A medicina da conversão: apropriação e circulação de saberes e práticas de cura
(Província Jesuítica do Paraguay, século XVIII)

The medi­ci­ne of con­ver­sion: appro­pria­tion and cir­cu­la­tion of know­led­ge and hea­ling prac­ti­ces (Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca of Para­guay, 18th century)

Elia­ne Cris­ti­na Deck­mann Fleck*

Reci­bi­do: 30 de enero de 2017
Acep­ta­do: 6 de abril de 2017

Resumen

Nes­te arti­go, nos dete­mos no sig­ni­fi­ca­ti­vo pro­ces­so de tro­cas cul­tu­rais que carac­te­ri­zou o con­ví­vio entre indí­ge­nas e mis­sio­ná­rios jesuí­tas nas reduções ins­ta­la­das pelos reli­gio­sos da Com­panhia de Jesus na Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Para­guay, a par­tir da aná­li­se de libros de medi­ci­na pro­du­zi­dos nas duas pri­mei­ras déca­das do sécu­lo XVIII, tais como os atri­buí­dos aos irmãos Pedro de Mon­te­ne­gro e Mar­cos Villo­da, e de obras de His­tó­ria Natu­ral, como o Para­guay Natu­ral Ilus­tra­do, do padre José Sán­chez Labra­dor, escri­to entre 1771–1776. Des­ta­ca­mos e dis­cu­ti­mos os pro­ce­di­men­tos tera­pêu­ti­cos ado­ta­dos pelos mis­sio­ná­rios e a pro­dução inte­lec­tual resul­tan­te tan­to de seu empenho em asse­gu­rar a cura das almas e dos cor­pos enfer­mos, quan­to da apro­priação e da cir­cu­lação de sabe­res e prá­ti­cas de cura que foram por eles sis­te­ma­ti­za­dos. A aná­li­se con­si­de­ra, ain­da, o papel des­em­penha­do por infor­man­tes, enfer­mei­ros e copis­tas indí­ge­nas e por reli­gio­sos da Com­panhia de Jesus na con­for­mação de uma cul­tu­ra cien­tí­fi­ca na Amé­ri­ca pla­ti­na, no sécu­lo XVIII, evi­den­cia­da nos Recei­tuá­rios e Maté­rias Médi­cas, que cir­cu­la­ram entre os colé­gios e reduções da Ordem, e nas obras de His­tó­ria Natu­ral que foram escri­tas, em espe­cial, duran­te o exí­lio, a par­tir das expe­riên­cias vivi­das nas terras de mis­são na América.

Pala­vras-cha­ve: Com­panhia de Jesus — Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Para­guai — Artes de Curar — Apro­priação e Cir­cu­lação de Sabe­res — Tro­cas interculturais

Abstract

In this arti­cle, we con­si­der the sig­ni­fi­cant pro­cess of cul­tu­ral exchan­ge that cha­rac­te­ri­zed the rela­tionship bet­ween indi­ge­nous peo­ples and Jesuit mis­sio­na­ries in the reduc­tions foun­ded by reli­gious men of the Com­pany of Jesus in the Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca of Para­guay. This is done through the analy­sis of libros de medi­ci­na pro­du­ced in the first two deca­des of the 18th cen­tury, such as the ones attri­bu­ted to Brothers Pedro de Mon­te­ne­gro and Mar­cos Villo­da, and of works of Natu­ral His­tory, such as Para­guay Natu­ral Ilus­tra­do, by priest José Sán­chez Labra­dor, writ­ten bet­ween 1771 and 1776. We high­light and dis­cuss the the­ra­peu­tic pro­ce­du­res adop­ted by the mis­sio­na­ries as well as the inte­llec­tual pro­duc­tion resul­ting from their effort to ensu­re the hea­ling of the souls and infirm bodies, as well as from the appro­pria­tion and cir­cu­la­tion of know­led­ge and hea­ling prac­ti­ces that they sys­te­ma­ti­zed. This analy­sis also con­si­ders the role pla­yed by indi­ge­nous infor­mants, nur­ses and scri­bes as well as by reli­gious men of the Com­pany of Jesus in the con­for­ma­tion of a scien­ti­fic cul­tu­re in Latin Ame­ri­ca, in the 18th cen­tury, as evi­den­ced in the Recei­tuá­rios and Maté­rias Médi­cas, that cir­cu­la­ted among colle­ges and reduc­tions of the Order, and in the works of Natu­ral His­tory that were writ­ten during exile, based on the expe­rien­ces sha­red in the mis­sion lands in America.

Key words: Com­pany of Jesus — Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca of Para­guay — Hea­ling Arts — Appro­pria­tion and Cir­cu­la­tion of Know­led­ge — Inter­cul­tu­ral exchanges

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Em busca da saúde das almas e dos corpos: dos experimentalismos aos libros de medicina[1]

Ape­sar da sig­ni­fi­ca­ti­va pro­dução dos jesuí­tas sobre a natu­re­za e os cos­tu­mes das gen­tes do Novo Mun­do, pou­cos foram os his­to­ria­do­res que se dedi­ca­ram a ana­li­sá-los levan­do em con­ta seu papel na his­tó­ria inte­lec­tual do Renas­ci­men­to e dos iní­cios do perío­do moderno. His­to­ria­do­res como Di Lis­cia [2002], Millo­nes Figue­roa; Ledez­ma [2005], Del Valle [2009] e Asúa [2010] se ins­cre­vem em uma ver­ten­te his­to­rio­grá­fi­ca recen­te de reava­liação da atuação dos jesuí­tas na cons­trução da cha­ma­da ciên­cia moder­na, des­ta­can­do o papel que des­em­penha­ram na criação de redes de conhe­ci­men­to e na for­mação de uma epis­te­mo­lo­gia par­ti­cu­lar no sécu­lo XVIII. Em seus tra­balhos enfa­ti­zam, sobre­tu­do, a impor­tân­cia dos colé­gios da Com­panhia de Jesus ins­ta­la­dos nas várias regiões em que seus mem­bros atua­ram, para a cir­cu­lação de sabe­res e a prá­ti­ca de expe­ri­men­ta­lis­mos, dos quais resul­tou tan­to a vali­dação, quan­to a con­tes­tação de prá­ti­cas e sabe­res con­sa­gra­dos na Euro­pa.[2]

Alguns mem­bros da Com­panhia, a des­pei­to de uma assi­mi­lação sele­ti­va de ideias caras à Ilus­tração, pro­du­zi­ram notá­vel conhe­ci­men­to cien­tí­fi­co basea­do na obser­vação e na expe­riên­cia e fun­da­men­ta­do no pro­du­ti­vo diá­lo­go que man­ti­ve­ram com a ciên­cia e a filo­so­fia moder­nas. Esta sin­gu­lar posição se tra­du­ziu no expres­si­vo núme­ro de obras escri­tas por inte­gran­tes da Ordem, tais como as “His­to­rias Natu­ra­les” e as “Mate­rias Medi­cas”, cuja aná­li­se per­mi­te a recons­ti­tuição do conhe­ci­men­to cien­tí­fi­co por ela apro­pria­do, difun­di­do e pro­du­zi­do ao lon­go do sécu­lo XVII e na pri­mei­ra meta­de do sécu­lo XVIII.[3] Para além des­ta pecu­liar con­dição da Com­panhia de Jesus, e dadas as con­dições em que se deu o ava­nço colo­nial sobre as terras ame­ri­ca­nas, soma­das à per­so­na­li­da­de e aos talen­tos de cada mis­sio­ná­rio e ao iso­la­men­to a que mui­tos deles esti­ve­ram sujei­tos, é pre­ci­so, tam­bém, con­si­de­rar que mui­tos des­tes regis­tros sofre­ram inegá­veis influên­cias das expe­riên­cias vivi­das e das tro­cas inter­cul­tu­rais que estes padres e irmãos viven­cia­ram.[4]

Esta dupla cons­ta­tação pare­ce jus­ti­fi­car a pro­po­sição de estu­dos sobre o des­tino dado aos manus­cri­tos (sobre­tu­do daque­les que ain­da se man­tém iné­di­tos, como é o caso do Tra­ta­do de Ciru­gía e o Para­guay Natu­ral Ilus­tra­do) redi­gi­dos por padres e irmãos da Ordem, nos sécu­los XVII e XVIII, e aos acer­vos das biblio­te­cas jesuí­ti­cas logo após a expul­são da Com­panhia de Jesus da Amé­ri­ca his­pâ­ni­ca, em 1767. Uma aná­li­se dos inven­tá­rios dos bens da Ordem, por exem­plo, nos reve­la a pre­se­nça de livros, medi­ca­men­tos, uten­sí­lios e ins­tru­men­tos nos colé­gios e reduções da Com­panhia de Jesus na Amé­ri­ca pla­ti­na, reve­lan­do que eles foram, por exce­lên­cia, espaços de cir­cu­lação de ideias – median­te a for­mação de redes de conhe­ci­men­to – e de expe­ri­men­ta­lis­mos, que pro­mo­ve­ram tan­to a criação, quan­to a vali­dação de prá­ti­cas e sabe­res.[5] Estes dados reve­lam que em mui­tos des­ses colé­gios e reduções da Ordem, encon­tra­re­mos pen­sa­do­res – como pro­pos­to pelo his­to­ria­dor equa­to­riano Cañi­za­res Esgue­rra – que, ape­sar de habi­ta­rem regiões mar­gi­nais no cená­rio inte­lec­tual do perío­do – áreas con­si­de­ra­das ape­nas e tra­di­cio­nal­men­te como recep­to­ras de conhe­ci­men­tos pro­du­zi­dos em outras par­tes do mun­do –, foram deci­si­vos na cons­trução de deter­mi­na­dos conhecimentos.

Des­de a pri­mei­ra déca­da do sécu­lo XVII, mui­tos dos mis­sio­ná­rios jesuí­tas envia­dos à Amé­ri­ca, preo­cu­pa­dos em melhor aten­der os doen­tes (para asse­gu­rar a saú­de das almas e dos cor­pos), dedi­ca­ram-se à cole­ta e a expe­ri­men­tos com plan­tas nati­vas exis­ten­tes nas ime­diações dos colé­gios e das reduções em que atua­vam. A exis­tên­cia de enfer­ma­rias e de hos­pi­tais, bem como de her­bá­rios e boti­cas nos colé­gios e nas reduções jesuí­ti­cas, pode ser cons­ta­ta­da nas Car­tas Ânuas, que refe­rem tan­to a apli­cação, quan­to a pro­dução e a cir­cu­lação de conhe­ci­men­tos médi­cos e far­ma­cêu­ti­cos, visan­do ao com­ba­te das epi­de­mias que atin­giam indis­tin­ta­men­te indí­ge­nas e euro­peus e ao aten­di­men­to dos doen­tes que bus­ca­vam os remé­dios e o con­so­lo espi­ri­tual que somen­te os padres pode­riam lhes dar.[6] Des­ta preo­cu­pação em melhor aten­der os doen­tes resul­ta­ram algu­mas ini­cia­ti­vas de cole­ta e de expe­ri­men­tos com plan­tas exis­ten­tes nas ime­diações dos colé­gios e das reduções e inves­ti­men­tos fei­tos na aqui­sição de recei­tuá­rios e de obras de medi­ci­na e cirurgia.

Con­tan­do com a cola­bo­ração de indí­ge­nas, que des­em­penha­ram ati­va­men­te os papeis de infor­man­tes, enfer­mei­ros, par­tei­ras e, tam­bém, de copis­tas, irmãos e padres jesuí­tas – como Pedro de Mon­te­ne­gro e Segis­mund Asper­ger – ins­ta­la­ram her­bá­rios e boti­cas, sis­te­ma­ti­za­ram e fize­ram cir­cu­lar sabe­res e prá­ti­cas, atra­vés da inten­sa corres­pon­dên­cia que man­ti­ve­ram entre si ou das cópias de tra­ta­dos e recei­tuá­rios que fize­ram cir­cu­lar entre as reduções e os colé­gios das Pro­vín­cias Jesuí­ti­cas da Amé­ri­ca pla­ti­na e aque­les ins­ta­la­dos na Euro­pa – em espe­cial, com a far­má­cia do Colé­gio Romano – e tam­bém no Orien­te. Algu­mas boti­cas – como a do Colé­gio San Pablo, de Lima – trans­for­ma­ram-se, com o pas­sar do tem­po, em cen­tro de refe­rên­cia, envian­do medi­ca­men­tos – como o bezoar peruano, a ambro­sia mexi­ca­na e a qui­na – para esta­be­le­ci­men­tos da Com­panhia de Jesus no Chi­le, Para­guai, Argen­ti­na, Equa­dor, Pana­má e no Velho Mun­do, ates­tan­do a inten­sa cir­cu­lação de sabe­res, medi­ca­men­tos e prá­ti­cas cura­ti­vas.[7]

São inúme­ras as refe­rên­cias nas Car­tas Ânuas a obras clás­si­cas de Medi­ci­na e a Tra­ta­dos de Cirur­gia, as quais, com cer­te­za, deviam inte­grar os acer­vos das biblio­te­cas de algu­mas Reduções e de alguns Colé­gios jesuí­ti­cos, com des­ta­que para a Far­ma­co­pea, de Palá­cios; Ope­ra Medi­ca de Hotos­ma­ni; dois tomos médi­cos de Car­los Mure­tano; Ope­ra Medi­ca e Dic­cio­na­rio Medi­co, de Ribe­ra; Ciru­gía, de Roble­do; Pos­te­mas, de López; Medi­ci­na, de Gua­da­lu­pe; Ciru­gía, de Vigo; Far­ma­co­pea Matri­cen­se; Far­ma­co­pea, de Ceci, e Ope­ra Medi­ca, de Syde­ras. Vale res­sal­tar que havia um Catá­lo­go dos livros que podiam ser ven­di­dos e envia­dos às cha­ma­das Indias Oci­den­ta­les e no qual cons­ta­vam obras como Dispu­tacio­nes de Medi­ci­na, de Gar­cia; De Cor­po­re huma­na, de Val­ver­de; Ciru­gía, de Redon­do; De mor­bo gali­co, de Duar­te Madei­ra; Ciru­gía, de Bor­bon, bem como o Promp­tua­rio, de Remi­gio e o Promp­tua­rio, de Salazar.

Sabe-se que a Biblio­te­ca da Uni­ver­si­da­de de Cór­do­ba con­ta­va com obras como Teso­ro de Medi­ci­na, de Egi­dio de Villa­lón; Ciru­gía Uni­ver­sal, de Cal­vo; El Tra­ta­do de todas las enfer­me­da­des, de Fran­cis­co Diaz; Tra­ta­do de Medi­ci­na, de Juan Ama­to e Los Prin­ci­pios de Ciru­gía, de Aya­la. O Inven­tá­rio da boti­ca des­te mes­mo colé­gio – rea­li­za­do em feve­rei­ro de 1768, por­tan­to, logo após a expul­são da Com­panhia de Jesus dos terri­tó­rios de domí­nio espanhol – pare­ce con­fir­mar esta afir­mação, ao rela­cio­nar “‘vinos’, ungüen­tos, lamea­do­res, acei­tes, esen­cias, ‘espí­ri­tus’, bál­sa­mos, tin­tu­ras y eli­xi­res, sal volá­til, emplas­tos, ‘con­fec­cio­nes’, pre­pa­ra­cio­nes y pol­vos, píl­do­ras, pol­vos cor­dia­les, hari­nas, raí­ces, gomas, sue­cos, flo­res y aguas”. Ao lado de pre­pa­ra­dos à base de nitro-áci­do e amo­nía­co, como os ‘vinos’ e de águas, como a rosa­da, de melis­sa e de cane­la, encon­tra­vam-se os pol­vos extraí­dos da ipe­ca­cuanha, plan­ta medi­ci­nal ame­ri­ca­na.[8]

As menções fei­tas pelo irmão jesuí­ta Pedro de Mon­te­ne­gro a Rivei­ro, a Pedro Andrés Mathio­lo, a Andrés de Lagu­na e a Dios­có­ri­des e a apli­cação de alguns de seus pres­su­pos­tos, espe­cial­men­te, nos três pri­mei­ros capí­tu­los da Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, pare­cem con­fir­mar o aces­so e a lei­tu­ra des­tas obras médi­cas de refe­rên­cia pelos jesuí­tas em mis­são na Amé­ri­ca. Mas é pre­ci­so des­ta­car a impor­tân­cia de outros mem­bros da Com­panhia de Jesus para a his­tó­ria da botâ­ni­ca ame­ri­ca­na, tais como os padres Flo­rián Pauc­ke, Mar­tín Dobrizhof­fer e José Sán­chez Labra­dor, que apor­ta­ram valio­sos conhe­ci­men­tos sobre a flo­ra do con­ti­nen­te ame­ri­cano nas obras que pro­du­zi­ram.[9]

Para além do vas­to con­jun­to de fon­tes docu­men­tais pro­du­zi­das pela pró­pria Com­panhia de Jesus, os inves­ti­ga­do­res têm podi­do con­tar tam­bém com docu­men­tos escri­tos em lín­gua indí­ge­na. O começo do que pode­ría­mos deno­mi­nar de lite­ra­tu­ra em gua­ra­ni coin­ci­de com a fase ini­cial do tra­balho apos­tó­li­co, pois a cate­que­se exi­giu a tra­dução de cate­cis­mos, orações e ser­mões para a lín­gua dos nati­vos. A esta pro­dução diri­gi­da essen­cial­men­te à con­ver­são, se soma­riam, no sécu­lo XVII e XVIII, as cópias de recei­tuá­rios e de libros de medi­ci­na e, mui­to espe­cial­men­te no Sete­cen­tos, outros gêne­ros de escri­tos indí­ge­nas, tais como car­tas, atas de cabil­dos e narra­ti­vas his­tó­ri­cas. Nos últi­mos anos, his­to­ria­do­res e antro­pó­lo­gos, como Gan­son [2003], Neu­mann [2005, 2007] e Wil­de [2014a; 2014b] têm se debruça­do sobre estas fon­tes indí­ge­nas em gua­ra­ni, com o pro­pó­si­to de inter­pre­tar o pro­ces­so colo­nial e redu­cio­nal des­de uma “pers­pec­ti­va dos indí­ge­nas” Eles, con­tu­do, têm suas inves­ti­gações con­di­cio­na­das tan­to à tra­dução des­tas fon­tes para o espanhol ou para o por­tu­guês, quan­to ao aces­so faci­li­ta­do a esta docu­men­tação – que se encon­tra em arqui­vos euro­peus ou latino-ame­ri­ca­nos – cuja quan­ti­da­de e qua­li­da­de já foram reconhe­ci­das por reno­ma­dos his­to­ria­do­res como Pas­tells [1912; 1933], Fur­long [1948; 1953] e Melià [1992; 2006].

