaí­ba, embaú­ba e tere­binti­na. Já para doenças ósseas, cau­sadas por frat­uras, o físi­co Jean Vigi­er, autor de “The­soro Apolli­neo, Galeni­co, Chim­i­co, Chirugi­co, Phar­ma­ceu­ti­co”, de 1714, recomen­da­va que fos­sem admin­istra­dos remé­dios de duas class­es em caso de fóssea: os áci­dos (espíri­to de sal, espíri­to de mel, óleo cáus­ti­co de antimônio, óleo de vit­río­lo) e os alcali­nos poderosos (eufór­bio, óleo de papel, alcan­for sem áci­dos e o cáus­ti­co atu­al). Ver mais em FAUSTO et al., 2013.

[45] Segun­do Angéli­ca Otazú Mel­gar­e­jo, ape­sar de na capa do man­u­scrito con­star Pojhã Ñaña, o cor­re­to dev­e­ria ser Pojhã Ñana, já que ñana sig­nifi­ca erva e o ter­mo ñaña se ref­ere à mal­dade ou a dia­bo. [Otazú Mel­gar­e­jo 2014: 10].

[46] Cabe men­cionar que, na maio­r­ia dos casos, o autor de Pojhã Ñana recomen­da pro­ced­i­men­tos como a san­gria, a pur­ga e a apli­cação de ven­tosas.

[47] Para a Med­i­c­i­na do sécu­lo XVIII, o con­sumo de cer­tos ali­men­tos garan­tia o bal­ancea­men­to dos humores e, por­tan­to, a saúde. Se, por um lado, a ingestão em exces­so de comi­da ou bebi­da causa­va inúmeras doenças, por out­ro, o pão, as ervas e os legumes tin­ham uma “vir­tude cor­dial e con­for­t­a­ti­va” e asse­gu­ravam a con­ser­vação dos cor­pos.

[48] Inter­es­sante notar que o autor do man­u­scrito, o irmão jesuí­ta Vil­lo­das, não des­cui­da de infor­mar que “Si se mul­ti­pli­can los tumores, entonces se tiene que pro­lon­gar el tratamien­to (…) debe aplicárse­le reme­dios más efi­caces [san­gria], [pois] el tratamien­to emplea­do sirve solo para mit­i­gar el dolor” [Ms W. L. Lon­dres f. 171, 39r en Otazú Mel­gar­e­jo 2014].

[49] De acor­do com Angéli­ca Otazú Mel­gar­e­jo, é prováv­el que os pro­ced­i­men­tos ter­apêu­ti­cos recomen­da­dos no man­u­scrito Pojhã Ñana ten­ham sido extraí­dos de out­ros man­u­scritos que ten­ham cir­cu­la­do entre e nas reduções jesuíti­cas do anti­go ter­ritório paraguaio. Ver mais em Otazú Mel­gar­e­jo, 2014: 11.

[50]Juapekã é uma espé­cie de plan­ta febrífu­ga; o Tarope é uma espé­cie de con­traer­va e o Kapi’i kati, referi­do como esquinan­to pelo irmão jesuí­ta Pedro Mon­tene­gro é tam­bém con­heci­do como capim cheiroso.

[51] Vale aqui lem­brar que o médi­co sevil­hano Monardes, no sécu­lo XVI, exal­tou, em sua obra “Primera y segun­da y ter­cera partes de la his­to­ria med­i­c­i­nal”, as grandes vir­tudes cura­ti­vas do taba­co, intro­duzi­do “nos jardins e nas hor­tas da Espan­ha, para trata­men­to de todo tipo de enfer­mi­dade: asma, mal de peito, dores de estô­ma­go, mal de útero”, não deixan­do, con­tu­do, de referir que tin­ha “a fac­ul­dade de pro­por­cionar ‘imag­i­nações e fan­tas­mas’”, a exem­p­lo de out­ras duas sub­stân­cias, a macon­ha e o ópio [Ginzburg 2007: 96–97].

