A medicina da conversão: apropriação e circulação de saberes e práticas de cura
(Província Jesuítica do Paraguay, século XVIII)

The medicine of conversion: appropriation and circulation of knowledge and healing practices (Província Jesuítica of Paraguay, 18th century)

Eliane Cristina Deckmann Fleck*

Recibido: 30 de enero de 2017
Aceptado: 6 de abril de 2017

Resumen

Neste artigo, nos detemos no significativo processo de trocas culturais que caracterizou o convívio entre indígenas e missionários jesuítas nas reduções instaladas pelos religiosos da Companhia de Jesus na Província Jesuítica do Paraguay, a partir da análise de libros de medicina produzidos nas duas primeiras décadas do século XVIII, tais como os atribuídos aos irmãos Pedro de Montenegro e Marcos Villoda, e de obras de História Natural, como o Paraguay Natural Ilustrado, do padre José Sánchez Labrador, escrito entre 1771-1776. Destacamos e discutimos os procedimentos terapêuticos adotados pelos missionários e a produção intelectual resultante tanto de seu empenho em assegurar a cura das almas e dos corpos enfermos, quanto da apropriação e da circulação de saberes e práticas de cura que foram por eles sistematizados. A análise considera, ainda, o papel desempenhado por informantes, enfermeiros e copistas indígenas e por religiosos da Companhia de Jesus na conformação de uma cultura científica na América platina, no século XVIII, evidenciada nos Receituários e Matérias Médicas, que circularam entre os colégios e reduções da Ordem, e nas obras de História Natural que foram escritas, em especial, durante o exílio, a partir das experiências vividas nas terras de missão na América.

Palavras-chave: Companhia de Jesus – Província Jesuítica do Paraguai – Artes de Curar – Apropriação e Circulação de Saberes – Trocas interculturais

Abstract

In this article, we consider the significant process of cultural exchange that characterized the relationship between indigenous peoples and Jesuit missionaries in the reductions founded by religious men of the Company of Jesus in the Província Jesuítica of Paraguay. This is done through the analysis of libros de medicina produced in the first two decades of the 18th century, such as the ones attributed to Brothers Pedro de Montenegro and Marcos Villoda, and of works of Natural History, such as Paraguay Natural Ilustrado, by priest José Sánchez Labrador, written between 1771 and 1776. We highlight and discuss the therapeutic procedures adopted by the missionaries as well as the intellectual production resulting from their effort to ensure the healing of the souls and infirm bodies, as well as from the appropriation and circulation of knowledge and healing practices that they systematized. This analysis also considers the role played by indigenous informants, nurses and scribes as well as by religious men of the Company of Jesus in the conformation of a scientific culture in Latin America, in the 18th century, as evidenced in the Receituários and Matérias Médicas, that circulated among colleges and reductions of the Order, and in the works of Natural History that were written during exile, based on the experiences shared in the mission lands in America.

Key words: Company of Jesus – Província Jesuítica of Paraguay – Healing Arts – Appropriation and Circulation of Knowledge – Intercultural exchanges

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Em busca da saúde das almas e dos corpos: dos experimentalismos aos libros de medicina[1]

Apesar da significativa produção dos jesuítas sobre a natureza e os costumes das gentes do Novo Mundo, poucos foram os historiadores que se dedicaram a analisá-los levando em conta seu papel na história intelectual do Renascimento e dos inícios do período moderno. Historiadores como Di Liscia [2002], Millones Figueroa; Ledezma [2005], Del Valle [2009] e Asúa [2010] se inscrevem em uma vertente historiográfica recente de reavaliação da atuação dos jesuítas na construção da chamada ciência moderna, destacando o papel que desempenharam na criação de redes de conhecimento e na formação de uma epistemologia particular no século XVIII. Em seus trabalhos enfatizam, sobretudo, a importância dos colégios da Companhia de Jesus instalados nas várias regiões em que seus membros atuaram, para a circulação de saberes e a prática de experimentalismos, dos quais resultou tanto a validação, quanto a contestação de práticas e saberes consagrados na Europa.[2]

Alguns membros da Companhia, a despeito de uma assimilação seletiva de ideias caras à Ilustração, produziram notável conhecimento científico baseado na observação e na experiência e fundamentado no produtivo diálogo que mantiveram com a ciência e a filosofia modernas. Esta singular posição se traduziu no expressivo número de obras escritas por integrantes da Ordem, tais como as “Historias Naturales” e as “Materias Medicas”, cuja análise permite a reconstituição do conhecimento científico por ela apropriado, difundido e produzido ao longo do século XVII e na primeira metade do século XVIII.[3] Para além desta peculiar condição da Companhia de Jesus, e dadas as condições em que se deu o avanço colonial sobre as terras americanas, somadas à personalidade e aos talentos de cada missionário e ao isolamento a que muitos deles estiveram sujeitos, é preciso, também, considerar que muitos destes registros sofreram inegáveis influências das experiências vividas e das trocas interculturais que estes padres e irmãos vivenciaram.[4]