Den­tre estes novos e valio­sos manus­cri­tos em gua­ra­ni se encon­tram os recen­te­men­te des­co­ber­tos por inves­ti­ga­do­res da Uni­ver­si­dad de Kiel [Thun; Cerno; Ober­meier 2015], que têm reco­rri­do à tipo­lo­gia de Harald Thun sobre as prá­ti­cas de escri­tu­ra em gua­ra­ni [Thun 2002; 2015], para quem a par­ti­ci­pação do indí­ge­na no pro­ces­so da escri­tu­ra apre­sen­ta duas eta­pas: a pri­mei­ra seria de uma escri­tu­ra “guia­da e con­tro­la­da”, na qual o índio escre­ve sob a ini­cia­ti­va e o con­tro­le de um padre da Com­panhia de Jesus, e a segun­da seria a da “libe­ração da escri­tu­ra”, que tem relação com as car­tas indí­ge­nas da épo­ca do Tra­ta­do de Madri [1750] e das gue­rras gua­ra­ní­ti­cas [1754–1756] já ana­li­sa­das por Eduar­do Neu­mann [2005].

Sabe-se que os libros de medi­ci­na manus­cri­tos cir­cu­la­vam de redução em redução, sob a for­ma de cader­nos, sem espe­ci­fi­cação de seu autor, e, ain­da, que estes cader­nos eram copia­dos para que as recei­tas não se per­des­sem.[10] Um deles, deno­mi­na­do Manus­cri­to de São Bor­ja[11] — supos­ta­men­te do sécu­lo XVIII, pela for­ma de sua escri­tu­ra -, con­tém pro­ce­di­men­tos e recei­tas para afe­cções do estô­ma­go e tam­bém para o par­to e o puer­pé­rio, com des­ta­que para os trans­tor­nos que cos­tu­ma­vam se apre­sen­tar nes­ta fase crí­ti­ca para o recém-nas­ci­do. A cir­cu­lação des­te manus­cri­to mos­tra a cla­ra inte­nção, assim como tam­bém pude­mos per­ce­ber na Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, escri­ta pelo irmão jesuí­ta Pedro Mon­te­ne­gro, de colo­car estes sabe­res rela­cio­na­dos às artes de curar à dis­po­sição dos índios con­cen­tra­dos nas reduções.

Além des­te manus­cri­to, a Biblio­te­ca Nacio­nal de Madrid (BNM) con­ta com uma ver­são do Libro de medi­ci­na en len­gua gua­ra­ni, deno­mi­na­do de Ms. B. N. Madrid, que, segun­do a lin­guis­ta Angé­li­ca Ota­zú Mel­ga­re­jo [2014], circu­lou jun­to a um manus­cri­to de Gre­go­rio López (1542–1596).[12] Ota­zú refe­re a exis­tên­cia de uma outra ver­são des­te mes­mo manus­cri­to, sob o títu­lo Pojhã Ñana[13] – redi­gi­do qua­se intei­ra­men­te em gua­ra­ni e atri­buí­do ao irmão jesuí­ta Mar­cos Villo­das – na Well­co­me Library de Lon­dres, razão pela qual é deno­mi­na­do de Ms. W. L. Lon­dres.[14] O Manus­cri­to Villo­das, como tam­bém é conhe­ci­do, se cons­ti­tui, segun­do a pes­qui­sa­do­ra para­guaia, em um dos pou­cos no qual o mis­sio­ná­rio reve­la que apren­deu – com os indí­ge­nas gua­ra­nis – algu­mas prá­ti­cas médi­cas e, sobre­tu­do, for­mas de diag­nos­ti­car doe­nças, o tipo e a duração do tra­ta­men­to, bem como uma clas­si­fi­cação das plan­tas medi­ci­nais. O tex­to traz ao final, escri­ta a lápis, a seguin­te ano­tação: “Este ‘Códi­ce Villo­das’ es el úni­co manus­cri­to médi­co gua­ra­ní cono­ci­do y se refie­re a las pro­pie­da­des tera­péu­ti­cas de las plan­tas de las misio­nes jesuí­ti­cas en el Para­guay. El padre Fur­long, S.J. no lle­gó a ver­le. Pro­ce­de de la colec­ción de Moi­sés S. Ber­to­ni, Asun­ción, Para­guay, y fue adqui­ri­do del prf. Gui­ller­mo Tell Ber­to­ni en Asun­ción, el 5 de mayo 1957.”[15]

Para Angé­li­ca Ota­zú, as ver­sões do Manus­cri­to Villo­das são, jun­ta­men­te com Manus­cri­to de São Bor­ja, de impor­tân­cia fun­da­men­tal não somen­te para a His­tó­ria da Medi­ci­na ame­ri­ca­na, mas por­que supõe a cola­bo­ração e a par­ti­ci­pação de enfer­mei­ros gua­ra­nis nos ofí­cios de pre­ve­nir e curar enfer­mi­da­des. Ota­zú, con­tu­do, aler­ta que “uno de los incon­ve­nien­tes para ana­li­zar el Ms. Lon­dres es el difí­cil acce­so al gua­ra­ní clá­si­co o el gua­ra­ní que se emplea­ba en las Reduc­cio­nes”,[16] o que pare­ce expli­car os pou­cos estu­dos rea­li­za­dos sobre o manus­cri­to atri­buí­do a Mar­cos Villo­das, sal­vo os de Car­men Sán­chez Téllez [1990] e de Sabi­ne Anag­nos­tou [2005].

Nes­te arti­go, com­par­tilha­mos os resul­ta­dos de uma inves­ti­gação sobre a pro­dução cien­tí­fi­ca de jesuí­tas que atua­ram na Amé­ri­ca pla­ti­na no Sete­cen­tos, pri­vi­le­gian­do a aná­li­se da Maté­ria Medi­ca Misio­ne­ra e do Libro de Ciru­gía, escri­tos pelo irmão Pedro Mon­te­ne­gro, em 1710 e 1725, res­pec­ti­va­men­te, do manus­cri­to “Pojhã Ñana”, de 1725, cuja auto­ria é atri­buí­da ao tam­bém irmão Mar­cos Villo­das, e, ain­da, do manus­cri­to Para­guay Natu­ral Ilus­tra­do, escri­to entre 1771 e 1776, pelo padre jesuí­ta José Sán­chez Labra­dor. Mais do que cons­ta­tar a influên­cia exer­ci­da pelas teo­rias médi­cas vigen­tes na Euro­pa nas obras des­tes mis­sio­ná­rios jesuí­tas, inter­es­sa-nos tam­bém apre­sen­tar evi­dên­cias da apro­priação, difu­são e cir­cu­lação de sabe­res e pro­ce­di­men­tos terapêuticos.

A Materia Medica Misionera e o Libro de Cirugía do irmão jesuíta Pedro Montenegro 

Escri­ta em 1710, a Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra tem 458 pági­nas, além de 148 des­enhos de plan­tas fei­tos à mão, e con­ta em seu fron­tis­pí­cio com uma ima­gem de Nos­sa Senho­ra das Dores, padroei­ra dos doen­tes. Sabe-se da exis­tên­cia de dois manus­cri­tos ori­gi­nais, isto é, data­dos de 1710. Um deles se encon­tra na Biblio­te­ca de Bue­nos Aires e do qual se ori­gi­na­ram cin­co ver­sões impres­sas. A pri­mei­ra ver­são impres­sa foi publi­ca­da em 1888, por Ricar­do Tre­lles, na Revis­ta Patrió­ti­ca Del Pasa­do Argen­tino,[17] a segun­da, em for­ma­to digi­tal, dis­po­ní­vel na Biblio­te­ca Vir­tual del Para­guai,[18] e a ter­cei­ra, em uma edição recen­te, do ano de 2009.[19] Loca­li­za­mos, tam­bém, uma ver­são na Biblio­te­ca Digi­tal da Espanha, que data de 1710 e que acre­di­ta­mos tra­tar-se do ori­gi­nal. Sabe-se que uma cópia do tex­to ori­gi­nal de Pedro de Mon­te­ne­gro – Libro pri­mei­ro de la pro­pie­dad y bir­tu­des de los arbo­les i plan­tas de las misio­nes y pro­vín­cias de Tucu­mán con algu­nas del Bra­sil y del Orien­te – se encon­tra guar­da­do na Biblio­te­ca Nacio­nal de Madri.[20]

Exis­te, ain­da, uma cópia manus­cri­ta da Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, com data de 1790, que se encon­tra dis­po­ní­vel no Arqui­vo do Ins­ti­tu­to Anchie­tano de Pes­qui­sas da UNISINOS. Este manus­cri­to não con­ta com os des­enhos pre­sen­tes no ori­gi­nal, e, ao que tudo indi­ca, foi copia­do por uma pes­soa pou­co letra­da, haja vis­ta as inco­rreções gra­ma­ti­cais, como obser­va­do pelo padre Bar­to­lo­meu Melià, em ano­tação fei­ta à mão no fron­tis­pí­cio com data de 1986: “El pre­sen­te manus­cri­to pare­ce ser de la épo­ca y está escri­to por quien no domi­na la len­gua cas­te­lla­na, y asi podría ser un índio misio­ne­ro”.[21]

Sobre seu autor, Pedro de Mon­te­ne­gro, sabe-se que nas­ceu na Galí­cia, em maio de 1663 e, ain­da jovem – pro­va­vel­men­te, em 1679 –, ini­ciou seus estu­dos de medi­ci­na no “Hos­pi­tal Gene­ral de Madrid”, ten­do ingres­sa­do na Com­panhia de Jesus em abril de 1691. No Catá­lo­go da Pro­vín­cia do ano de 1703, cons­ta que o irmão Mon­te­ne­gro “(…) había hecho los últi­mos votos el 25 de abril de 1703, que se alla­ba en las Misio­nes del Rio Para­ná, que sus fuer­zas físi­cas eran ‘débi­les’ y su ofi­cio era el de ciru­jano (Chi­rur­gus).”[22] Con­si­de­ran­do a for­mação que Pedro de Mon­te­ne­gro teve na Espanha e os pro­ce­di­men­tos tera­pêu­ti­cos empre­ga­dos pelos médi­cos e cirur­giões à épo­ca – que pre­viam san­grias, inges­tão de ervas medi­ci­nais, fri­cções, apli­cação de ven­to­sas e emplas­tros com os mais varia­dos ingre­dien­tes e cata­plas­mas, bem como ampu­tações e correções de des­vios ósseos – e o ofí­cio de cirur­gião a ele atri­buí­do no Catá­lo­go, pode-se infe­rir quais as ati­vi­da­des que viria a des­em­penhar nas mis­sões da Com­panhia de Jesus na Amé­ri­ca.[23]

As ver­sões manus­cri­tas e impres­sas do tra­ta­do Mate­ria Médi­ca Misio­ne­ra, do irmão jesuí­ta Pedro de Mon­te­ne­gro – um dos manus­cri­tos de medi­ci­na que cir­cu­la­ram entre as reduções e colé­gios da Ordem na Amé­ri­ca pla­ti­na ao lon­go do sécu­lo XVIII e mes­mo no pos­te­rior – já foram ana­li­sa­das por vários pes­qui­sa­do­res. Ape­sar da con­tes­tação da auto­ria da obra, com des­ta­que para a posição assu­mi­da pelo médi­co argen­tino Pedro Ara­ta [1898], outros padres jesuí­tas, como Pedro Lozano [1733] e José Sán­chez Labra­dor [1910], se enca­rre­ga­ram de asse­gu­rar a Pedro Mon­te­ne­gro a con­dição de prin­ci­pal autor de recei­tuá­rios de botâ­ni­ca médi­ca da Com­panhia de Jesus no sécu­lo XVIII.[24]

Na Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, encon­tra­mos regis­tra­das infor­mações sobre aque­les que Mon­te­ne­gro deno­mi­nou de “estos pobres índios”, aque­les que se encon­tra­vam sujei­tos ao aten­di­men­to pres­ta­do por “médi­cos curan­de­ros y curan­dei­ras” [Mon­te­ne­gro 1945: Pró­lo­go]. Con­tu­do, à medi­da que ava­nça­mos nos capí­tu­los da obra, os sabe­res indí­ge­nas, sobre­tu­do sobre plan­tas medi­ci­nais e prá­ti­cas cura­ti­vas, assu­mem des­ta­ca­da impor­tân­cia, nem sem­pre reconhe­ci­da pelo irmão jesuí­ta, que pre­fe­re asso­ciá-los à pro­vi­dên­cia divi­na. A manu­te­nção de deter­mi­na­das prá­ti­cas cura­ti­vas tra­di­cio­nais nas reduções e o papel des­em­penha­do por indí­ge­nas – como infor­man­tes ou enfer­mei­ros, ou mes­mo, como curan­dei­ros – ficam tam­bém evi­den­tes na corres­pon­dên­cia tro­ca­da entre os mis­sio­ná­rios e enca­minha­da ao Padre Geral da Com­panhia de Jesus, como pro­cu­ra­mos demons­trar nes­te artigo.

Para Mon­te­ne­gro, tan­to a natu­re­za, quan­to os conhe­ci­men­tos indí­ge­nas sobre ela são per­ce­bi­dos como inter­ve­nção do Cria­dor – que agia de dife­ren­tes manei­ras para garan­tir sua uti­li­zação “como sus­ten­to y medi­ci­na”, como se pode cons­ta­tar nas pas­sa­gens rela­ti­vas ao uso da erva mate, que “en estos pai­ses del Para­guay, y Misio­nes (…) la ense­ñó San­to Tho­mé á los Indios”, e cujas pro­prie­da­des con­du­cen­tes seriam bem supe­rio­res às do cacau do Orien­te [Mon­te­ne­gro 1945: 4]. A uti­li­zação da erva mate pelos indí­ge­nas era, des­ta for­ma, legi­ti­ma­da em função da pas­sa­gem do após­to­lo São Tomé pela Amé­ri­ca, oca­sião em que lhes ensi­nou a viver como cris­tãos civi­li­za­dos e pre­gou sobre a “ver­da­dei­ra religião”.

Em outros momen­tos, a jus­ti­fi­ca­ti­va dada pelo jesuí­ta para a acei­tação dos sabe­res indí­ge­nas esta­va liga­da à con­dição e à con­du­ta do infor­man­te. Ao falar sobre a plan­ta alto­ci­go, Mon­te­ne­gro res­sal­ta várias de suas qua­li­da­des – pro­ve­nien­tes de seu amar­gor – e sua apli­cação em doe­nças nos olhos deco­rren­tes de fra­que­zas no cére­bro, acres­cen­tan­do que havia toma­do con­ta­to com esta plan­ta atra­vés de um índio cris­tão mui­to qua­li­fi­ca­do, cha­ma­do Cle­men­te, “cier­to Curu­zú­ya­ra ó medi­co, el mas péri­to que en estas Misio­nes he halla­do”. Na refe­rên­cia que faz às qua­li­da­des da raiz do Caá­pa­ri gua­zú, empre­ga­da com suces­so nas epi­de­mias de “cama­ras de san­gre”, Mon­te­ne­gro afir­ma que, ape­sar de nun­ca ter fei­to expe­riên­cias com a plan­ta, dava algum cré­di­to à infor­mação por ter sido dada por “un capáz y buen cris­tiano lla­ma­do Cle­men­te” [Mon­te­ne­gro 1945: 314].

A con­fia­nça depo­si­ta­da nas infor­mações dadas pelo “capaz¸ buen cris­tiano e el más peri­to” – o infor­man­te indí­ge­na Cle­men­te – pare­ce apon­tar para a asso­ciação que Mon­te­ne­gro faz entre con­ver­são e conhe­ci­men­to, como se pode cons­ta­tar em outra pas­sa­gem na qual, ao des­cre­ver os usos pos­sí­veis da plan­ta yaca­ré caá,[25] ele des­ta­ca que os indí­ge­nas cos­tu­ma­vam bus­cá-la para neu­tra­li­zar vene­nos de diver­sos ani­mais e que “así me la dió a cono­cer cier­to Indio vie­jo, el más expe­di­to que he halla­do en estas Misio­nes en el cono­ci­mien­to de las yer­bas, y su apli­ca­ción” [Mon­te­ne­gro 1945:118] Mos­trou-se, tam­bém, aten­to aos efei­tos do con­su­mo do guem­bé[26] sobre cer­tos ani­mais:[27]

…hasta los gatos madrugan á hurtar su fruto, siendo de complesion tan calientes y secos como son los cuales; á pocos dias que lo han comido arman unos con otros graves y sangrientas pendencias, despues de las cuales he observado se bán secando y pelando, de suerte que vienen á morir á los cuatro ó cinco meses, y conozco es la causa el faltarles agua despues de haberlos comido [Montenegro, 1945:205].

As refe­rên­cias fei­tas aos conhe­ci­men­tos dos nati­vos, sobre­tu­do em relação à apli­cação de plan­tas medi­ci­nais no tra­ta­men­to de doe­nças aca­bam por reve­lar a atuação dos “médi­cos índios” pelo irmão jesuí­ta, como fica evi­den­cia­do nes­ta pas­sa­gem, em que, ao des­cre­ver as pro­prie­da­des do beju­co, Mon­te­ne­gro res­sal­ta ter rece­bi­do infor­mações de “varios medi­cos Indios los más capa­ces”, o que apon­ta para o rele­van­te papel des­em­penha­do pelos infor­man­tes indí­ge­nas na ela­bo­ração da Mate­ria Médi­ca Misio­ne­ra.[28] Na des­crição que faz de algu­mas das plan­tas, Mon­te­ne­gro acres­cen­ta­rá a infor­mação de que elas podiam ser encon­tra­das em “huer­tas y cha­ca­ras de los Indios”, o que suge­re – além de se tra­tar de um recur­so tera­pêu­ti­co tra­di­cio­nal entre os indí­ge­nas – a con­ti­nui­da­de de seu empre­go nas reduções jesuí­ti­cas (Mon­te­ne­gro, 1945: 209).

A iden­ti­fi­cação das plan­tas em gua­ra­ni – e tam­bém em tupi – pare­ce ates­tar a impor­tân­cia que Mon­te­ne­gro dava ao conhe­ci­men­to que os indí­ge­nas tinham sobre a loca­li­zação e sobre as pro­prie­da­des cura­ti­vas das plan­tas nati­vas, bem como a sua preo­cu­pação em garan­tir que os lei­to­res da Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra – padres que se encon­tra­vam em outras reduções, colé­gios ou resi­dên­cias jesuí­ti­cas – pudes­sem con­tar com a aju­da de indí­ge­nas – infor­man­tes ou enfer­mei­ros – para sua uti­li­zação como remé­dio em deter­mi­na­das situações. Além dis­so, é pre­ci­so con­si­de­rar que, ape­sar do rela­ti­vo iso­la­men­to e das lon­gas dis­tân­cias, padres, indí­ge­nas e infor­mações cir­cu­la­vam entre as dife­ren­tes regiões da Amé­ri­ca onde a Com­panhia de Jesus atua­va, como se depreen­de des­ta pas­sa­gem em que Mon­te­ne­gro refe­re os usos da copay­ba pelos índios Tupis: “Me he infor­ma­do de los Por­tu­gue­ses, y Tupis, que en el Bra­sil lo han saca­do, y dicen, que hay arbo­lea muy grue­sos, y en tie­rra pin­güe, que en quin­ce dias lle­nan dos cala­ba­zos, como dos fras­cos, y más, de los nues­tros de á dos cuar­ti­llos de medi­da mayor”.[29] Ou, então, na refe­rên­cia fei­ta ao uso do Maca­guá isi­po no tra­ta­men­to de mor­di­das de víbo­ras que, segun­do Mon­te­ne­gro, lhe havia sido ensi­na­do por um índio Tupi ins­ta­la­do no povoa­do de San Bor­ja, que “se vino de la Ciu­dad de San Gabriel hui­do, según me han dicho” [Mon­te­ne­gro 1945: 101].