[52] Sánchez Labrador, José. Paraguay Nat­ur­al. Ilustra­do. Noti­cias del pais, con la expli­cación de phe­nom­enos physi­cos gen­erales y par­tic­u­lares: usos útiles, que de sus pro­duc­ciones pueden hac­er varias artes. Raven­na, 1771–1776. (Man­u­scrito). Archi­vo Históri­co de la Com­pañía de Jesús [ARSI], Roma. A tran­scrição e a análise deste man­u­scrito con­stituem obje­tivos do pro­je­to As “artes de curar” em dois man­u­scritos jesuíti­cos inédi­tos do sécu­lo XVIII, finan­cia­do pelo Edi­tal Ciên­cias Humanas e Soci­ais – Chama­da MCTI/CNPq/MEC/CAPES Nº 22/2014.

[53] A obra Paraguay Nat­ur­al Ilustra­do já mere­ceu alguns estu­dos, todos eles real­iza­dos a par­tir da con­sul­ta à fonte man­u­scri­ta no ARSI, tais como os de Fur­long, 1948; de Moreno, 1948, e de Sainz Ollero et. al., 1989. Sánchez Labrador real­i­zou um dos mais amp­los e detal­ha­dos tra­bal­hos sobre a natureza, a geografia e as sociedades da região plati­na colo­nial, mas ain­da per­manecem dúvi­das sobre a for­ma como o jesuí­ta a redigiu. Sainz Ollero e out­ros his­to­ri­adores acred­i­tam que, ape­sar das proibições feitas aos jesuí­tas expul­sos, ele teria con­segui­do levar muitos de suas ano­tações, e que, mes­mo poden­do con­tar com algu­mas delas, é muito prováv­el que ten­ha escrito parte da obra a par­tir de suas memórias [Bar­cel­los 2013: 92–93].

[54] O Tomo de Botâni­ca, especi­fi­ca­mente, está sub­di­vi­di­do em sete livros, com­pos­tos por 76 capí­tu­los, que abor­dam os seguintes tópi­cos: Fisi­olo­gia, anato­mia, his­tolo­gia, repro­dução veg­e­tal; Flo­restas, cam­pos, pân­tanos, deser­tos; Far­ma­colo­gia, cul­ti­vo, etnobotâni­ca.

[55] Sánchez Labrador faz refer­ên­cia tam­bém às reduções de Yapeyu, Trinidad, Jesús, Lore­to, San Igna­cio Mini, San Igna­cio Guazu, San Cosme y San Damián e San Loren­zo, mas não infor­ma se as con­heceu pes­soal­mente ou a par­tir de infor­mações de out­ros mis­sionários ou de indí­ge­nas.

[56] Segun­do a his­to­ri­ado­ra argenti­na Maria Sil­via Di Lis­cia [2002], as pedras bezoares eram tidas como essen­ci­ais nas bot­i­cas europeias e amer­i­canas, sendo tam­bém referi­das nas far­ma­copéias, nos com­pên­dios e receituários da Com­pan­hia de Jesus e nas lis­tas de mer­cado­rias solic­i­tadas aos Procu­radores da ordem que se diri­giam à Europa. O inven­tário do Colé­gio de Cór­do­ba, real­iza­do logo após o decre­to de expul­são da Com­pan­hia de Jesus, nos anos de 1771 e 1772, con­fir­ma que as pedras bezoares inte­gravam “los bienes med­i­c­i­nales” das bot­i­cas deste colé­gio jesuíti­co da Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguai. As pedras apare­cem rela­cionadas na cat­e­go­ria Prepara­ciones y Polvos, ao lado de chifres de cer­vo, dentes de javali, corais e olhos de carangue­jo, pós de víb­o­ra e esper­ma de baleia, e, ain­da, na cat­e­go­ria dos Polvos cor­diales, na qual é fei­ta, inclu­sive, uma dis­tinção entre a pedra bezoar oci­den­tal e a amer­i­cana, que apare­cem, mais uma vez, rela­cionadas entre out­ros itens, tais como corais, madrepéro­la e olhos de carangue­jo. [Fleck 2014: 330–340].