A cópia manus­cri­ta do tra­ta­do Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, com data de 1790, que loca­li­za­mos no Arqui­vo do Ins­ti­tu­to Anchie­tano de Pes­qui­sas da Uni­si­nos, pare­ce con­fir­mar a cir­cu­lação de cópias de obras des­ta natu­re­za entre os dife­ren­tes espaços de atuação da Com­panhia de Jesus. De acor­do com o his­to­ria­dor Eduar­do Neu­mann, o domí­nio do alfa­be­to pelos indí­ge­nas foi uma deco­rrên­cia da cate­que­se, que per­mi­tiu que atin­gis­sem notá­vel des­tre­za nas prá­ti­cas letra­das, par­ti­ci­pan­do dire­ta­men­te na ela­bo­ração de voca­bu­lá­rios, cate­cis­mos, gra­má­ti­cas e na repro­dução (cópias) de obras que pas­sa­vam a cir­cu­lar entre os colé­gios e as reduções.[30]

Heloí­sa Ges­tei­ra, por sua vez, defen­de que estes tex­tos eram copia­dos (pelos pró­prios mis­sio­ná­rios ou, então, por copis­tas indí­ge­nas), sen­do dis­tri­buí­dos e com­par­tilha­dos pelos inacia­nos ins­ta­la­dos em várias regiões aten­di­das pela Com­panhia de Jesus (daí, tra­zer os nomes das espé­cies de plan­tas em espanhol, tupi e gua­ra­ni), con­for­man­do uma “rede de tro­ca de expe­riên­cias e de infor­mações” e um “pro­ces­so de cos­mo­po­li­ti­zação das prá­ti­cas médi­cas, que, por sua vez, era acom­panha­da por um pro­ces­so de expe­ri­men­tação, cul­ti­vo e dis­se­mi­nação de plantas”.

Enca­rre­ga­dos das cópias de car­tilhas com orien­tações para evi­tar o con­tá­gio, de fór­mu­las de medi­ca­men­tos e de obras de medi­ci­na, mui­tos des­tes indí­ge­nas copis­tas não somen­te favo­re­ce­ram a tro­ca e a dis­se­mi­nação de uma série de sabe­res e prá­ti­cas de cura entre as dis­tin­tas e dis­tan­tes terras de mis­são da Com­panhia de Jesus. Tam­bém a engenho­si­da­de indí­ge­na foi regis­tra­da por Mon­te­ne­gro, como se pode cons­ta­tar na des­crição que faz da apli­cação da plan­ta “vivo­ra de Tari­ja”.[31] O irmão jesuí­ta infor­ma que, ini­cial­men­te, suas pro­prie­da­des eram conhe­ci­das ape­nas por um espanhol, que não as reve­la­va por “el inter­éz que le corria”. O segre­do, no entan­to, aca­bou sen­do reve­la­do por um indí­ge­na – um cari­do­so cris­tão – que, mui­to pers­pi­caz, observou‑o – à dis­tân­cia – colher deter­mi­na­da erva após ser pica­do por uma cobra:

...al punto corrió á un vallecito de un arroyuelo, y un Indio tráz de él, vió que cojió esta yerba, la mascó y aplicó á la herida, y mascando mas tragó el zumo. Dicho Indio fué mas Cristiano, por que luego comunicó el secreto á un su compañero, y de aquí resultó el descubrimiento para conocer su preciosa virtud, y aquel secreto del codicioso europeo. Esto me lo contó dicho Pe. Tomas Moreno” [Montenegro 1945: 83-84].

Mon­te­ne­gro regis­tra, tam­bém, as incur­sões que fazia – acom­panha­do de indí­ge­nas – em bus­ca de deter­mi­na­das plan­tas que, por serem pro­ve­nien­tes do Orien­te, eram tidas como raras, tan­to nos her­bá­rios, quan­to nas boti­cas europeias:

...pero viendo que le faltaba lo agudo y aromático que pide el verdadero esquinanto la arrojé, fiando del Todo Poderoso lo hallaría, y no me engañé, porque estando un día de gran Sol á la orilla de cierto arroyo á la sombra, á donde me guarnecí del cansancio del largo camino que traía, me lo deparo el Todo Poderoso, por medio del olfato, y en fin después de varias diligencias mías, y de tres Indios que venían en mi compañía, registrando arboles, y mato de alrededor, hice reparo, que en sentándome en tierra por lo cual me puse á buscar entre las yerbas y pasto el tal olor, cuando el uno de los Indios me dijo: este es Capiî-cati. Dije le, si, (…) esto es lo que buscaba: saqué sus raíces, y hallé por olor y gusto el verdadero esquinanto, de lo cual mucho me alegré”.

Como pode­mos cons­ta­tar, mes­mo tra­tan­do-se de um manus­cri­to de medi­ci­na, a Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra pare­ce com­pro­var não ape­nas a cir­cu­lação de medi­ca­men­tos e conhe­ci­men­tos entre os jesuí­tas – atra­vés das cópias de tra­ta­dos e recei­tuá­rios e da inten­sa corres­pon­dên­cia que entre si man­ti­ve­ram – como tam­bém a inter­ação de indí­ge­nas e mis­sio­ná­rios, como evi­den­cia­do no rela­to fei­to pelo irmão jesuí­ta Mon­te­ne­gro – que, depois de mui­to pro­cu­rar, encon­tra­rá o “ver­da­de­ro esqui­nan­to” com a aju­da de um indí­ge­na – e que apon­ta para as tro­cas cul­tu­rais entre sabe­res e prá­ti­cas de cura.[32]

As várias espé­cies refe­ri­das por Mon­te­ne­gro e, não exclu­si­va­men­te suas dis­tin­tas deno­mi­nações, estão, com cer­te­za, asso­cia­das às eco­rre­giões em que os colé­gios e as reduções jesuí­ti­cas se encon­tra­vam ins­ta­la­das. Na eco­rre­gião do Cha­co Seco, encon­tra­mos o Colé­gio de San­tia­go del Este­ro e o Colé­gio de La Rio­ja. Este últi­mo se encon­tra ins­ta­la­do mui­to pró­xi­mo da eco­rre­gião Mon­te de Sie­rras e Bol­so­nes que, devi­do às pou­cas pre­ci­pi­tações, é mui­to ári­da. Na região mais a noroes­te da atual Argen­ti­na, encon­tra­mos o Colé­gio de Tucu­mán e o Colé­gio de Sal­ta, ins­ta­la­dos em um terri­tó­rio com con­dições cli­má­ti­cas mais favo­rá­veis, pois aden­tra­vam a eco­rre­gião deno­mi­na­da Sel­vas de las Yun­gas, que se carac­te­ri­za por pre­ci­pi­tações mais fre­quen­tes, que favo­re­cem uma flo­ra e uma fau­na mais diver­sa. Já o Colé­gio de Corrien­tes se encon­tra­va em uma região com áreas sujei­tas a inun­dações, típi­cas da eco­rre­gião Este­ros del Ibe­ra, e mui­to pró­xi­mo do Cha­co Úmi­do e Del­ta do Para­ná. Na região cen­tral, temos o Colé­gio de Cór­do­ba – onde Mon­te­ne­gro com­ple­tou sua for­mação e atuou como boti­cá­rio –, que se loca­li­za­va na eco­rre­gião do Espi­nal, carac­te­ri­za­da pela sua ari­dez. O Colé­gio de Men­do­za, por sua vez, se encon­tra­va em uma região ain­da mais inós­pi­ta, abar­ca­da pelas eco­rre­giões Mon­te de Lla­nu­ras y Mese­tas e da Este­pa Pata­go­ni­ca. Já as reduções em que o irmão jesuí­ta atuou – a de Após­to­les e a de Már­ti­res –, se encon­tra­vam na região de Mis­sio­nes (região tam­bém deno­mi­na­da de Sel­va Misio­ne­ra ou Para­naen­se), que se carac­te­ri­za pelas chu­vas abun­dan­tes e pela sua bio­di­ver­si­da­de, e que, além do terri­tó­rio da atual Argen­ti­na, se esten­dia às regiões orien­tais do Para­guai e tam­bém ao sul do Bra­sil. Sua atuação em reduções nes­ta região pare­ce expli­car a diver­si­da­de das espé­cies de plan­tas medi­ci­nais nati­vas que Mon­te­ne­gro cole­tou (em expe­dições que reali­zou acom­panha­do de indí­ge­nas já redu­zi­dos), tes­tou e des­cre­veu na Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra.

Para mui­tos his­to­ria­do­res, o Tra­ta­do de Ciru­gía,[33] de 1725, tam­bém foi escri­to pelo irmão jesuí­ta Pedro Mon­te­ne­gro, autor da Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, de 1710. Em con­sul­ta ao ver­be­te Pedro Mon­te­ne­gro do Dic­cio­ná­rio His­tó­ri­co de La Com­pa­nía de Jesús, e Char­les E. O’Neill e Joa­quin Maria Domin­guez, encon­trei a seguin­te infor­mação: “Escri­bió libros de medi­ci­na en espa­ñol y gua­ra­ní. Sus prin­ci­pa­les obras fue­ron ‘Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra’ [1710], con 148 ilus­tra­cio­nes hechas por él mis­mo, y ‘Libro de Ciru­gía’ [1725], aún iné­di­to, que se con­ser­va en la biblio­te­ca del con­ven­to fran­cis­cano de Cata­mar­ca (Argen­ti­na)” [O’neill; Domin­guez 2001: 13–15].

Posi­cio­nan­do-se em relação à polê­mi­ca quan­to à pos­si­bi­li­da­de de o “Libro de Ciru­gía” ter sido escri­to por um frei fran­cis­cano – de nome Pache­co –, o his­to­ria­dor jesuí­ta Gui­ller­mo Fur­long [1947: 74] afir­mou que “Mon­te­ne­gro es el indis­cu­ti­do autor de la tan zaran­dea­da Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra pero, a nues­tro pare­cer, es el igual­men­te el autor del ‘Libro de Ciru­gía’ que, en 1916, dio a cono­cer el doc­tor Félix Gar­zón Mace­da en mag­na y eru­di­tí­si­ma his­to­ria de la “Medi­ci­na en Cór­do­ba”.[34] O tex­to do Pró­lo­go da obra evi­den­cia que seu autor reco­rreu a “auto­res clá­si­cos y que son doc­tos para la Medi­ci­na” e que seu maior pro­pó­si­to era o “de reu­nir en un Cuer­po, lo que no he podi­do hallar en libro alguno, cuan­to es pre­ci­so tenien­do que cami­nar con­ti­nua­men­te y por diver­sas par­tes; no podien­do lle­var muchos libros que me halla­ba fal­to” [Mon­te­ne­gro apud Acer­bi Cre­ma­des 1999: 19]. O Libro de Ciru­gía, segun­do Gar­zón Mace­da, pos­sui nove capítulos:

1 Capítulo: Dispensário Médico, conteniendo diferentes fórmulas magistrales de medicamentos, para ser administrados por via oral o em aplicaciones externas; 2 Capítulo: Anatomía del cuerpo humano; 3 Capítulo: El tratado de sangrar; 4 Capítulo: enfermedades de la cabeza; 5 Capítulo: Enfermedades del pecho; 6 Capítulo: Enfermedades de la cavidad abdominal; 7 Capítulo: Enfermedades de las Mujeres; 8 Capítulo: Tratado de las Fiebres; 9 Capítulo: Tratado sobre el pulso: orina y crisis. Algunos tratamientos quirúrgicos; medidas para curar el ‘morbo gálico’ y el Escorbuto. Se Cierra el Tratado de los Pronósticos con tablas que muestan la complexión y aspecto de los siete planetas y los doce signos celestes, entre los cuales está la luna y los dias más convenientes para evacuar los humores, por medio de las sangrias o purgantes. (…) Es lo más completo que ha circulado y lo de mayor mérito que puede hallarse entre los códices médicos coloniales que han llegado hasta nosotros [Garzón Maceda in: Acerbi Cremades 1999: 19].

Con­si­de­ran­do a for­mação que Mon­te­ne­gro teve como apren­diz no Hos­pi­tal Gene­ral de Madrid e os pro­ce­di­men­tos tera­pêu­ti­cos empre­ga­dos pelos médi­cos e cirur­giões à épo­ca – que pre­viam san­grias, inges­tão de ervas medi­ci­nais, fri­cções, apli­cação de ven­to­sas e emplas­tros com os mais varia­dos ingre­dien­tes e cata­plas­mas, bem como ampu­tações e correções de des­vios ósseos – e o ofí­cio a ele atri­buí­do no Catá­lo­go – o de cirur­gião –, pode-se infe­rir quais as ati­vi­da­des que viria a des­em­penhar nas mis­sões da Com­panhia de Jesus na América.

Acre­di­ta­mos que Mon­te­ne­gro pôde, efe­ti­va­men­te, exer­cer tan­to as funções de boti­cá­rio, de “enfer­me­ro” e de cirur­gião, pois adqui­riu jun­to ao Hos­pi­tal Geral de Madri “amplia prác­ti­ca tan­to médi­ca como qui­rúr­gi­ca y en far­ma­co­pea his­pá­ni­ca”. A esta “for­ma­ción, empí­ri­ca al pare­cer, pues no obtu­vo nun­ca títu­lo de médi­co”, somou-se “un ver­da­de­ro talen­to de obser­va­ción, [que] le per­mi­tió adqui­rir un sóli­do cono­ci­mien­to de nues­tra aún des­co­no­ci­da botá­ni­ca médi­ca” [Mañé Gar­zon 1996: 231]. A atuação de irmãos jesuí­tas nes­ta função é con­fir­ma­da por Pablo Pas­tells: “se seña­la­ran enfer­me­ros en cada pue­blo y lle­va­ran las medi­ci­nas ordi­na­rias, como son: ven­to­sas, lan­ce­tas, panos para hilar y ven­dar, sal, cuchi­llos para foguear, azu­fre, ajos, pie­dra de San Pablo, miel de abe­jas, 12 hama­cas, por lo menos, para los enfer­mos” [Pas­tells 1912, Tomo I: 287]. Além dis­so, de acor­do com Mar­tin e Val­ver­de [1985: 355] o irmão Mon­te­ne­gro “fue nom­bra­do ciru­jano de los pue­blos e San Bor­ja, San Miguel de la Can­de­la­ria y del Yta­puã en 1705”, segun­do cons­ta em docu­men­to publi­ca­do em Pas­tells [1933].

A menos docu­men­ta­da das três ati­vi­da­des que Mon­te­ne­gro des­em­penhou é, sem dúvi­da, a de “ciru­jano (chi­rur­gus)”. Sabe-se que Mon­te­ne­gro par­ti­ci­pou dos con­fli­tos deco­rren­tes da dispu­ta pela Colô­nia de Sacra­men­to entre por­tu­gue­ses e espanhóis,[35] e que

...en 1705 volvemos a tener noticias de él; esta vez en un certificado extendido por el capitán de coraceros Andrés Gómez de la Quintana, en ocasión del sitio de la Colonia del Sacramento, para cuya empresa los jesuitas armaron y condujeron un ejército de 4.000 indios guaraníes, donde venía, ‘como cirujano para curar heridos’, junto con otros religiosos, el hermano Montenegro [Bauzá 1895, Tomo I: 551].[36]

Além des­te docu­men­to ofi­cial,[37] que refe­re a sua par­ti­ci­pação como cirur­gião jun­to a uma milí­cia de sol­da­dos indí­ge­nas, algu­mas infor­mações, ape­sar de míni­mas, podem ser encon­tra­das na Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, de 1710, como se pode cons­ta­tar nes­ta pas­sa­gem em que Mon­te­ne­gro refe­re o suces­so de um pre­pa­ra­do à base da raiz de oro­zús: “Esto ten­go con más de cua­tro hecho la expe­rien­cia, que atra­ve­za­dos el pecho de lan­zas y balas,[38] en las gue­rras que me hallé, que nadie pen­sa­ba que los tales pudie­sen vivir 24 horas” [Mon­te­ne­gro 1945: 176]. Ou, então, nes­ta pas­sa­gem na qual refe­re que com­ba­teu as “cama­ras de con­ta­gio” – “dia­rreas san­gui­no­len­tas cau­sa­das pelas “muchas llu­vias; y poco abri­go, y no tener mas que car­ne, y aque­lla fla­ca” [Mon­te­ne­gro 1945: 110]. [39] – que haviam atin­gi­do os sol­da­dos com arra­yán e ara­zá, plan­tas que nas­ciam em “abun­dan­cia sobre la Colo­nia de San Gabriel” [Mon­te­ne­gro 1945: 37].[40]

Tam­bém nas reduções, Mon­te­ne­gro pare­ce ter con­vi­vi­do com situações que reque­riam mais do que os conhe­ci­men­tos pró­prios de um enfer­mei­ro ou boti­cá­rio, como esta em que um indí­ge­na teve “una dis­lo­ca­ción, con gra­ve con­tu­ción del espi­na­zo y rodi­lla de un Indio, que por reco­jer gua­bi­rás se cayó del arbol sobre pie­dras, que­dan­do alli casi muer­to”,[41] no entan­to, ele afir­ma ter reco­rri­do a um um bál­sa­mo de Yuquí­rí­peí, que “miti­gó los dolo­res, y qui­tó la infla­ma­cion en 24 horas.”[42] Em outra pas­sa­gem, Mon­te­ne­gro res­sal­ta os bene­fí­cios da uti­li­zação “del ungüen­to del Guní-ele­mí” – já refe­ri­do por Andres Alca­zar, médi­co e pro­fes­sor em Sala­man­ca, autor de livros de cirur­gia, com des­ta­que para um deles, no qual abor­da o tra­ta­men­to de feri­das na cabeça (1582)[43] –, que “es admi­ra­ble en las heri­das pene­tran­tes del pecho y ven­tre, por­que saca las mate­rias y san­gre de lo interno por la heri­da y el ardor de la lla­ga al mis­mo tiem­po” e, tam­bém, nas “que­bra­du­ras de los hue­sos y gra­ves con­tor­cio­nes oseas (…) como yo me he vali­do y me val­go de el.”[44]

O manuscrito Pojhã Ñaña, do irmão jesuíta Marcos Villodas

Sobre o autor do assim deno­mi­na­do Manus­cri­to Villo­das, sabe-se que nas­ceu em 1º de maio de 1695, em Nan­cla­res de Gam­boa, Ála­va, País Bas­co, e que era jesuí­ta des­de 1712. Villo­das che­gou a Bue­nos Aires em 1717, e entre 1724 até 1735 exer­ceu ati­vi­da­des nas “Misio­nes del Uru­guay”, sen­do que no ano de 1725 (ano da divul­gação do manus­cri­to) se encon­tra­va na redução de “Con­cep­ción”. Foi des­ti­na­do depois à cida­de de Cór­do­ba de Tucu­mán, onde este­ve enca­rre­ga­do da boti­ca até 1739. Era tido como bom cirur­gião, mas como boti­cá­rio, “se fala­va mal dele por­que além de ser mes­quinho, não sabia nada de boti­ca e tro­ca­va os remé­dios e recei­tas, segun­do dizem” [Fur­long 1947: 97]. Foi trans­fe­ri­do da boti­ca de Cór­do­ba para San­ta Fe, onde veio a fale­cer em 1741.

O manus­cri­to MS-Lon­dres ou Pojhã Ñana[45], estu­da­do por Ota­zú, está escri­to em gua­ra­ni, bas­tan­te legí­vel, enca­der­na­do em per­ga­minho moderno, que mede 19,5 x 14,5 cm, com 59 folios ou 119 pági­nas. Os títu­los se encon­tram nume­ra­dos em núme­ros ará­bi­cos, com uma seqüên­cia de f.1‑f.205, mas o manus­cri­to não con­ta com 205 recei­tas. O tex­to apre­sen­ta três seções, sen­do que a pri­mei­ra traz trin­ta tra­ta­men­tos para doe­nças, des­de dores de cabeça até varío­la; a segun­da seção, tera­pias indi­ca­das para mor­di­das de víbo­ras e pica­das de inse­tos, e tra­ta­men­tos para cer­tas afe­cções da pele, como cha­gas e feri­das deco­rren­tes de quei­ma­du­ras. É nes­ta últi­ma seção do manus­cri­to que se encon­tram indi­cações de uso de cer­tas plan­tas medi­ci­nais e ins­truções sobre seu pre­pa­ro, além de uma tabe­la inti­tu­la­da “Nom­bres de algu­nas plan­tas en gua­ra­ní y cas­te­llano”, na qual se encon­tram tam­bém orien­tações quan­to à subs­ti­tuição de uma plan­ta medi­ci­nal por outra quan­do fos­se neces­sá­rio. Em relação ao tra­ta­men­to de enfer­mi­da­des, o autor des­te manus­cri­to des­cre­ve sin­to­mas, ofe­re­ce ao seu poten­cial leitor/usuário vários pro­ce­di­men­tos tera­pêu­ti­cos,[46] indi­can­do, ain­da, tan­to a duração dos tra­ta­men­tos que deve­riam ser ado­ta­dos, quan­to os cui­da­dos que os pacien­tes deve­riam tomar, por exem­plo, em relação à ali­men­tação duran­te a con­va­les­ce­nça.[47]

O manus­cri­to, ape­sar de estar escri­to em gua­ra­ni, se carac­te­ri­za pelo empre­go reco­rren­te de cer­tos his­pa­nis­mos, o que pode ser cons­ta­ta­do no empre­go de medi­das como onça, libra e peso real e, ain­da, de ingre­dien­tes como “azu­car”, “con­ser­va”, “aguar­dien­te”, “azu­fre”; nas refe­rên­cias fei­tas a reci­pien­tes como vaso e fras­co, e, espe­cial­men­te, a ter­mos da ana­to­mia huma­na, tais como “híga­do” e “cora­zón”. É plau­sí­vel supor que Pojhã Ñana tenha sido escri­to tan­to para orien­tar enfer­mei­ros gua­ra­nis – ou àque­les indí­ge­nas que, por terem apren­di­do a ler e a escre­ver em gua­ra­ni, pode­riam vir a assu­mir esta função em algu­ma even­tua­li­da­de –, [Pera­más 2004: 77] quan­to para sub­si­diar jesuí­tas enfer­mei­ros, enca­rre­ga­dos de cui­dar de pacien­tes que fala­vam o gua­ra­ni [Ota­zú Mel­ga­re­jo 2014: 05].

Con­si­de­ran­do que este manus­cri­to foi divul­ga­do quin­ze anos depois daque­le que Pedro Mon­te­ne­gro escre­veu e que ele coin­ci­de com o ano de divul­gação do Libro de Ciru­gía, atri­buí­do tam­bém ao irmão jesuí­ta, é plau­sí­vel supor que no Pojhã Ñana, do irmão Mar­cos Villo­das, mui­tos dos diag­nós­ti­cos, de prin­cí­pios humo­ra­lis­tas,[48] das vir­tu­des medi­ci­nais de cer­tas plan­tas e a indi­cação de tra­ta­men­tos tenham sua ori­gem no “libro de medi­ci­na” escri­to em 1710. As evi­dên­cias da apro­priação de sabe­res ou da repro­dução de cer­tas recei­tas[49] pre­sen­tes na Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra podem ser cons­ta­ta­das, por exem­plo, nos pro­ce­di­men­tos tera­pêu­ti­cos indi­ca­dos para o tra­ta­men­to de “lla­gas vie­jas”, uma vez que o irmão Villo­das recomenda:

Hay varias for­mas de lla­gas vie­jas, las que afec­tan la par­te inter­na del cuer­po, otras que pro­du­cen hinchazón/inflamación en la car­ne y otras que afec­tan la piel, otras pro­du­cen peque­ños agu­je­ros en la car­ne del pacien­te, y pro­du­cen pus. (…) [Hay las] que afec­tan los ner­vios y otras que afec­tan has­ta los hue­sos. (…) si se le apli­ca el coci­mien­to del zumo de taba­co mata rapi­da­men­te todo tipo de gusa­nos de la car­ne. Y para que sea más efi­caz cocer con taba­co o vina­gre, y que se lave correc­ta­men­te el gusano de la lla­ga con orín (humano), cuan­tas veces sea nece­sa­rio. [A la par se reco­men­da emplear el zumo de jua­pe­kã como bre­ba­je] Que se le dé el siguien­te reme­dio para que trans­pi­re su cuer­po, coger once o doce raí­ces de jua­pe­kã de una pul­ga­da, diez raí­ces de taro­pe. Un puña­do de kapi’i kati, ade­más, un puña­do de car­do san­to. (…) [Deve-se] fro­tar ade­cua­da­men­te todas las razí­ces y macha­car­las. Y cocer debi­da­men­te con car­do san­to, se le aña­di­rá seis vasos de agua. Des­pués sacar del fue­go (…) y dejar repo­sar ade­cua­da­men­te el coci­mien­to duran­te la noche, reca­len­tar­lo al ama­ne­cer. Y colar para extraer el zumo, lue­go colo­car­lo en un cán­ta­ro [Ms W. L. Lon­dres f. 171, 39r en Ota­zú Mel­ga­re­jo, 2014]. [50]

Na Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, o irmão jesuí­ta Mon­te­ne­gro reco­men­da que “Para curar lla­gas de las pier­nas (…) [deve-se] Mas­car una oja de taba­co, y apli­car­la sobre las lla­gas tam­bien las cura” [Mon­te­ne­gro 1945: 415]. Quan­to ao uso medi­ci­nal do taba­co, ele obser­va:[51]

Hallanse en estas Misiones dos diversas especies de Tabaco; [el] mas fuerte y mas eficáz para el uso de medicinas, que piden ó se requieren movimiento violento (...) La yerba del Tabaco es tan alabada de los antiguos, que llegaron á llamar la yerba sagrada, otros, yerba santa. (...) Mata las lombrices y gusanos chatos, y otras cualquier sabandija que se cria en los cuerpos, por malos mantenimientos. Sus ojas secas mascadas muy bien, y aplicada[s] á las heridas, ó [p.] 350 /ó llagas sordidas y putridas, ó aquellas que ya hacen materia, las mundifica, y las cura, y lo mismo hace en las muy viejas y sucias [Montenegro 1945: 347; el resaltado me pertenece].

As vir­tu­des medi­ci­nais do taro­pé, refe­ri­das por Villo­das no Ms W. L. Lon­dres, foram tam­bém des­ta­ca­das por Mon­te­ne­gro na Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, de 1710:

El Taropé, ó contra yerba del Perú está lo mas de estas tierras muy abundante de ella, y casi todos los Indios la conocen (...) Tiene virtud potentisima contra las mordeduras de las fieras, que arrojan de si ponzoña fria, como es la vibora, culebra, aspid, ceraste, escuerzo, zapos, y semejantes. El cocimiento de dos dragmas de su raiz tomado caliente con un poco de miel de avejas, deshace los grumos de sangre estravenada en las cavidades del pecho y vientre (Montenegro, 1945: 109; el resaltado me pertenece).

Como se pode cons­ta­tar, em ambos os libros de medi­ci­na (Mate­ria Medi­ca e Pojhã Ñana) tan­to as enfer­mi­da­des, quan­to as tera­pêu­ti­cas e as plan­tas medi­ci­nas indi­ca­das por suas vir­tu­des se apro­xi­mam – e até se repe­tem – de for­ma mui­to sig­ni­fi­ca­ti­va, o que nos leva a con­si­de­rar plau­sí­vel que os manus­cri­tos que se segui­ram àque­le que ori­gi­nal­men­te Pedro Mon­te­ne­gro escre­veu, pro­cu­ra­ram repro­du­zi-las de for­ma que mis­sio­ná­rios e indí­ge­nas pudes­sem – de for­ma mais efi­cien­te – con­tor­nar os efei­tos de epi­de­mias e outras enfer­mi­da­des sobre as “nas­cen­tes cristandades”.

O Paraguay Natural Ilustrado do padre jesuíta José Sánchez Labrador

O últi­mo manus­cri­to que ana­li­sa­mos é o Para­guay Natu­ral Ilus­tra­do,[52] que foi escri­to pelo padre José Sán­chez Labra­dor, entre 1771–1776, duran­te seu exí­lio em Rave­na, na Itá­lia, por­tan­to, após a expul­são da Com­panhia de Jesus dos domí­nios colo­niais ibé­ri­cos. O manus­cri­to ori­gi­nal encon­tra-se sob a guar­da do Arqui­vo Romano da Socie­da­de de Jesus (ARSI), em Roma,[53] se sub­di­vi­de em seis tomos – per­fa­zen­do um total de 1.852 pági­nas –, que reúnem infor­mações sobre geo­gra­fia, geo­lo­gia, zoo­lo­gia e botâ­ni­ca[54] da vas­ta região que com­preen­dia a Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Paraguay.

José Sán­chez Labra­dor nas­ceu em La Guar­dia, cida­de de La Man­cha, no dia 19 de setem­bro de 1714 ou 1717. Ingres­sou na Com­panhia de Jesus em 5 de outu­bro de 1731, de acor­do com Ruiz Moreno [1948], ou em 19 de setem­bro de 1732, segun­do Sainz Olle­ro [1989]. Ini­ciou seus estu­dos de Filo­so­fia no Colé­gio de Valla­do­lid, inter­rom­pen­do-os para via­jar ao Rio da Pra­ta em 1734, acom­panhan­do o Padre Anto­nio Macho­ni. De 1734 a 1739, estu­dou Filo­so­fia e Teo­lo­gia na Uni­ver­si­da­de de Cór­do­ba, con­cluin­do sua for­mação no verão de 1739. Entre os anos de 1741 e 1744, atuou como pro­fes­sor na mes­ma cida­de, dedi­can­do-se, con­co­mi­tan­te­men­te, aos estu­dos de His­tó­ria Natural.

Assim, como mui­tos outros padres e irmãos jesuí­tas que o pre­ce­de­ram nas terras de mis­são ame­ri­ca­nas, Sán­chez Labra­dor não dedi­cou-se, exclu­si­va­men­te, à con­ver­são dos indí­ge­nas, mas tam­bém ao estu­do da fau­na e da flo­ra ame­ri­ca­na que obser­vou nas diver­sas regiões da Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Para­guai em que atuou como mis­sio­ná­rio. De acor­do com alguns de seus bió­gra­fos, entre 1747 e 1757, o padre jesuí­ta atuou jun­to às reduções de San Fran­cis­co Xavier, San­ta Maria la Mayor, La Cruz, San­to Tho­mé e San José.[55] A par­tir de 1757, pas­sou a atuar em Após­to­les (San­tos Após­to­los ou Após­to­los São Pedro e São Pablo), ten­do como com­panhei­ros os padres Loren­zo Ovan­do e Segis­mun­do Asper­ger, este últi­mo, reconhe­ci­do por sua atuação como médi­co e boti­cá­rio. Sabe-se que, dois anos depois, lecio­nou Teo­lo­gia no Colé­gio de Assu­nção, e que no ano seguin­te (1760), mis­sio­nou entre índios Mba­yás, Gua­nas e Gua­ra­nis, que, mais tar­de, for­ma­riam a redução de Nues­tra Seño­ra de Belén.

Em seu com­pên­dio da flo­ra ame­ri­ca­na, cons­ta­ta­mos o empre­go de cri­té­rios de clas­si­fi­cação pró­prios da botâ­ni­ca, tais como taxo­no­mia, mor­fo­lo­gia, ana­to­mia e, tam­bém, aspec­tos etno­bo­tâ­ni­cos e rela­ti­vos aos tra­tos cul­tu­rais, que, até o momen­to, eram tra­ta­dos iso­la­da­men­te por outros cien­tis­tas. Isto fica evi­den­te na afir­mação que ele faz na aber­tu­ra do Tomo de Botânica:

...no se trata qui de dar una Notícia ayuna, y enxuta de las Plantas del Paraguay, sino, en quanto se há podido, formar una Botanica de las que produce este País, considerado hasta ahora con casi, ningun cuidado, e empeno (...) Muchos auctores restringen la Botanica à solo el conocimiento de las Classes, Generos, y Especies de las Plantas; à su exterior forma, y la descripción de todas sus partes. Estoy de acuerdo, que su objeto comprehenda todo el Reyno de los vegetables, em todo sus estados, en todos sus usos, y em todos sus respectos [Sánchez Labrador 1772: Tomo II, Introdução, f. num. I].

Cada plan­ta des­cri­ta por Labra­dor está pre­ce­di­da por des­crições mor­fo­ló­gi­cas e eco­ló­gi­cas, segui­das por infor­mações sobre sua uti­li­da­de, além do seu méto­do de obte­nção e cul­ti­vo. Ao lon­go des­te Tomo, o jesuí­ta apre­sen­ta uma série de adver­tên­cias, obje­ti­van­do o êxi­to na bus­ca e no empre­go de deter­mi­na­do vege­tal. Den­tre as plan­tas apre­sen­ta­das, se encon­tra o cupay (Copai­fe­ra sp.), nome ver­nácu­lo atri­buí­do a diver­sas espé­cies nati­vas, pro­du­to­ras de óleos essen­ciais tera­pêu­ti­cos, que foram empre­ga­das nas reduções jesuí­ti­cas na pre­pa­ração de diver­sos bál­sa­mos, úteis no tra­ta­men­to tan­to de lesões exter­nas, quan­to da varíola.

Para além das vir­tu­des medi­ci­nais das plan­tas, padre Sán­chez Labra­dor tam­bém sis­te­ma­ti­zou as pro­prie­da­des tera­pêu­ti­cas das pedras bezoa­res.[56] O pri­mei­ro Livro da Ter­cei­ra Par­te da obra, inti­tu­la­do Ani­mais qua­drú­pe­des, con­ta com um capí­tu­lo [o séti­mo, inti­tu­la­do De las Pie­dras Beza­res], que tra­ta, espe­ci­fi­ca­men­te, das ori­gens dos bezoa­res, das fal­si­fi­cações, das espé­cies exis­ten­tes, de suas vir­tu­des e de outros tipos des­sas pedras. Vale obser­var que ao lon­go do quin­to capí­tu­lo do ter­cei­ro Livro da Segun­da Par­te do Para­guay Natu­ral Ilus­tra­do, inti­tu­la­do Los Arbo­les en Par­ti­cu­lar, o jesuí­ta tam­bém faz refe­rên­cias às vir­tu­des medi­ci­nais das pedras bezoa­res e a sua uti­li­zação tan­to por euro­peus e orien­tais, quan­to pelos indí­ge­nas da Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Para­guai. Nes­tes dois capí­tu­los, o jesuí­ta res­sal­ta que tan­to o bezoar oci­den­tal, quan­to o bezoar orien­tal pos­suíam suas vir­tu­des rela­cio­na­das com a quan­ti­da­de de sal volá­til alca­lino e sul­fú­reo que con­tinham, sen­do tam­bém bas­tan­te oleo­sos e con­tri­buin­do para a lim­pe­za dos áci­dos do cor­po. Por pos­suí­rem estas pro­prie­da­des, os bezoa­res seriam dia­fo­ré­ti­cos, pro­vo­ca­riam o suor, sen­do bons con­tra os vene­nos, dis­si­pan­do as ver­ti­gens da cabeça e as pal­pi­tações do coração, e matan­do as lom­bri­gas.[57]

Padre Labra­dor dedi­cou-se, ain­da, às vir­tu­des medi­ci­nais dos inse­tos, apre­sen­tan­do seus empre­gos pelos gru­pos indí­ge­nas com os quais con­ta­tou na con­dição de mis­sio­ná­rio. É no Ter­cei­ro Livro da Quar­ta Par­te da obra que o autor tra­ta d “Os Inse­tos”, sen­do que no últi­mo capí­tu­lo, abor­da a uti­li­da­de dos inse­tos na Medi­ci­na, den­tre os quais se encon­tram os escor­piões, as aranhas, os per­ce­ve­jos, os besou­ros, os gri­los, as for­mi­gas, as mos­cas, os piolhos e as san­gues­su­gas.[58] Inter­es­san­te obser­var que na docu­men­tação jesuí­ti­ca são reco­rren­tes as menções a aci­den­tes com ani­mais vene­no­sos, como ser­pen­tes, escor­piões e aranhas, que podem ser atri­buí­das tan­to ao ambien­te natu­ral em que as reduções se esta­be­le­ce­ram, quan­to a des­or­dens cli­má­ti­cas, tais como secas ou enchen­tes, que podem ter favo­re­ci­do a sua pro­li­fe­ração ou des­lo­ca­men­to para outras regiões. A pro­pó­si­to, den­tre as plan­tas que o irmão Pedro Mon­te­ne­gro refe­re para uso espe­cí­fi­co em aci­den­tes com ani­mais peçonhen­tos, está o “taro­pé”, popu­lar­men­te conhe­ci­da como “figuei­rilha”, per­ten­cen­te à espé­cie Dors­te­nia bra­si­lien­sis Lam., e que, em tra­balhos atuais, é refe­ri­da por suas pro­prie­da­des anti­ofí­di­cas, dia­fo­ré­ti­cas e antifebris.