[57] A uti­liza­ção de pedras bezoares é referi­da em ao menos duas receitas na Mate­ria Med­ica Mision­era, escri­ta pelo irmão jesuí­ta Pedro Mon­tene­gro (1710). Numa delas, a pedra é uti­liza­da con­tra a varío­la, jun­ta­mente com qua­tro fol­has de calami­ta menor (plan­ta equi­setínea) e duas onças de açú­car, o que provo­ca­va suores nos pacientes, razão pela qual o boticário recomen­da­va que estes se res­guardassem do ven­to. Em out­ra recei­ta, Mon­tene­gro faz menção ao seu uso com­bi­na­do com fol­has da sex­tu­la maior: “E se lhe colo­cam umas duas fol­has de bor­ragem [bor­racha-chi­mar­rona] ou de pedra bezoar, por ser mais sudorí­fi­ca, aten­ua as dores inter­nas, assim do ven­trícu­lo como do fíga­do” (Mon­tene­gro, 1945: 142). O inven­tário do Colé­gio de Cór­do­ba, real­iza­do logo após o decre­to de expul­são da Com­pan­hia de Jesus, nos anos de 1771 e 1772, con­fir­ma que as pedras bezoares inte­gravam “los bienes med­i­c­i­nales” das bot­i­cas deste colé­gio jesuíti­co da Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguai. As pedras apare­cem rela­cionadas na cat­e­go­ria Prepara­ciones y Polvos, ao lado de chifres de cer­vo, dentes de javali, corais e olhos de carangue­jo, pós de víb­o­ra e esper­ma de baleia, e, ain­da, na cat­e­go­ria dos Polvos cor­diales, na qual é fei­ta, inclu­sive, uma dis­tinção entre a pedra bezoar oci­den­tal e a amer­i­cana, que apare­cem, mais uma vez, rela­cionadas entre out­ros itens, tais como corais, madrepéro­la e olhos de carangue­jo [Fleck 2014: 330–340].

[58] Os vinte e um inse­tos cujas vir­tudes ter­apêu­ti­cas Sánchez Labrador apre­sen­ta são as Abel­has (Abe­jas), as Ves­pas (Abis­pas), os Escor­piões (Alacranes), as Ara­nhas (Arañas), as Can­tári­das (Can­tárides), os Perceve­jos (Chinch­es), a Cen­topeia (Cien­topies), a Cig­a­r­ra (Cig­a­r­ra), as Cochonil­has (Cochinil­las), as Baratas (Cucarachas), os Besouros (Escaraba­jos), os Car­ra­p­atos (Gar­ra­p­atas), os Gri­los (Gril­los), as Formi­gas (Hormi­gas), os Gafan­ho­tos (Lan­gos­ta), os Ver­mes (Lom­brices), as Moscas (Moscas), os Mos­qui­tos (Zan­cu­d­os), as Lagar­tas (Oru­gas), os Piol­hos (Pio­jos) e as Sangues­sugas (San­gui­jue­las). Labrador apre­sen­ta, ain­da, as vir­tudes de oito sub­pro­du­tos destes inse­tos, com destaque para o mel (Abel­ha), cera (Abel­ha), vespeiro (Ves­pa), teia (Aran­ha), escar­la­ta (Cochonil­la de Grana), formigueiro (Formi­ga), ovos (Formi­ga) e goma lac­ca (Formi­ga).

[59] No Paraguay Nat­ur­al, Sánchez Labrador parece estar em sin­to­nia com os avanços no estu­do dos inver­te­bra­dos – par­tic­u­lar­mente dos inse­tos – obser­va­dos no sécu­lo XVIII, uma vez que não con­tenta-se em referi-los como “bichos venenosos” ou como organ­is­mos “imper­feitos” e, por isso, não dig­nos de atenção. Opon­do-se a esta for­ma tão neg­a­ti­va de perce­ber os inse­tos, apon­ta para as vir­tudes ter­apêu­ti­cas de alguns deles e para seu largo uso pelos indí­ge­nas amer­i­canos. Em razão dis­so, o Livro sobre os “pequeños vivientes” – como a eles se refe­ria Sánchez Labrador – não se car­ac­ter­i­za por descrições fan­ta­siosas ou crenças arraigadas, ofer­e­cen­do, ain­da, evidên­cias do estre­ito con­vívio do jesuí­ta com os indí­ge­nas jun­to aos quais atu­ou como mis­sionário. Sánchez Labrador apre­sen­ta suas vir­tudes e indi­cações, ten­cio­nan­do sua ade­quação ao sis­tema europeu e à teo­ria humoral­ista hipocráti­co-galêni­ca, em con­sonân­cia com sua condição de europeu e de reli­gioso, não descon­sideran­do os saberes próprios dos gru­pos indí­ge­nas com os quais con­viveu.