Segun­do Sán­chez Labra­dor, algu­mas regiões da Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Para­guai, como a do Cha­co, apre­sen­ta­vam cli­ma mui­to quen­te e úmi­do, por­tan­to, bas­tan­te pro­pí­cio para a pro­li­fe­ração de inse­tos. Estes “peque­ños vivien­tes” esta­vam, segun­do ele, pre­sen­tes na água, no ar e na terra, ador­na­dos ou não com asas, pos­suin­do sem­pre uma sime­tria em seu todo, razão pela qual suas par­tes demons­tra­riam a sabe­do­ria do Auc­tor, numa refe­rên­cia ao Cria­dor. O jesuí­ta clas­si­fi­ca os inse­tos por famí­lias, dis­tri­buin­do-as entre os que voam, os que se arras­tam ou os que pare­cem que se arras­tam. Entre essas famí­lias exis­tiam, segun­do ele, dis­ti­nções quan­to aos cor­pos dos inse­tos, que pode­riam se cons­ti­tuir de anéis, nós, pla­cas e outras divi­sões. Afir­ma, ain­da, que os inse­tos, dife­ren­te­men­te de outros ani­mais, não tinham reconhe­ci­das suas vir­tu­des tera­pêu­ti­cas, por­que os médi­cos depre­cia­vam estes “ani­ma­li­llos” por seu tamanho.[59]

Além das enfer­mi­da­des para as quais eles seriam efi­cien­tes, o jesuí­ta se detém nas for­mas de pre­pa­ro des­tes inse­tos para que fos­sem inge­ri­dos como medi­ca­men­tos. Cabe res­sal­tar que as indi­cações fei­tas pelo jesuí­ta Sán­chez Labra­dor, assim como as fei­tas por outros homens de ciên­cia do perío­do, tan­to na Euro­pa, quan­to na Amé­ri­ca, levam em con­si­de­ração os pres­su­pos­tos da teo­ria humo­ra­lis­ta hipo­crá­ti­co-galê­ni­ca[60], segun­do a qual a saú­de era asse­gu­ra­da pelo equi­lí­brio entre os humo­res que com­punham o cor­po humano. Per­ce­be-se que Sán­chez Labra­dor fun­da­men­ta o empre­go tera­pêu­ti­co de cer­tos inse­tos a par­tir de pres­su­pos­tos da teo­ria humo­ra­lis­ta, na medi­da em que o empre­go da medi­ci­na dos con­trá­rios – o uso de con­tra­ve­ne­nos – leva o enfer­mo a expe­lir os exces­sos dos humo­res em des­equi­lí­brio, atra­vés do san­gue, das fezes, da uri­na, do vômi­to e de demais for­mas de excreção. A apro­priação da teo­ria hipo­crá­ti­co-galê­ni­ca fica tam­bém evi­den­cia­da em várias outras pas­sa­gens, como na refe­rên­cia que o jesuí­ta faz à náu­sea pro­vo­ca­da pela inges­tão de piolhos, que con­sis­ti­ria, segun­do ele, jus­ta­men­te, na manei­ra de o cor­po eli­mi­nar a febre.

Como se pôde cons­ta­tar, pra­ti­ca­men­te todos os inse­tos eram tos­ta­dos, moí­dos ou seca­dos com o intui­to de serem redu­zi­dos a pó. Este pó podia, pos­te­rior­men­te, ser inge­ri­do com algu­ma água ou “licor con­ve­nien­te”, sen­do mis­tu­ra­do ou cozi­do com vinho ou chi­cha ou, até mes­mo, infun­di­do em algum azei­te. O padre jesuí­ta rela­ta alguns outros curio­sos usos de inse­tos, tais como o das abelhas, mos­cas e mos­qui­tos como medi­ca­men­to con­tra a cal­ví­cie, e o do carra­pa­to para que o cabe­lo caís­se. Há, ain­da, o regis­tro do uso das ante­nas do besou­ro em par­tos difí­ceis, mas sem o detalha­men­to dos modos de pre­pa­ro, e o empre­go da cocho­nilha de gra­na por uma mulher que, mui­to adoen­ta­da e, que­ren­do con­fes­sar-se, não mais con­se­guia falar. Nes­te caso, um pedaço da gra­na foi diluí­do em vinho morno, colo­ca­do em uma colher e inse­ri­do na boca da enfer­ma, com gran­des resultados.

Cer­ca de doze den­tre os vin­te e um inse­tos con­tem­pla­dos pelo jesuí­ta pos­suem sal volá­til, enquan­to onze con­têm óleo. De for­ma geral, qua­se todos que pos­suem sal volá­til e óleo são diu­ré­ti­cos e/ou dia­fo­ré­ti­cos, sen­do que as doe­nças mais fre­quen­tes se rela­cio­nam com a rete­nção de uri­na ou a pedras nos rins e/ou na bexi­ga. Esta cons­ta­tação, que pre­ci­sa ser estu­da­da mais deti­da­men­te, pare­ce apon­tar para a alta inci­dên­cia des­tas enfer­mi­da­des entre os gru­pos indí­ge­nas con­ta­ta­dos ou obser­va­dos pelo mis­sio­ná­rio jesuí­ta, e que podem estar rela­cio­na­das com muda­nças nos hábi­tos ali­men­ta­res, mais espe­ci­fi­ca­men­te, do con­su­mo de sal ou de açú­car, após a inten­si­fi­cação do con­ta­to com os euro­peus[61].

É impor­tan­te lem­brar que, ao lon­go das mais de tre­zen­tos e seten­ta pági­nas des­te livro, Sán­chez Labra­dor reco­rre a vários auto­res euro­peus para legi­ti­mar suas afir­mações e des­crições das indi­cações tera­pêu­ti­cas e modos de pre­pa­ro dos inse­tos. Aliás, fica bas­tan­te evi­den­te que Sán­chez Labra­dor se valeu tan­to de suas pró­prias obser­vações, a par­tir de expe­dições que rea­li­za­va pela região pla­ti­na, acom­panha­do de indí­ge­nas, quan­to atra­vés de obras auto­res clás­si­cos e con­tem­po­râ­neos, mui­tas delas, redi­gi­das por outros jesuí­tas, como os padres Alon­so de Ova­lle (1601–1651) e Atha­na­sius Kir­cher SJ. (1601–1680),[62] ou por cien­tis­tas lei­gos, com os quais esta­be­le­ce­rá um inter­es­san­te diá­lo­go, tais como os médi­cos Cas­pard Bauhin (1560–1624), Robert James (1703–1773), Nico­lás Lemery (1645–1715), Este­ban Geof­froy[63] (1672–1731), Jac­ques-Cris­tophe de Boma­re (1731–1807), Mar­cial[64] (38/40 d.C.-?), Dios­có­ri­des[65] (40 d.C.-90 d.C.), Mar­tin Lis­ter (1638–1712), Johann Schrö­der[66] (1600–1664) e Cláu­dio Galeno[67] (129–199/217 d.C.).

A refe­rên­cia a Galeno pode ser encon­tra­da na pas­sa­gem em que refe­re a uti­li­zação de “agua des­ti­la­da de Mos­cas (…) con­tra los males de los ojos; para ser­vir­se de ella la mez­clan con una yema de hue­bo, y for­man emplas­to. Galeno aprue­ba este remé­dio”.[68] Ao tra­tar das pro­prie­da­des tera­pêu­ti­cas do mel das abelhas, Labra­dor dei­xa bas­tan­te evi­den­tes as lei­tu­ras que reali­zou e os auto­res nos quais se basea­va: “Otras vir­tu­des exce­len­tes dela Miel podrán leer­se en las Phar­ma­co­peas Matri­ten­se, de Lemery, Pala­cios, James, etc.”[69] Mas, ao refe­rir-se à cera de abelha, o jesuí­ta demons­tra não somen­te conhe­cer a obra de Lemery, como mani­fes­ta sua dis­cor­dân­cia em relação ao já afir­ma­do por ele:

Lemery juzga, que no hay mas cera virgen, que la que en las colmenas se llama propolis, y en Guarani Eybora; que es una especie de Matice dorado, o rubicundo, el qual contiene mucho oleo, y poca sal volátil acida. Es error este de Lemery, y solo impropriamente puede la Propolis llamarse Cera Virgen.[70]

Em outra pas­sa­gem, que tra­ta, espe­ci­fi­ca­men­te, das san­gues­su­gas, o jesuí­ta irá res­sal­tar as acer­ta­das reco­men­dações fei­tas pelo mes­mo Lemery:

Para aplicar las sanguijuelas son necessarias algunas precauciones, que podran verse en el Diccionario de Drogas Simples de Lemery. Este Auctor enseña, que si por casualidad, bebiendo agua, se trago alguna sanguijuela, luego o se beba agua salada en abundancia, porque con ella desiste este insecto de atormentar; y que después se purgue con Mercurio dulce, u otra composición Mercurial.[71]

O diá­lo­go que Labra­dor man­tinha com as con­ce­pções e obras de outros homens de ciên­cia da Com­panhia de Jesus fica ates­ta­do nes­ta pas­sa­gem, na qual faz refe­rên­cia aos escor­piões, men­cio­nan­do que “Cree el P. Kir­cher que los Ala­cra­nes atrahen el veneno por cier­ta vir­tud mag­né­ti­ca; pero Hoff­mann /in Medic. Rat. Syst. tom. P. 2. Cap. 2. §. 27. lo tie­ne por fabu­la, que atrai­ga por mag­ne­tis­mo.”[72]

Para abor­dar as pro­prie­da­des tera­pêu­ti­cas de aranhas e de suas teias, Sán­chez Labra­dor reco­rre aos tra­balhos tan­to de Mar­tin Lis­ter, quan­to de Robert James, como se pode cons­ta­tar nas pas­sa­gens que des­ta­ca­mos. Em relação ao pri­mei­ro autor, o jesuí­ta afir­ma que em seu “/Tractat. De Araneís/ [Lis­ter] las atri­bu­ye muchas facul­ta­des medi­ci­na­les; pero se desean bue­nas prue­bas, fun­da­das en expe­riên­cias.”[73] Na refe­rên­cia que faz ao segun­do, Labra­dor não ape­nas reco­rre a James para legi­ti­mar as vir­tu­des e o mais ade­qua­do pro­ce­di­men­to tera­pêu­ti­co, como para refo­rçar sua efi­cá­cia a par­tir de expe­riên­cias bem suce­di­das e de regis­tros que a comprovam:

James escribe que se ha de tomar una vez una hora antes que venga el paroxismo; y otra vez quando ya esta próximo a venir. Dice, que le informaron, que los indianos en la Carolina Septentrional, tiene grande confianza en este remedio para el dicho mal, a que están muy expuestos. Añade, que un amigo suyo, que había estado muchos anos en aquellas tierras, le asseguro, que el mismo había sanado de aquel mal con la tela de Araña. Concluye James, y de hecho, la experiencia misma confirma la eficacia de este remedio para sanar las calenturas, que vienen con frío.[74]

Este recur­so narra­ti­vo de legi­ti­mação pode ser tam­bém obser­va­do em outras duas situações, nas quais, ao refe­rir-se à cocho­ni­lla, o jesuí­ta res­pal­da suas des­crições em auto­res como Geof­froy, Schrö­der e Lemery:

Geoffroy dice, que se usa la cochonilla para todos aquellos fines, a los quales sirve el Chermes. (...) En los Pasmos delas Quixadas, en que estas se aprietan de modo que se cierra fuertemente la boca, son excelentissimo, y prompto remedio, cogese un pedacito de Grana, (que es la substancia de los Gusanos) como una Almendra; desliese en vino; abrese la boca del enfermo con algún palito, y se le hecha en ella la dicha infusión algo tíbia con una cuchara: luego sele desetan los nervios, y habla. Practique este remedio en una ocasión, que llamado a confessar una enferma en la ciudad de Buenos Ayres, la encontré con el referido Pasmo. Pudo por este medio confessarse a satisfacción. De otras virtudes dela Grana, vease Schroder en el Libr. citad. Geoffroy. Lemery.[75]

Schrö­der será nova­men­te men­cio­na­do na des­crição que Labra­dor faz das vir­tu­des medi­ci­nais dos besou­ros: “Dice Schro­der, que el acey­te hecho de la infu­sión de estos insec­tos, pues­to en el oído, o ins­ti­la­do en la ore­ja, qui­ta los dolo­res de los oídos, yla sor­de­ra”.[76] Mas esta não será a úni­ca for­ma de pre­pa­ro dos esca­ra­ba­jos , uma vez que Labra­dor irá des­ta­car tam­bém “El modo mejor de hacer­los pol­vo, segun Hart­man­nes, es este: meter algu­nos esca­ra­ba­jos en un vaso de tie­rra; tapar­le bien, y poner­le al sol a secar; des­pués moer­los has­ta que­den pol­vo”.[77] Refe­rin­do-se uti­li­zação tera­pêu­ti­ca de piolhos, Labra­dor des­cre­ve e, ao mes­mo tem­po, des­acre­di­ta uma das prá­ti­cas ado­ta­das, afir­man­do que “En quan­to a el uso externo, sir­ven para los Ninõs [os indios], que pade­cen supres­sión de ori­na: sue­len poner vivo un Pio­jo en el Cañon­ci­to, que con la titi­la­ción se ensan­cha, y da lugar a que la ori­na sal­ga. Schro­der no aprue­ba esto”.[78] Por outro lado, res­sal­ta a efi­cá­cia de outra for­ma de uti­li­zá-los, sobre­tu­do, por asse­gu­rar, em uma pers­pec­ti­va humo­ra­lis­ta, a reto­ma­da do equi­lí­brio: “Den­se­le al enfer­mo al prin­ci­pio del paro­xis­mo cin­co, o seis, y que los tra­gue, o mas o menos, según se juz­ga­re con­ve­nien­te. Nota muy bien Lemery, que por ven­tu­ra al asco, y nau­sea, que sien­te el pacien­te al tomar­los, con­du­ce para expe­ler la calen­tu­ra mas, que el mis­mo reme­dio.”[79]

Por sua con­dição de autor eru­di­to, o jesuí­ta Sán­chez Labra­dor pro­du­ziu uma obra em que fica, por­tan­to, evi­den­te a “neces­si­da­de de um comen­tá­rio auto­ri­za­do da par­te de quem é sufi­cien­te­men­te ‘sábio’ ou pro­fun­do” [De Cer­teau 1982: 82]. Entre­tan­to, o que cha­ma a ate­nção, espe­ci­fi­ca­men­te, nes­te livro do Para­guay Natu­ral, não são as reco­rren­tes remis­sões e evo­cações aos conhe­ci­men­tos de auto­ri­da­des reconhe­ci­das, mas as menções que Labra­dor faz às con­tri­buições de outros sujei­tos, no caso, os indí­ge­nas, a quem deno­mi­na de “inte­li­gen­tes” e “sábios” em algu­mas situações. Em uma das des­crições sobre a uti­li­zação tera­pêu­ti­ca de gri­los (qui­yu, em gua­ra­ni) encon­tra­mos menção aos indí­ge­nas que Labra­dor deno­mi­na de “inte­li­gen­tes”, os quais atua­vam, segun­do ele, como curan­dei­ros:[80]

En el Paraguay un inteligente los preparaba, como ya digo. Cocía levemente unos Grillos, les sacaba las tripas, molía lo demás; y estos polvos daba en licor conveniente alos que padecían dela orina: fluía esta, y quedaba aliviado el paciente. Otro tostaba dos Grillos en una cazuela de barro, los molia; yen un poco de vino, o de agua bien cocida, o de Chicha (Aloxa) de Maiz los daba a beber al enfermo, que padecia dela retención de la orina; obraba luego el buen efecto. Por el contrario si la enfermedad era de demasiado fluxo de orina, le daba al enfermo un solo Grillo sin tostar, machacado, yen infusión de un poco de agua tíbia.[81]

Labra­dor tam­bém des­cre­ve outra prá­ti­ca de uti­li­zação dos qui­yus, que pare­ce ter sido bas­tan­te comum entre os indí­ge­nas. Os gri­los, segun­do o jesuí­ta, deve­riam ser enfia­dos ain­da vivos “en un pali­to, como assa­dor; tues­ta­los al fue­go, y ya tos­ta­dos mue­le­los en un poco de vino calien­te: este vino mez­cla­do con los Pol­vos de los Qui­yus, daras al indio, o india, que pade­cie­re la reten­ción de ori­na, y esta poco a poco flui­rá con feliz suc­ce­so”.[82] Em outra oca­sião, ele afir­ma que pre­sen­ciou dois “inte­li­gen­tes” e “sábios” indí­ge­nas pre­pa­ran­do gri­los, com o pro­pó­si­to de curar um índio que se encon­tra­va enfer­mo, e que o pro­ce­di­men­to teve resul­ta­dos positivos.

Essa prá­ti­ca de nomeação ou adje­ti­vação dos indí­ge­nas traz con­si­go um cará­ter de dis­ti­nção, na medi­da em que não são iguais aos cien­tis­tas euro­peus, mas se dife­ren­ciam dos demais indí­ge­nas. Fra­nçois Har­tog expli­ca que a nomeação do outro faz par­te do pro­ces­so da retó­ri­ca da alte­ri­da­de e envol­ve, prin­ci­pal­men­te, a clas­si­fi­cação des­te outro, que seria essen­cial, pois “clas­si­fi­can­do o outro, clas­si­fi­co-me a mim mes­mo e tudo se pas­sa como se a tra­dução se fizes­se sem­pre na esfe­ra da ver­são” [Har­tog 1999: 259]. É impor­tan­te con­si­de­rar, ain­da, que a dis­ti­nção que Sán­chez Labra­dor fez entre indí­ge­nas “’más racio­na­les’ y ‘menos racio­na­les’” se baseou no uso que estes faziam das espé­cies vege­tais como medi­ca­men­tos, por­que para “él la medi­da de la lógi­ca se daba en rela­ción con el acer­ca­mien­to al mun­do natu­ral, uti­li­zan­do y apro­ve­chan­do sus ven­ta­jas, a la vez que se des­pre­cia­ba lo sobre­na­tu­ral (el sha­ma­nis­mo, la magia, en suma), prue­ba cla­ra de irra­cio­na­li­dad” [Di Lis­cia 2002: 40].

Considerações Finais

Tra­balhos recen­tes têm apon­ta­do tan­to para a pre­mis­sa de que irmãos e padres da Com­panhia atua­ram deci­si­va­men­te na implan­tação de uma cul­tu­ra cien­tí­fi­ca nas terras de mis­são ame­ri­ca­nas, quan­to para aque­la que des­ta­ca a indis­cu­tí­vel con­tri­buição dos indí­ge­nas para este conhe­ci­men­to cien­tí­fi­co, que viria a ser difun­di­do atra­vés da efi­cien­te “rede de agen­tes da Com­panhia” enca­rre­ga­da de pro­mo­ver sua cir­cu­lação entre os colé­gios jesuí­ti­cos da Amé­ri­ca e os da Euro­pa [Millo­nes Figue­roa; Ledes­ma 2005: 28].