[60] De acor­do com essa teo­ria, o cor­po humano seria for­ma­do por difer­entes líqui­dos ou humores que eram “quase sem­pre qua­tro (Sangue, Fleu­ma, Bílis Amarela e Bílis Negra). A saúde con­si­s­tiria no equi­líbrio dess­es humores, assim como a enfer­mi­dade con­si­s­tiria no pre­domínio de algum deles sobre os demais” [Fre­itas Reis 2009: 3.

[61] Dietas ric­as em pro­teí­na, sódio (sal) ou açú­car podem levar à for­mação de cál­cu­los reais, que são for­mações endure­ci­das nos rins ou nas vias urinárias, resul­tantes do acú­mu­lo de cristais exis­tentes na uri­na. No caso das dietas com pre­sença ele­va­da de sal, elas aumen­tam a quan­ti­dade de cál­cio que os rins dev­erão fil­trar, o que con­se­quente­mente leva a um risco maior. Tam­bém, o baixo con­sumo de líqui­dos ou doenças do tra­to diges­ti­vo, como infla­mação gas­troin­testi­nal e diar­réia crôni­ca podem causar mudanças no proces­so de digestão, afe­tan­do dire­ta­mente na absorção de cál­cio e água, aumen­tan­do tam­bém as chances de for­mação de pedras nos rins e/ou bex­i­ga. Out­ra causa para a for­mação de cál­cu­los renais é o exces­so ou, então, a fal­ta de cit­ra­to, sub­stân­cia pre­sente, prin­ci­pal­mente, nas fru­tas cítri­c­as, a hipo e hiperci­tra­turia.

[62] Padre Alon­so de Ovalle atu­ou como Procu­rador da Vice-Provín­cia Jesuíti­ca do Chile e é o autor da obra “His­tor­i­ca Rela­cion del Reyno de Chile” pub­li­ca­da em Roma, em 1646.

[63] Tra­ta-se do quími­co e médi­co francês Este­ban Fran­cis­co Geof­froy (1672–1731).

[64] A prin­ci­pal obra do espan­hol Mar­co Valério Mar­cial [Mar­ciel] (38/40 d.C.-?) é Liber spec­tac­u­lo­rum (80 d.C.).

[65] O escritor e médi­co gre­co-romano Pedânio Dioscórides (40 d.C.-90 d.C.) escreveu a obra De Mate­ria Med­ica, tido como o man­u­al de Far­ma­copeia mais impor­tante da Gré­cia e Roma anti­gas.

[66] O médi­co e far­ma­cêu­ti­co alemão Johann Schröder (1600–1664) é tido como o primeiro a recon­hecer o arsênio como um ele­men­to.

[67] O médi­co, filó­so­fo e cirurgião romano Cláu­dio Galeno (129–199/217 d.C.) defendia que a saúde do homem depen­dia do equi­líbrio dos qua­tro humores, assim como já havia afir­ma­do Hipócrates (460–377 a. C.).

[68] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 368.

[69] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 362.

[70] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 362 (el resalta­do me pertenece).

[71] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 369 (el resalta­do me pertenece).

[72] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 363.

[73] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 363.

[74] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 363 (el resalta­do me pertenece).

[75] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 365 (el resalta­do me pertenece).

[76] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 366

[77] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 366.

[78] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 368.

[79] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 368.

[80] Cabe lem­brar que as obser­vações que Labrador fez do emprego de inse­tos na cura de cer­tas enfer­mi­dades decor­rem das exper­iên­cias que viven­ciou como mis­sionário na Provín­cia Jesuíti­ca do Paraguai. Esta espe­cial condição – de reli­gioso com a mis­são de evan­ge­lizar e civ­i­lizar os indí­ge­nas – se man­i­fes­tará, sem dúvi­da, nas apre­ci­ações que fará das práti­cas cura­ti­vas indí­ge­nas.

[81] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 366 (el resalta­do me pertenece).

[82] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 366.

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  Cómo citar ¬

Eliane Cristina Deckmann Fleck, «A medicina da conversão: apropriação e circulação de saberes e práticas de cura (Província Jesuítica do Paraguay, século XVIII)», Revista de Estudios Marítimos y Sociales [En línea], publicado el [insert_php] echo get_the_time('j \d\e\ F \d\e\ Y');[/insert_php], consultado el . URL: https://wp.me/P7xjsR-KO
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