Para a dou­to­ra em Far­má­cia Sabi­ne Anag­nos­tou [2011], se a his­tó­ria natu­ral e a far­má­cia mis­sio­nei­ra podem ser con­si­de­ra­das como “as duas face­tas prin­ci­pais do natu­ra­lis­mo jesuí­ti­co na Amé­ri­ca do Sul”, por outro, não devem ser per­ce­bi­das como “pre­cur­so­ras defi­cien­tes das ciên­cias atuais ou como cópias insu­fi­cien­tes dos mode­los euro­peus, mas como for­mas inde­pen­den­tes e sin­gu­la­res da his­tó­ria da ciên­cia” [Anag­nos­tou in: Wil­de 2011: 175]. Esta sin­gu­la­ri­da­de, segun­do ela, fica evi­den­cia­da na “expe­ri­men­tação e na incor­po­ração do saber etno­far­ma­cêu­ti­co indí­ge­na”, que deco­rreu da “posição rela­ti­va­men­te impar­cial e aber­ta dos jesuí­tas fren­te aos indí­ge­nas, basea­da na espi­ri­tua­li­da­de inacia­na”, que pos­si­bi­li­tou “um inter­câm­bio inten­so e per­sis­ten­te no cam­po da medi­ci­na” [Anag­nos­tou in: Wil­de 2011: 190].

A Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra e o Libro de Ciru­gía, do irmão jesuí­ta Pedro Mon­te­ne­gro, mais do que com­pro­var “sus afic­cio­nes des­de niño y su estu­dio favo­ri­tola vir­tud de las plan­tas para curar­se con ellas y a sus pro­ji­mos” – e o “inge­nio” e a eru­dição e do jovem gale­go for­ma­do no Hos­pi­tal de Madri, nos reve­lam um Mon­te­ne­gro pen­sa­dor – um “autor de Boti­ca” – que põe à pro­va os conhe­ci­men­tos dos auto­res clás­si­cos “por la espe­rien­cia” e que inves­te “el tiem­po abe­ri­guan­do poco a poco las vir­tu­des [das plan­tas], não limi­tan­do-se à com­pi­lação de vir­tu­des, recei­tas e pro­ce­di­men­tos tera­pêu­ti­cos divul­ga­dos nos tra­ta­dos que ele tão bem conhe­cia. Con­dição que, aliás, o levou a afir­mar que as plan­tas que havia des­cri­to não se encon­tra­vam “en nin­guno de los her­ba­rios escri­to­res, ni tam­po­co en nin­gu­na otra par­te” [Mon­te­ne­gro 1945: 264].

Em outro momen­to, em espe­cial na Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, o irmão jesuí­ta, cons­cien­te das impli­cações das posições auto­rais que assu­miu, che­gou a ante­ver as crí­ti­cas que seriam fei­tas a “este pobre igno­ran­te [que] quie­ra ir con­tra las reglas de un Dios Cori­des, Mathio­lo, y Lagu­na, y otros muchos q.e en esta facul­tad han escri­to” [Mon­te­ne­gro 1945: Modo de Reco­jer), reco­men­dan­do que as recei­tas por ele indi­ca­das fos­sem sem­pre admi­nis­tra­das “en la for­ma que digo, y con las cir­cuns­tan­cias que pide la medi­ci­na” [Mon­te­ne­gro 1945: Prefácio].

O Manus­cri­to MS W. L. Lon­dres, ou Manus­cri­to Villo­das, dife­ren­te­men­te dos dois escri­tos pelo irmão Mon­te­ne­gro e do que foi ela­bo­ra­do pelo padre Sán­chez Labra­dor duran­te o exí­lio na Euro­pa, foi redi­gi­do qua­se intei­ra­men­te em gua­ra­ni, reco­rren­do a “el hablar coti­diano de los autóc­to­nos”. Para além de seu inedi­tis­mo e des­ta dis­ti­nção, o “manual de enfer­me­da­des y sus res­pec­ti­vas for­mas de curar”, não se detém na expli­cação das vir­tu­des das plan­tas, na indi­cação de cer­tos pro­ce­di­men­tos tera­pêu­ti­cos, na pre­pa­ração e na duração da admi­nis­tração dos remé­dios – como oco­rria nos demais manus­cri­tos da épo­ca escri­tos em cas­telhano –, pri­vi­le­gian­do a des­crição detalha­da dos sin­to­mas das doe­nças, o que pare­ce acen­tua sua fina­li­da­de prá­ti­ca e o tor­nar bas­tan­te sin­gu­lar [Ota­zú Mel­ga­re­jo 2014: 3–4].

Quan­to aos regis­tros que o padre jesuí­ta Labra­dor fez dos sabe­res e das prá­ti­cas cura­ti­vas indí­ge­nas no Para­guay Natu­ral Ilus­tra­do – com des­ta­que para o empre­go de plan­tas, pedras bezoa­res e de inse­tos – estes, segu­ra­men­te, leva­ram em con­ta tan­to as obras que con­sul­tou na biblio­te­ca do Colé­gio de Valla­do­lid e, pos­te­rior­men­te, na do Colé­gio de Cór­do­ba, quan­to o diá­lo­go que esta­be­le­ceu com outros homens de ciên­cia – duran­te seu exí­lio em Rave­na, na Itá­lia – perío­do duran­te o qual dedi­cou-se à sis­te­ma­ti­zação das infor­mações levan­ta­das na Amé­ri­ca e à escri­ta do Para­guay Cató­li­co e do Para­guay Natu­ral. Sán­chez Labra­dor, con­tu­do, esta­be­le­ceu con­tí­nuas relações e com­pa­rações entre as prá­ti­cas cura­ti­vas indí­ge­nas e as euro­peias, fun­da­men­tan­do suas obser­vações no conhe­ci­men­to divul­ga­do por auto­ri­da­des em Medi­ci­na e Far­má­cia. Em algu­mas situações, con­tu­do, ele con­tes­tou cer­tas con­ce­pções euro­peias, con­tra­pon­do-as às obser­vações e as expe­riên­cias que reali­zou duran­te o perío­do de sua atuação como mis­sio­ná­rio jun­to aos indí­ge­nas da região pla­ti­na. Sua narra­ti­va pare­ce, por­tan­to, sobre­por e mes­clar as expe­riên­cias que viven­ciou na Amé­ri­ca àque­las pró­prias de seu perío­do de for­mação na Euro­pa e, ain­da, às que vive­rá duran­te o exí­lio na Itália.

Como pro­cu­ra­mos evi­den­ciar nes­te arti­go, tan­to as tra­je­tó­rias dos irmãos jesuí­tas Pedro Mon­te­ne­gro e Mar­cos Villo­das e do padre José Sán­chez Labra­dor, quan­to os libros de medi­ci­na que pro­du­zi­ram na pri­mei­ra meta­de do Sete­cen­tos pare­cem, efe­ti­va­men­te, com­pro­var a exis­tên­cia de uma “escri­tu­ra limi­nal” e de uma “epis­te­mo­lo­gia prác­ti­ca”, aque­la que se impôs nas zonas peri­fé­ri­cas dos impé­rios ibé­ri­cos, e que se tra­du­ziu em “com­ple­jos pro­ce­sos de rede­fi­ni­ción del suje­to”, resul­tan­tes das ten­sões pró­prias da expe­riên­cia mis­sio­ne­ra de “repre­sen­tan­tes del orden letra­do en las fron­te­ras” [Del Valle 2009: 13].

 Referências

* Dou­to­ra em His­tó­ria pela PUCRS (Por­to Ale­gre, RS, Bra­sil). Pro­fes­so­ra Titu­lar da Gra­duação e pes­qui­sa­do­ra do Pro­gra­ma de Pós-Gra­duação em His­tó­ria da UNISINOS (Uni­ver­si­dad de Vale do Rio dos Sinos, Bra­sil) e inte­gran­te dos Gru­pos de Pes­qui­sa-CNPq “Jesuí­tas nas Amé­ri­cas” e “Ima­gens da Mor­te: a mor­te e o morrer no mun­do ibe­ro-ame­ri­cano”. Correio ele­trô­ni­co: ecdfleck@terra.com.br

[1] Este arti­go reto­ma aná­li­ses já des­en­vol­vi­das ante­rior­men­te em Fleck 2014, 2015 e 2016, tra­zen­do con­tri­buição sig­ni­fi­ca­ti­va à temá­ti­ca do pre­sen­te dos­siê, ao abor­dar evi­dên­cias de apro­priação e cir­cu­lação de sabe­res e prá­ti­cas de cura na Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Para­guay, a par­tir da aná­li­se de três libros de medi­ci­na e de uma obra de His­tó­ria Natu­ral que foram escri­tos por jesuí­tas no sécu­lo XVIII.

[2] Para Miguel de Asúa, “hay sufi­cien­tes ele­men­tos para con­cluir que (…) ya des­de la épo­ca de los jesui­tas (antes de su expul­sión en 1767) hubo en el Río de la Pla­ta epi­so­dios y per­so­na­jes ‘moder­ni­za­do­res’ (…) en las misio­nes se des­ple­ga­ba una inter­es­san­te acti­vi­dad cien­tí­fi­ca como lo demues­tran los casos del astró­no­mo Bue­na­ven­tu­ra Suá­rez (…) y los auto­res de las ‘his­to­rias natu­ra­les jesui­tas del Nue­vo Mun­do’ o los manus­cri­tos de mate­ria medi­ca. Hace bas­tan­te que ven­go argu­men­tan­do que a media­dos del siglo XVIII el fren­te más avan­za­do de la cien­cia en el Río de la Pla­ta se ubi­có en las misio­nes del Para­guay his­tó­ri­co.” [Asúa 2010: 192–193].

[3] Bea­triz Hele­na Domin­gues afir­ma que os jesuí­tas assi­mi­la­ram “algu­mas ideias caras à Ilus­tração – ain­da que [de for­ma] sele­ti­va e cató­li­ca”, razão pela qual se deve rela­ti­vi­zar a “abor­da­gem tra­di­cio­nal que atri­buiu à Com­panhia de Jesus uma visão retró­gra­da e resis­ten­te a muda­nças, asso­cia­da à tra­dição medie­val cató­li­ca e barro­ca”. (Domin­gues, 2009: 233). Tam­bém para Figue­roa e Ledez­ma, os jesuí­tas incor­po­ra­ram e assi­mi­la­ram pau­la­ti­na­men­te as ideias e os méto­dos de estu­do da Ilus­tração, mas isto não sig­ni­fi­cou “un recha­zo abso­lu­to del estu­dio de la natu­ra­le­za ins­pi­ra­do por la mara­vi­lla y el asom­bro que infun­dían las com­ple­ji­da­des y mis­té­rios del mun­do natu­ral ame­ri­cano”. Assim, a pro­dução de um conhe­ci­men­to basea­do na obser­vação e na expe­riên­cia – tão caro aos jesuí­tas – “no ensom­bre­ció la fas­ci­na­ción por los mis­té­rios de la natu­ra­le­za” [Millo­nes Figue­roa; Ledes­ma 2005: 22].

[4] A Com­panhia de Jesus ado­tou uma clas­si­fi­cação de talen­tos “em dife­ren­tes cate­go­rias”, que eram os “talen­tos para ensi­nar, seja em nível ele­men­tar (ad docen­dum), seja em nível supe­rior (ad legen­das facul­ta­tes); para a admi­nis­tração, que são ou de governo (ad guber­nan­dum), ou de con­selho (ad con­sul­tan­dum); para as tare­fas espi­ri­tuais: a pre­gação (ad con­di­cio­nan­dum), a con­fis­são (ad audien­das con­fes­sio­nes), o cui­da­do dos outros (ad agen­dum cum pro­xi­mis), enfim, talen­tos liga­dos à ges­tão dos bens e à orga­ni­zação da vida mate­rial da pro­vín­cia (ad nego­tia curan­da, ad offi­cia domes­ti­ca).” [Castelnau‑L’estoile 2006: 211].

[5] Sobre esta temá­ti­ca, reco­men­da-se ver: Aman­tino; Fleck; Enge­mann, 2015.

[6] As Car­tas Ânuas tinham como base os rela­tó­rios anuais que o Pro­vin­cial rece­bia dos supe­rio­res das resi­dên­cias, colé­gios, uni­ver­si­da­des e mis­sões jun­to aos índios, sen­do redi­gi­das pelos secre­tá­rios ou por pes­soas com capa­ci­da­de para escre­vê-las, desig­na­das pelo Pro­vin­cial. Vale lem­brar que cabia a esta corres­pon­dên­cia unir, por meio da escri­ta, os diver­sos e espar­sos mem­bros da Com­panhia de Jesus, pro­mo­ver uma pro­pa­gan­da edi­fi­can­te que ins­pi­ras­se novas ade­sões e, ain­da, com­par­tilhar as expe­riên­cias alca­nça­das, de manei­ra a tor­nar as mis­sões mais fru­tí­fe­ras pela tro­ca de informações.

[7] Sobre os inven­tá­rios dos bens das boti­cas dos colé­gios jesuí­ti­cos, reco­men­da-se ver: O Inven­tá­rio for­ma­do por Loren­zo Infan­te Boti­cá­rio en la Ciu­dad de Cór­do­ba de los bie­nes medi­ci­na­les, Julio de 1772 se encon­tra no Archi­vo His­tó­ri­co de la Uni­ver­si­dad Nacio­nal de Cór­do­ba, Argen­ti­na. Docu­men­tos de la Jun­ta de Tem­po­ra­li­da­des de Cór­do­ba. Caja 10, lega­jo 2, nº 27, fólios 4533r-4628 r. Reco­men­da-se ver a trans­crição comen­ta­da do Inven­tá­rio em: Fleck; Polet­to, 2013.

[8] Page; Flachs, 2010:123.

[9] Tra­ta-se de: Pauuc­ke, 1943; Dobrizhof­fer, 1967–1970 e Sán­chez Labra­dor, 1910.

[10] Ilus­tra­ti­vo da prá­ti­ca da cópia de manus­cri­tos é o docu­men­to inti­tu­la­do Sobre el con­ta­gio de las virue­las [anô­ni­mo], que pare­ce haver sido escri­to como uma car­tilha que deve­ria ser segui­da pelos mis­sio­ná­rios res­pon­sá­veis pelas reduções jesuí­ti­cas. Nela, pode-se encon­trar uma série de reco­men­dações para o cui­da­do dos doen­tes e medi­das para evi­tar o con­tá­gio: “(…) Haga­se tam­bién pro­vi­sión de agua­ra­bay, el cosi­mien­to de el sir­ve para lavar­se una o dos vezes al dia cuan­do ya las virue­las se van secan­do. Esta água les qui­ta las ron­chas y hedion­dez. Tam­bién sir­ve para que­mar­lo en el hos­pi­tal. Y es pro­ve­cho­so el humo en los apo­sen­tos apes­ta­dos.” (MCA, 1951, Cx A, Doc. 04. Acer­vo XCCDA, Doc. A1) Ape­sar da menção explí­ci­ta à agua­ra­bay – ter­mo em gua­ra­ni para a plan­ta medi­ci­nal que, segun­do o tra­ta­do Maté­ria Médi­ca Misio­ne­ra, do Ir. Pedro de Mon­te­ne­gro, é com­pa­rá­vel ao len­tis­co [aroei­ra-da-praia] ou molle de Cas­ti­lla, e que pode ser empre­ga­da como bál­sa­mo cica­tri­zan­te, con­tra a dia­rréia e con­tra infe­cções do apa­relho res­pi­ra­tó­rio e uri­ná­rio –, os pro­ce­di­men­tos tera­pêu­ti­cos reco­men­da­dos se baseiam na tra­dição hipo­crá­ti­co-galê­ni­ca ampla­men­te conhe­ci­da – ou pra­ti­ca­da – pelos mis­sio­ná­rios jesuítas.

[11] Sabe-se que este manus­cri­to foi encon­tra­do na redução de São Bor­ja, loca­li­za­da sobre a mar­gem esquer­da do rio Uru­guai, mas isto não sig­ni­fi­ca que tenha sido redi­gi­do nes­ta redução. A data de sua ela­bo­ração é des­conhe­ci­da, razão pela qual não se pode afir­mar que este tenha sido o pri­mei­ro recei­tuá­rio de medi­ci­na escri­to em guarani.

[12] Há cer­ca de dez anos, um manus­cri­to inti­tu­la­do Curio­si­dad – un libro de medi­ci­na escri­to por los jesuí­tas en las misio­nes del Para­guai, data­do supos­ta­men­te de 1580 (ano em que ain­da não havia sido fun­da­da a Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Para­guai e sequer haviam sido ins­ta­la­das as pri­mei­ras reduções jesuí­ti­cas na região do Rio da Pra­ta), foi loca­li­za­do na Biblio­te­ca Nacio­nal do Rio de Janei­ro e ana­li­sa­do por Heloí­sa Ges­tei­ra. Ao cons­ta­tar que os dois tex­tos tra­ziam “par­tes idên­ti­cas”, a pes­qui­sa­do­ra levan­tou “a hipó­te­se de que tra­balhos des­te tipo eram com­par­tilha­dos pelos mis­sio­ná­rios”, e tam­bém, a de que o docu­men­to depo­si­ta­do na Biblio­te­ca Nacio­nal do Rio de Janei­ro pudes­se ser “uma repro­dução do tex­to de Mon­te­ne­gro” [Ges­tei­ra 2006: 2–3]. A exis­tên­cia de várias cópias manus­cri­tas des­te mes­mo tex­to tam­bém foi obser­va­da pelo médi­co argen­tino Pedro Ara­ta, que, em arti­go de 1898, afir­mou “Las copias del libro del Her­mano Mon­te­ne­gro deben haber sido muchas, y repar­ti­das en el Para­guay, en las Misio­nes y aun en Euro­pa” [Ara­ta 1898: 435].

[13] O manus­cri­to Pojha Ñana. Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra o Her­ba­rio de las Reduc­cio­nes Gua­ra­nies. Misio­nes. Año de 1725 por Mar­cos Villo­das, S.J. cons­ta de 59 folios, que equi­va­lem a 119 pági­nas. De acor­do com Angé­li­ca Ota­zú Mel­ga­re­jo [2014], Pojhã pode ser tra­du­zi­do como remé­dio e o ter­mo Ñana por erva silvestre.

[14] O Well­co­me Ins­ti­tu­te for the His­tory of Medi­ci­ne de Lon­dres adqui­riu este manus­cri­to em 1962, jun­to com outras peças da coleção do Dr. Fran­cis­co Gue­rra, biblió­fi­lo e his­to­ria­dor da medi­ci­na de Amé­ri­ca Latina.

[15] Ota­zú Mel­ga­re­jo, 2014: 7.

[16] Ota­zú Mel­ga­re­jo, 2014: 1

[17] Tra­ta-se de Tre­lles, 1888.

[18] Ver mais em Mon­te­ne­gro, 1945.

[19] Tra­ta-se de Mon­te­ne­gro, 2009.

[20] Em sua Mate­ria Medi­ca, Mon­te­ne­gro ain­da refe­re outras infor­mações sobre a região de Tucu­mán. Em espe­cial, são des­ta­ca­das nomen­cla­tu­ras de plan­tas que seriam típi­cas da região, como, por exem­plo, ao refe­rir-se a Corre­gue­la, que seria a mes­ma Pur­ga crio­lla, que lla­man por toda la gober­na­cion de San­tia­go y Tucu­man.” [Mon­te­ne­gro 1945: 55]. Em outro momen­to, são des­ta­cas as qua­tro espé­cies diver­sas de Gua­ya­cán que eram encon­tra­das na Amé­ri­ca: “he halla­do (…) dos en Tucu­mán, y otras dos en estas Misio­nes” [Mon­te­ne­gro 1945: 21] e apre­sen­ta suas apre­ciações acer­ca das qua­li­da­des das mes­mas, des­ta­can­do a mais ade­qua­da para o uso: “pero solo en medi­ci­na se ha de tomar el negro de cora­zon, que es esa estam­pa segun­da, que cier­to es Gua­ya­cán, segu­ro, como he sabi­do en Tucu­mán sana­ron varios que lo toma­ron: y lo mis­mo en San­tia­go del Este­ro el lla­ma­do Tar­co” [Mon­te­ne­gro 1945: 21].

[21] Ao com­pa­rar­mos a ver­são de 1790, a que tive­mos aces­so no IAP-UNISINOS, com a de 1710, per­ce­be­mos que à pri­mei­ra não foram adi­cio­na­dos alguns dos ele­men­tos pré-tex­tuais pre­sen­tes na ver­são ori­gi­nal da obra, tais como as tablas com os nomes indí­ge­nas e dos vocá­bu­los. O fato de a ver­são do final do sécu­lo XVIII não ter con­si­de­ra­do a ver­são inte­gral do manus­cri­to pode estar asso­cia­do a cer­to prag­ma­tis­mo ou a uma seleção – arbi­trá­ria ou não – do seu con­teú­do quan­do da rea­li­zação da cópia.

[22] Fur­long, 1947: 67. Para Di Lis­cia, o autor da Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra foi, efe­ti­va­men­te, Pedro Mon­te­ne­gro. Ela, no entan­to, sus­ten­ta que ele a escre­veu em 1702 e que “el padre Asper­ger la copió em 1710 con su nom­bre.” [Di Lis­cia 2002: 301]. Nes­te tra­balho, con­tu­do, con­si­de­ra­re­mos o ano de 1710, por ser o mais acei­to entre os his­to­ria­do­res. Para a his­to­ria­do­ra argen­ti­na, a obra de Mon­te­ne­gro “es un com­pen­dio de plan­tas úti­les de la región del Para­guay, escri­ta a prin­cí­pios del siglo XVIII, don­de las vir­tu­des cura­ti­vas de las plan­tas autóc­to­nas están dis­pues­tas de acuer­do al esque­ma medi­ci­nal clá­si­co, agre­gan­do fór­mu­las y dosis de los com­pues­tos. (…) la obra de Mon­te­ne­gro es la base de las reco­pi­la­cio­nes bota­ni­cas pos­te­rio­res y fue copia­da una y otra vez por sub­si­guien­tes auto­res, intere­sa­dos en este esfuer­zo de sín­te­sis rea­li­za­do tan tem­pra­na­men­te (…) has­ta el pun­to en que hubo momen­tos en que se dudó de su auto­ría.” [Di Lis­cia 2002: 301].

[23] Sobre a tra­je­tó­ria de Pedro Mon­te­ne­gro, reco­men­da­mos ver Fleck; Rodri­gues; Mar­tins, 2014 e Fleck, 2014.

[24] Este empenho pode ser cons­ta­ta­do nes­ta pas­sa­gem da His­tó­ria de la Con­quis­ta del Para­guay, na qual o padre Pedro Lozano assim se refe­re ao irmão jesuí­ta Pedro Mon­te­ne­gro: “Todas estas espe­cies (…) de esta pro­vín­cia, el her­mano Pedro de Mon­te­ne­gro, de nues­tra Com­pa­ñía suge­to muy peri­to en la medi­ci­na (…)” [Lozano 1874, Cap. IX: 220].

[25] Por vezes, Mon­te­ne­gro ado­ta a nomen­cla­tu­ra nati­va, como fica evi­den­cia­do na des­crição do Yaca­ré caá, que lhe teria sido apre­sen­ta­da por um velho índio conhe­ce­dor das plan­tas medi­ci­nais: “dijo­me lla­mar­se así, por tener el olor del Yaca­ré” [Mon­te­ne­gro 1945: 118].

[26] Há regis­tros da uti­li­zação do guem­bé ou imbé pelas popu­lações tra­di­cio­nais, porém a lite­ra­tu­ra far­ma­co­ló­gi­ca aler­ta que seu uso deve ser fei­to par­ci­mo­nio­sa­men­te, assim como já havia fei­to Mon­te­ne­gro, na Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, ao adver­tir que “es tan vene­no­sa cogi­da en cre­cien­te de luna”, não deven­do ser empre­ga­da em dema­sia, pois pode­ria cau­sar reações adver­sas seve­ras. [Mon­te­ne­gro 1945: 200]. Segun­do Otto­be­lli [2011], algu­mas espé­cies do gêne­ro Phi­lo­den­dron apre­sen­tam ati­vi­da­de bac­te­ri­ci­da, com­ba­ten­do os agen­tes cau­sa­do­res de doe­nças que aco­me­tem os órgãos geni­tais, haven­do tam­bém regis­tros de seu uso con­tra pica­das de ser­pen­tes e de sua ação anal­gé­si­ca. Na lite­ra­tu­ra etno­bo­tâ­ni­ca, encon­tra­mos uma série de pro­prie­da­des medi­ci­nais refe­ri­das às espé­cies de guem­bé, em espe­cial, à espé­cie P. bipin­na­ti­fi­dum, den­tre as quais pode­mos citar a anti-reu­má­ti­ca, a anal­gé­si­ca, a con­tra­cep­ti­va, con­tra orqui­te, con­tra hidro­pi­sia, con­tra para­si­tos intes­ti­nais, sen­do tam­bém usa­da no tra­ta­men­to de úlce­ras e eri­si­pe­la, e, ain­da, no tra­ta­men­to de feri­das, carac­te­ri­zan­do sua ação vulnerária.

[27] Mon­te­ne­gro, aliás, não se limi­ta­va à obser­vação dos com­por­ta­men­tos de deter­mi­na­dos ani­mais, como se pode cons­ta­tar nes­ta pas­sa­gem em que ele refe­re ter cons­ta­ta­do que um pás­sa­ro de pei­to ama­re­lo ou ver­melho con­su­mia a vir­ga-aurea como ali­men­to, o que levou o jesuí­ta a caçar e a matar o pás­sa­ro, “con el inten­to de reco­no­cer la vir­tud de su car­ne, la cual comî y es muy den­sa y amar­ga, tira á par­da como la de la palo­ma tor­cáz, con algu­na agu­de­za en su amar­gor, la cual no dudo ser úni­ca para los que pade­cen pie­dra de riño­nes y veji­ga, asi su cal­do como su car­ne” [Mon­te­ne­gro 1945:184].

[28] O beju­co era tam­bém conhe­ci­do como ipe­ca­cuanha.

[29] As menções fei­tas aos sabe­res tupis e às plan­tas medi­ci­nais bra­si­lei­ras podem ser atri­buí­das ao fato de que uma das prin­ci­pais refe­rên­cias para o irmão jesuí­ta foi a obra de Guilher­me Piso, inti­tu­la­da “India Utrius­que Re Natu­ra­li et medi­ca”, de 1658, e que foi reedi­ta­da e tra­du­zi­da em 1957, sob o títu­lo de «His­tó­ria natu­ral e médi­ca da Índia Oci­den­tal». Outra refe­rên­cia impor­tan­te para Mon­te­ne­gro foi a obra “Libro que tra­ta de las cosas que se traen de las Índias Occi­den­ta­les, que sir­ven al uso de Medi­ci­na”, do tam­bém espanhol Nico­lás Monar­des, publi­ca­da em 1574. O médi­co argen­tino Pedro Ara­ta che­ga a, inclu­si­ve, afir­mar que: Las figu­ras copia­das de la obra de Pison, De indiae utrius­que Re natu­ra­li et medi­ca cita­da, per­te­ne­cen a las pági­nas siguien­tes: 308, 122, 146, 158, 146, 247, 261, 133, 231, 157, 118, 123, 143 [Ara­ta 1898 438].

[30] Para Neu­mann, “a escri­ta indí­ge­na, regis­tra­da em dife­ren­tes supor­tes e com fina­li­da­des diver­sas, obri­ga-nos a rever em gran­de medi­da as ava­liações sim­plis­tas que con­si­de­ra­vam a ati­vi­da­de ‘escri­tu­rá­ria’ como menor ou mes­mo res­tri­ta aos tex­tos canô­ni­cos nas reduções” [Neu­mann 2003: 2]

[31] É o pró­prio Mon­te­ne­gro [1945: 329] quem nos for­ne­ce tal dado, quan­do rela­ta as qua­li­da­des da yer­ba de la vivo­ra de Tari­ja. Ele des­ta­ca que havia obti­do infor­mações sobre a mes­ma e suas qua­li­da­des “estan­do en el Cole­gio de Cor­do­ba, y pasan­do al de Tucu­mán, qui­so mi for­tu­na, y la de otros muchos, que con ella he cura­do, el que la vie­se con todas sus par­tes, menos la flor”. A plan­ta, no entan­to, não pare­cia ser nati­va da região de Tucu­mán, já que o jesuí­ta des­ta­ca tê-la rece­bi­do do então reitor do Colé­gio, padre Die­go Ruiz, “quien par­tió con­mi­go la ter­cia par­te del ház que traia, y hallé ser amar­ga sin acer­vi­dad algu­na, ántes si, un amar­gor gra­to al esto­ma­go, y muy con­for­ta­ti­vo al cora­zon y cele­bro.” [Mon­te­ne­gro 1945: 329].

[32] De acor­do com Ric­ciar­di; Caba­lle­ro; Chi­fa [2000], esqui­nan­to é tam­bém conhe­ci­do como “capií cati”, “jaha­pé” ou, então, como capim cheiroso.

[33] O Libro de Ciru­gía foi “dado a cono­cer en 1916, por el Dr. Felix Gar­zón Mace­da, en su obra La medi­ci­na en Cór­do­ba. Se tra­ta de un volu­men con más de 600 pági­nas, escri­to con letra peque­ña y apre­ta­da, inter­ca­lan­do muchos dibu­jos del ins­tru­men­tal qui­rúr­gi­co usa­do para diver­sas inter­ven­cio­nes. Inclu­ye un apén­di­ce, escri­to con letra dife­ren­te y qui­zá por eso de otro autor o cola­bo­ra­dor de la obra figu­ran­do en ella el año de edi­ción, 1725” [Acer­bi Cre­ma­des 1999: 19].

[34] Tra­ta-se de Gar­zón Mace­da 1916.

[35] Por­tu­gal e Espanha entra­ram em con­fli­to, por moti­vos que envol­viam a suces­são ao trono espanhol, em 1704, o que veio a ter con­se­quên­cias nos con­fli­tos entre as coroas ibé­ri­cas na região do Pra­ta. Ini­cial­men­te, cogi­tou-se o envio de nove mil indí­ge­nas mis­sio­nei­ros para o ata­que à Colô­nia, mas os Supe­rio­res das Mis­sões do Uru­guai e do Para­ná não auto­ri­za­ram sua libe­ração, temen­do pela segu­ra­nça das reduções. Acre­di­ta-se que tenham se des­lo­ca­do em torno de qua­tro mil indí­ge­nas, pro­ve­nien­tes de Corrien­tes, Cór­do­ba e Tucumán.

[36]Esta mes­ma infor­mação pode ser encon­tra­da na Notí­cia pre­li­mi­nar de Raúl Quin­ta­na à Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra. Bue­nos Aires. Impren­ta de la Biblio­te­ca Nacio­nal, 1945. Ver ver­são digi­tal dis­po­ní­vel na Biblio­te­ca Vir­tual del Para­guay. Tam­bém o his­to­ria­dor jesuí­ta Char­le­voix refe­re a par­ti­ci­pação: “O cer­ti­fi­ca­do expe­di­do em 15 de junho de 1705, por Bal­ta­sar Gar­cía Ros, des­ta­ca os ser­viços pres­ta­dos pelos indí­ge­nas Die­go Gai­vi­poy, Boni­fa­cio Capi, Juan Maña­ni e Pedro Mba­ca­pi, e que “al lado de ellos [esta­vam] los her­ma­nos Pedro de Mon­te­ne­gro, Joa­quín de Zubel­día y Josef Bra­sa­ne­li ‘sus ciru­ja­nos’” [Char­le­voix 1913: 377].

[37] Archi­vo Gene­ral Admi­nis­tra­ti­vo (1705–1750). Cer­ti­fi­ca­do de Andrés Gómez de la Quin­ta­na: sobre los ser­vi­cios pres­ta­dos por los indios de las reduc­cio­nes en el des­alo­jo de los pro­tu­gue­ses de la colo­nia. 1705, noviem­bre 29. Cer­ti­fi­ca­dos. Caja 1, car­pe­ta 1 bis (fls:2). Archi­vo Gene­ral de la Nación del Uruguai.

[38] Feri­men­tos como os regis­tra­dos por Mon­te­ne­gro eram, de fato, inevi­tá­veis, já que as tro­pas “venían muy bien arma­das”, sen­do que os indí­ge­nas segui­ram para o con­fli­to “con dife­ren­tes bocas de fue­go con sus fras­cos, y bol­sas bien pro­vi­dos de pól­vo­ra y balas; y otros con lan­zas, dar­dos, arcos con mucha can­ti­dad de fle­chas, maca­nas y pie­dras, armas natu­ra­les suyas.” Ver Archi­vo Gene­ral Admi­nis­tra­ti­vo (1705–1750). Cer­ti­fi­ca­do de Andrés Gómez de la Quin­ta­na: sobre los ser­vi­cios pres­ta­dos por los indios de las reduc­cio­nes en el des­alo­jo de los por­tu­gue­ses de la colo­nia. 1705, noviem­bre 29. Cer­ti­fi­ca­dos. Caja 1, car­pe­ta 1 bis (fl. 2). Archi­vo Gene­ral de la Nación del Uruguai.

[39]Como bem apon­ta­do por Schiaf­fino, “En las cua­tro expe­di­cio­nes mili­ta­res, don­de inva­ria­ble­men­te se agre­ga­ran los enfer­me­ros, el aspec­to higié­ni­co y sani­ta­rio ocu­pa­ba un lugar impor­tan­te”. Archi­vo del Dr. R. Schiaf­fino. Ori­gi­na­les de su obra His­to­ria de la Medi­ci­na en el Uru­guay. Tomo II, cap. II (La Colo­nia de Sacra­men­to). Caja 245, car­pe­ta 21. Archi­vo Gene­ral de la Nación del Uruguay.

[40] Mon­te­ne­gro se refe­re à pitan­ga e ao gua­bi­ju como arra­yán blan­co e arra­yán negro, res­pec­ti­va­men­te. Ambas as plan­tas eram indi­ca­das para o tra­ta­men­to de dis­túr­bios esto­ma­cais e intes­ti­nais, por suas pro­prie­da­des anti­di­sen­té­ri­ca e anti­dia­rréi­ca. Tam­bém a espé­cie Psi­dium L., deno­mi­na­da como gua­ya­bas ou ara­zá pelo irmão jesuí­ta, é indi­ca­da para os males do estô­ma­go e intestinos.

[41] Vale res­sal­tar que na Euro­pa, e mes­mo na Amé­ri­ca, cabia aos cirur­giões-bar­bei­ros, que não pos­suíam for­mação nas Aca­de­mias, a rea­li­zação de prá­ti­cas cirúr­gi­cas – que pre­viam o tra­ta­men­to de fra­tu­ras e ampu­tações – e san­grias. De qual­quer modo, o tra­ta­men­to de fra­tu­ras ósseas na Amé­ri­ca por­tu­gue­sa pre­via a indis­pen­sá­vel mani­pu­lação e empre­go de fár­ma­cos, aos quais se soma­vam emplas­tros, ata­du­ras de panos, talas e mui­ta aguar­den­te para lavar as lesões e imo­bi­li­zar o feri­do. [Abreu 2007; Faus­to et al 2013; Fur­ta­do 2002; 2005]. Con­si­de­ran­do que os jesuí­tas enfer­mei­ros con­ta­vam com “las medi­ci­nas ordi­ná­rias” das boti­cas ins­ta­la­das nas reduções, tais como “ven­to­sas, lan­ce­tas, panos para hilar y ven­dar, sal, cuchi­llos para foguear, azu­fre, ajos, pie­dra de San Pablo, miel de abe­jas” é, mui­to pro­vá­vel, que aca­bas­sem des­em­penhan­do as funções pró­prias dos cirur­giões-bar­bei­ros. No caso de Mon­te­ne­gro, con­si­de­ra­mos plau­sí­vel que tan­to o conhe­ci­men­to pré­vio na Espanha, quan­to a expe­riên­cia adqui­ri­da no cui­da­do de feri­men­tos como os resul­tan­tes de que­das ou de con­fli­tos béli­cos – e que cabe­riam a estes pro­fis­sio­nais das artes de curar – tenham sido fun­da­men­tais para a con­ce­pção e a ela­bo­ração do Libro de Ciru­gía, cujo sumá­rio pode ser con­sul­ta­do na obra de Gar­zón Mace­da [1916].

[42] Mon­te­ne­gro, 1945: 244. Tam­bém algu­mas reduções con­ta­ram com boti­cas que con­ta­vam com “el azu­fre, el alum­bre, el sal, el taba­co, la pimien­ta, la enjui­di­cia de galli­na, la gra­xa de tigre, buey y de car­ne­ro y pól­vo­ra. Fue­ra de estos sim­ples tenían siem­pre pron­tos tres cala­ba­zas lle­nas de unguen­tos com­pues­tas una de ellas con un ver­de hecho con sebo y vein­te hier­bas dis­tin­tas y las cor­te­zas de arbo­les famo­sas por sus vir­tu­des medi­ci­na­les” Archi­vo del Dr. R. Schiaf­fino. Ori­gi­na­les de su obra His­to­ria de la Medi­ci­na en el Uru­guay. Tomo II, cap. II (La Colo­nia de Sacra­men­to). Caja 245, car­pe­ta 21. Archi­vo Gene­ral de la Nación del Uruguay.

[43] No tra­ta­men­to de feri­das exter­nas, Mon­te­ne­gro indi­ca­va a uti­li­zação do cei­bo ou zui­na­dí para os gua­ra­nis. Sua cas­ca, depois de ras­pa­dos os espinhos, deve­ria ser esma­ga­da e apli­ca­da sobre as lesões. Com ela tam­bém podiam ser pre­pa­ra­dos bál­sa­mos, com o extra­to da cas­ca ou da flor, que fica­vam guar­da­dos nas boti­cas das reduções, para even­tuais emer­gên­cias. Ver Mon­te­ne­gro 1790: 55.

[44]Mon­te­ne­gro 1945: 237. Den­tre as espé­cies nati­vas pro­du­to­ras de óleos essen­ciais tera­pêu­ti­cos e que com­punham os bál­sa­mos empre­ga­dos no tra­ta­men­to de lesões exter­nas indi­ca­dos por Mon­te­ne­gro, esta­va a cupay (Copai­fe­ra sp.) ou copaí­ba. Na Amé­ri­ca por­tu­gue­sa sete­cen­tis­ta, os emplas­tros uti­li­za­dos na rege­ne­ração de ossos fra­tu­ra­dos eram fei­tos tam­bém pri­mor­dial­men­te à base de copaí­ba, embaú­ba e tere­bin­ti­na. Já para doe­nças ósseas, cau­sa­das por fra­tu­ras, o físi­co Jean Vigier, autor de “The­so­ro Apo­lli­neo, Gale­ni­co, Chi­mi­co, Chi­ru­gi­co, Phar­ma­ceu­ti­co”, de 1714, reco­men­da­va que fos­sem admi­nis­tra­dos remé­dios de duas clas­ses em caso de fós­sea: os áci­dos (espí­ri­to de sal, espí­ri­to de mel, óleo cáus­ti­co de anti­mô­nio, óleo de vitrío­lo) e os alca­li­nos pode­ro­sos (eufór­bio, óleo de papel, alcan­for sem áci­dos e o cáus­ti­co atual). Ver mais em FAUSTO et al., 2013.

[45] Segun­do Angé­li­ca Ota­zú Mel­ga­re­jo, ape­sar de na capa do manus­cri­to cons­tar Pojhã Ñaña, o corre­to deve­ria ser Pojhã Ñana, já que ñana sig­ni­fi­ca erva e o ter­mo ñaña se refe­re à mal­da­de ou a dia­bo. [Ota­zú Mel­ga­re­jo 2014: 10].

[46] Cabe men­cio­nar que, na maio­ria dos casos, o autor de Pojhã Ñana reco­men­da pro­ce­di­men­tos como a san­gria, a pur­ga e a apli­cação de ventosas.

[47] Para a Medi­ci­na do sécu­lo XVIII, o con­su­mo de cer­tos ali­men­tos garan­tia o balan­cea­men­to dos humo­res e, por­tan­to, a saú­de. Se, por um lado, a inges­tão em exces­so de comi­da ou bebi­da cau­sa­va inúme­ras doe­nças, por outro, o pão, as ervas e os legu­mes tinham uma “vir­tu­de cor­dial e con­for­ta­ti­va” e asse­gu­ra­vam a con­ser­vação dos corpos.

[48] Inter­es­san­te notar que o autor do manus­cri­to, o irmão jesuí­ta Villo­das, não des­cui­da de infor­mar que “Si se mul­ti­pli­can los tumo­res, enton­ces se tie­ne que pro­lon­gar el tra­ta­mien­to (…) debe apli­cár­se­le reme­dios más efi­ca­ces [san­gria], [pois] el tra­ta­mien­to emplea­do sir­ve solo para miti­gar el dolor” [Ms W. L. Lon­dres f. 171, 39r en Ota­zú Mel­ga­re­jo 2014].

[49] De acor­do com Angé­li­ca Ota­zú Mel­ga­re­jo, é pro­vá­vel que os pro­ce­di­men­tos tera­pêu­ti­cos reco­men­da­dos no manus­cri­to Pojhã Ñana tenham sido extraí­dos de outros manus­cri­tos que tenham cir­cu­la­do entre e nas reduções jesuí­ti­cas do anti­go terri­tó­rio para­guaio. Ver mais em Ota­zú Mel­ga­re­jo, 2014: 11.

[50]Jua­pe­kã é uma espé­cie de plan­ta febrí­fu­ga; o Taro­pe é uma espé­cie de con­tra­er­va e o Kapi’i kati, refe­ri­do como esqui­nan­to pelo irmão jesuí­ta Pedro Mon­te­ne­gro é tam­bém conhe­ci­do como capim cheiroso.

[51] Vale aqui lem­brar que o médi­co sevilhano Monar­des, no sécu­lo XVI, exal­tou, em sua obra “Pri­me­ra y segun­da y ter­ce­ra par­tes de la his­to­ria medi­ci­nal”, as gran­des vir­tu­des cura­ti­vas do taba­co, intro­du­zi­do “nos jar­dins e nas hor­tas da Espanha, para tra­ta­men­to de todo tipo de enfer­mi­da­de: asma, mal de pei­to, dores de estô­ma­go, mal de úte­ro”, não dei­xan­do, con­tu­do, de refe­rir que tinha “a facul­da­de de pro­por­cio­nar ‘ima­gi­nações e fan­tas­mas’”, a exem­plo de outras duas subs­tân­cias, a maconha e o ópio [Ginz­burg 2007: 96–97].

[52] Sán­chez Labra­dor, José. Para­guay Natu­ral. Ilus­tra­do. Noti­cias del pais, con la expli­ca­ción de phe­no­me­nos phy­si­cos gene­ra­les y par­ti­cu­la­res: usos úti­les, que de sus pro­duc­cio­nes pue­den hacer varias artes. Raven­na, 1771–1776. (Manus­cri­to). Archi­vo His­tó­ri­co de la Com­pa­ñía de Jesús [ARSI], Roma. A trans­crição e a aná­li­se des­te manus­cri­to cons­ti­tuem obje­ti­vos do pro­je­to As “artes de curar” em dois manus­cri­tos jesuí­ti­cos iné­di­tos do sécu­lo XVIII, finan­cia­do pelo Edi­tal Ciên­cias Huma­nas e Sociais – Cha­ma­da MCTI/CNPq/MEC/CAPES Nº 22/2014.

[53] A obra Para­guay Natu­ral Ilus­tra­do já mere­ceu alguns estu­dos, todos eles rea­li­za­dos a par­tir da con­sul­ta à fon­te manus­cri­ta no ARSI, tais como os de Fur­long, 1948; de Moreno, 1948, e de Sainz Olle­ro et. al., 1989. Sán­chez Labra­dor reali­zou um dos mais amplos e detalha­dos tra­balhos sobre a natu­re­za, a geo­gra­fia e as socie­da­des da região pla­ti­na colo­nial, mas ain­da per­ma­ne­cem dúvi­das sobre a for­ma como o jesuí­ta a redi­giu. Sainz Olle­ro e outros his­to­ria­do­res acre­di­tam que, ape­sar das proibições fei­tas aos jesuí­tas expul­sos, ele teria con­se­gui­do levar mui­tos de suas ano­tações, e que, mes­mo poden­do con­tar com algu­mas delas, é mui­to pro­vá­vel que tenha escri­to par­te da obra a par­tir de suas memó­rias [Bar­ce­llos 2013: 92–93].

[54] O Tomo de Botâ­ni­ca, espe­ci­fi­ca­men­te, está sub­di­vi­di­do em sete livros, com­pos­tos por 76 capí­tu­los, que abor­dam os seguin­tes tópi­cos: Fisio­lo­gia, ana­to­mia, his­to­lo­gia, repro­dução vege­tal; Flo­res­tas, cam­pos, pân­ta­nos, deser­tos; Far­ma­co­lo­gia, cul­ti­vo, etnobotânica.

[55] Sán­chez Labra­dor faz refe­rên­cia tam­bém às reduções de Yape­yu, Tri­ni­dad, Jesús, Lore­to, San Igna­cio Mini, San Igna­cio Gua­zu, San Cos­me y San Damián e San Loren­zo, mas não infor­ma se as conhe­ceu pes­soal­men­te ou a par­tir de infor­mações de outros mis­sio­ná­rios ou de indígenas.

[56] Segun­do a his­to­ria­do­ra argen­ti­na Maria Sil­via Di Lis­cia [2002], as pedras bezoa­res eram tidas como essen­ciais nas boti­cas euro­peias e ame­ri­ca­nas, sen­do tam­bém refe­ri­das nas far­ma­co­péias, nos com­pên­dios e recei­tuá­rios da Com­panhia de Jesus e nas lis­tas de mer­ca­do­rias soli­ci­ta­das aos Pro­cu­ra­do­res da ordem que se diri­giam à Euro­pa. O inven­tá­rio do Colé­gio de Cór­do­ba, rea­li­za­do logo após o decre­to de expul­são da Com­panhia de Jesus, nos anos de 1771 e 1772, con­fir­ma que as pedras bezoa­res inte­gra­vam “los bie­nes medi­ci­na­les” das boti­cas des­te colé­gio jesuí­ti­co da Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Para­guai. As pedras apa­re­cem rela­cio­na­das na cate­go­ria Pre­pa­ra­cio­nes y Pol­vos, ao lado de chi­fres de cer­vo, den­tes de java­li, corais e olhos de caran­gue­jo, pós de víbo­ra e esper­ma de baleia, e, ain­da, na cate­go­ria dos Pol­vos cor­dia­les, na qual é fei­ta, inclu­si­ve, uma dis­ti­nção entre a pedra bezoar oci­den­tal e a ame­ri­ca­na, que apa­re­cem, mais uma vez, rela­cio­na­das entre outros itens, tais como corais, madre­pé­ro­la e olhos de caran­gue­jo. [Fleck 2014: 330–340].

[57] A uti­li­zação de pedras bezoa­res é refe­ri­da em ao menos duas recei­tas na Mate­ria Medi­ca Misio­ne­ra, escri­ta pelo irmão jesuí­ta Pedro Mon­te­ne­gro (1710). Numa delas, a pedra é uti­li­za­da con­tra a varío­la, jun­ta­men­te com qua­tro folhas de cala­mi­ta menor (plan­ta equi­se­tí­nea) e duas onças de açú­car, o que pro­vo­ca­va suo­res nos pacien­tes, razão pela qual o boti­cá­rio reco­men­da­va que estes se res­guar­das­sem do ven­to. Em outra recei­ta, Mon­te­ne­gro faz menção ao seu uso com­bi­na­do com folhas da sex­tu­la maior: “E se lhe colo­cam umas duas folhas de borra­gem [borra­cha-chi­ma­rro­na] ou de pedra bezoar, por ser mais sudo­rí­fi­ca, ate­nua as dores inter­nas, assim do ven­trícu­lo como do fíga­do” (Mon­te­ne­gro, 1945: 142). O inven­tá­rio do Colé­gio de Cór­do­ba, rea­li­za­do logo após o decre­to de expul­são da Com­panhia de Jesus, nos anos de 1771 e 1772, con­fir­ma que as pedras bezoa­res inte­gra­vam “los bie­nes medi­ci­na­les” das boti­cas des­te colé­gio jesuí­ti­co da Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Para­guai. As pedras apa­re­cem rela­cio­na­das na cate­go­ria Pre­pa­ra­cio­nes y Pol­vos, ao lado de chi­fres de cer­vo, den­tes de java­li, corais e olhos de caran­gue­jo, pós de víbo­ra e esper­ma de baleia, e, ain­da, na cate­go­ria dos Pol­vos cor­dia­les, na qual é fei­ta, inclu­si­ve, uma dis­ti­nção entre a pedra bezoar oci­den­tal e a ame­ri­ca­na, que apa­re­cem, mais uma vez, rela­cio­na­das entre outros itens, tais como corais, madre­pé­ro­la e olhos de caran­gue­jo [Fleck 2014: 330–340].

[58] Os vin­te e um inse­tos cujas vir­tu­des tera­pêu­ti­cas Sán­chez Labra­dor apre­sen­ta são as Abelhas (Abe­jas), as Ves­pas (Abis­pas), os Escor­piões (Ala­cra­nes), as Aranhas (Ara­ñas), as Can­tá­ri­das (Can­tá­ri­des), os Per­ce­ve­jos (Chin­ches), a Cen­to­peia (Cien­to­pies), a Ciga­rra (Ciga­rra), as Cocho­nilhas (Cochi­ni­llas), as Bara­tas (Cuca­ra­chas), os Besou­ros (Esca­ra­ba­jos), os Carra­pa­tos (Garra­pa­tas), os Gri­los (Gri­llos), as For­mi­gas (Hor­mi­gas), os Gafanho­tos (Lan­gos­ta), os Ver­mes (Lom­bri­ces), as Mos­cas (Mos­cas), os Mos­qui­tos (Zan­cu­dos), as Lagar­tas (Oru­gas), os Piolhos (Pio­jos) e as San­gues­su­gas (San­gui­jue­las). Labra­dor apre­sen­ta, ain­da, as vir­tu­des de oito sub­pro­du­tos des­tes inse­tos, com des­ta­que para o mel (Abelha), cera (Abelha), ves­pei­ro (Ves­pa), teia (Aranha), escar­la­ta (Cocho­ni­lla de Gra­na), for­mi­guei­ro (For­mi­ga), ovos (For­mi­ga) e goma lac­ca (For­mi­ga).

[59] No Para­guay Natu­ral, Sán­chez Labra­dor pare­ce estar em sin­to­nia com os ava­nços no estu­do dos inver­te­bra­dos – par­ti­cu­lar­men­te dos inse­tos – obser­va­dos no sécu­lo XVIII, uma vez que não con­ten­ta-se em refe­ri-los como “bichos vene­no­sos” ou como orga­nis­mos “imper­fei­tos” e, por isso, não dig­nos de ate­nção. Opon­do-se a esta for­ma tão nega­ti­va de per­ce­ber os inse­tos, apon­ta para as vir­tu­des tera­pêu­ti­cas de alguns deles e para seu lar­go uso pelos indí­ge­nas ame­ri­ca­nos. Em razão dis­so, o Livro sobre os “peque­ños vivien­tes” – como a eles se refe­ria Sán­chez Labra­dor – não se carac­te­ri­za por des­crições fan­ta­sio­sas ou cre­nças arrai­ga­das, ofe­re­cen­do, ain­da, evi­dên­cias do estrei­to con­ví­vio do jesuí­ta com os indí­ge­nas jun­to aos quais atuou como mis­sio­ná­rio. Sán­chez Labra­dor apre­sen­ta suas vir­tu­des e indi­cações, ten­cio­nan­do sua ade­quação ao sis­te­ma euro­peu e à teo­ria humo­ra­lis­ta hipo­crá­ti­co-galê­ni­ca, em con­so­nân­cia com sua con­dição de euro­peu e de reli­gio­so, não des­con­si­de­ran­do os sabe­res pró­prios dos gru­pos indí­ge­nas com os quais conviveu.

[60] De acor­do com essa teo­ria, o cor­po humano seria for­ma­do por dife­ren­tes líqui­dos ou humo­res que eram “qua­se sem­pre qua­tro (San­gue, Fleu­ma, Bílis Ama­re­la e Bílis Negra). A saú­de con­sis­ti­ria no equi­lí­brio des­ses humo­res, assim como a enfer­mi­da­de con­sis­ti­ria no pre­do­mí­nio de algum deles sobre os demais” [Frei­tas Reis 2009: 3.

[61] Die­tas ricas em pro­teí­na, sódio (sal) ou açú­car podem levar à for­mação de cálcu­los reais, que são for­mações endu­re­ci­das nos rins ou nas vias uri­ná­rias, resul­tan­tes do acú­mu­lo de cris­tais exis­ten­tes na uri­na. No caso das die­tas com pre­se­nça ele­va­da de sal, elas aumen­tam a quan­ti­da­de de cál­cio que os rins deve­rão fil­trar, o que con­se­quen­te­men­te leva a um ris­co maior. Tam­bém, o bai­xo con­su­mo de líqui­dos ou doe­nças do tra­to diges­ti­vo, como infla­mação gas­tro­in­tes­ti­nal e dia­rréia crô­ni­ca podem cau­sar muda­nças no pro­ces­so de diges­tão, afe­tan­do dire­ta­men­te na abso­rção de cál­cio e água, aumen­tan­do tam­bém as chan­ces de for­mação de pedras nos rins e/ou bexi­ga. Outra cau­sa para a for­mação de cálcu­los renais é o exces­so ou, então, a fal­ta de citra­to, subs­tân­cia pre­sen­te, prin­ci­pal­men­te, nas fru­tas cítri­cas, a hipo e hipercitraturia.

[62] Padre Alon­so de Ova­lle atuou como Pro­cu­ra­dor da Vice-Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Chi­le e é o autor da obra “His­to­ri­ca Rela­cion del Reyno de Chi­le” publi­ca­da em Roma, em 1646.

[63] Tra­ta-se do quí­mi­co e médi­co fran­cês Este­ban Fran­cis­co Geof­froy (1672–1731).

[64] A prin­ci­pal obra do espanhol Mar­co Valé­rio Mar­cial [Mar­ciel] (38/40 d.C.-?) é Liber spec­tacu­lorum (80 d.C.).

[65] O escri­tor e médi­co gre­co-romano Pedâ­nio Dios­có­ri­des (40 d.C.-90 d.C.) escre­veu a obra De Mate­ria Medi­ca, tido como o manual de Far­ma­co­peia mais impor­tan­te da Gré­cia e Roma antigas.

[66] O médi­co e far­ma­cêu­ti­co ale­mão Johann Schrö­der (1600–1664) é tido como o pri­mei­ro a reconhe­cer o arsê­nio como um elemento.

[67] O médi­co, filó­so­fo e cirur­gião romano Cláu­dio Galeno (129–199/217 d.C.) defen­dia que a saú­de do homem depen­dia do equi­lí­brio dos qua­tro humo­res, assim como já havia afir­ma­do Hipó­cra­tes (460–377 a. C.).

[68] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 368.

[69] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 362.

[70] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 362 (el resal­ta­do me pertenece).

[71] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 369 (el resal­ta­do me pertenece).

[72] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 363.

[73] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 363.

[74] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 363 (el resal­ta­do me pertenece).

[75] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 365 (el resal­ta­do me pertenece).

[76] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 366

[77] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 366.

[78] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 368.

[79] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 368.

[80] Cabe lem­brar que as obser­vações que Labra­dor fez do empre­go de inse­tos na cura de cer­tas enfer­mi­da­des deco­rrem das expe­riên­cias que viven­ciou como mis­sio­ná­rio na Pro­vín­cia Jesuí­ti­ca do Para­guai. Esta espe­cial con­dição – de reli­gio­so com a mis­são de evan­ge­li­zar e civi­li­zar os indí­ge­nas – se mani­fes­ta­rá, sem dúvi­da, nas apre­ciações que fará das prá­ti­cas cura­ti­vas indígenas.

[81] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 366 (el resal­ta­do me pertenece).

[82] Sán­chez Labra­dor, 1771, Tomo IV, Livro III: 366.

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  Cómo citar ¬

Eliane Cristina Deckmann Fleck, «A medicina da conversão: apropriação e circulação de saberes e práticas de cura (Província Jesuítica do Paraguay, século XVIII)», Revista de Estudios Marítimos y Sociales [En línea], publicado el [insert_php] echo get_the_time('j \d\e\ F \d\e\ Y');[/insert_php], consultado el . URL: https://wp.me/P7xjsR-KO
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