Esta dupla constatação parece justificar a proposição de estudos sobre o destino dado aos manuscritos (sobretudo daqueles que ainda se mantém inéditos, como é o caso do Tratado de Cirugía e o Paraguay Natural Ilustrado) redigidos por padres e irmãos da Ordem, nos séculos XVII e XVIII, e aos acervos das bibliotecas jesuíticas logo após a expulsão da Companhia de Jesus da América hispânica, em 1767. Uma análise dos inventários dos bens da Ordem, por exemplo, nos revela a presença de livros, medicamentos, utensílios e instrumentos nos colégios e reduções da Companhia de Jesus na América platina, revelando que eles foram, por excelência, espaços de circulação de ideias – mediante a formação de redes de conhecimento – e de experimentalismos, que promoveram tanto a criação, quanto a validação de práticas e saberes.[5] Estes dados revelam que em muitos desses colégios e reduções da Ordem, encontraremos pensadores – como proposto pelo historiador equatoriano Cañizares Esguerra – que, apesar de habitarem regiões marginais no cenário intelectual do período – áreas consideradas apenas e tradicionalmente como receptoras de conhecimentos produzidos em outras partes do mundo –, foram decisivos na construção de determinados conhecimentos.

Desde a primeira década do século XVII, muitos dos missionários jesuítas enviados à América, preocupados em melhor atender os doentes (para assegurar a saúde das almas e dos corpos), dedicaram-se à coleta e a experimentos com plantas nativas existentes nas imediações dos colégios e das reduções em que atuavam. A existência de enfermarias e de hospitais, bem como de herbários e boticas nos colégios e nas reduções jesuíticas, pode ser constatada nas Cartas Ânuas, que referem tanto a aplicação, quanto a produção e a circulação de conhecimentos médicos e farmacêuticos, visando ao combate das epidemias que atingiam indistintamente indígenas e europeus e ao atendimento dos doentes que buscavam os remédios e o consolo espiritual que somente os padres poderiam lhes dar.[6] Desta preocupação em melhor atender os doentes resultaram algumas iniciativas de coleta e de experimentos com plantas existentes nas imediações dos colégios e das reduções e investimentos feitos na aquisição de receituários e de obras de medicina e cirurgia.

Contando com a colaboração de indígenas, que desempenharam ativamente os papeis de informantes, enfermeiros, parteiras e, também, de copistas, irmãos e padres jesuítas – como Pedro de Montenegro e Segismund Asperger – instalaram herbários e boticas, sistematizaram e fizeram circular saberes e práticas, através da intensa correspondência que mantiveram entre si ou das cópias de tratados e receituários que fizeram circular entre as reduções e os colégios das Províncias Jesuíticas da América platina e aqueles instalados na Europa – em especial, com a farmácia do Colégio Romano – e também no Oriente. Algumas boticas – como a do Colégio San Pablo, de Lima – transformaram-se, com o passar do tempo, em centro de referência, enviando medicamentos – como o bezoar peruano, a ambrosia mexicana e a quina – para estabelecimentos da Companhia de Jesus no Chile, Paraguai, Argentina, Equador, Panamá e no Velho Mundo, atestando a intensa circulação de saberes, medicamentos e práticas curativas.[7]

São inúmeras as referências nas Cartas Ânuas a obras clássicas de Medicina e a Tratados de Cirurgia, as quais, com certeza, deviam integrar os acervos das bibliotecas de algumas Reduções e de alguns Colégios jesuíticos, com destaque para a Farmacopea, de Palácios; Opera Medica de Hotosmani; dois tomos médicos de Carlos Muretano; Opera Medica e Diccionario Medico, de Ribera; Cirugía, de Robledo; Postemas, de López; Medicina, de Guadalupe; Cirugía, de Vigo; Farmacopea Matricense; Farmacopea, de Ceci, e Opera Medica, de Syderas. Vale ressaltar que havia um Catálogo dos livros que podiam ser vendidos e enviados às chamadas Indias Ocidentales e no qual constavam obras como Disputaciones de Medicina, de Garcia; De Corpore humana, de Valverde; Cirugía, de Redondo; De morbo galico, de Duarte Madeira; Cirugía, de Borbon, bem como o Promptuario, de Remigio e o Promptuario, de Salazar.

Sabe-se que a Biblioteca da Universidade de Córdoba contava com obras como Tesoro de Medicina, de Egidio de Villalón; Cirugía Universal, de Calvo; El Tratado de todas las enfermedades, de Francisco Diaz; Tratado de Medicina, de Juan Amato e Los Principios de Cirugía, de Ayala. O Inventário da botica deste mesmo colégio – realizado em fevereiro de 1768, portanto, logo após a expulsão da Companhia de Jesus dos territórios de domínio espanhol – parece confirmar esta afirmação, ao relacionar “‘vinos’, ungüentos, lameadores, aceites, esencias, ‘espíritus’, bálsamos, tinturas y elixires, sal volátil, emplastos, ‘confecciones’, preparaciones y polvos, píldoras, polvos cordiales, harinas, raíces, gomas, suecos, flores y aguas”. Ao lado de preparados à base de nitro-ácido e amoníaco, como os ‘vinos’ e de águas, como a rosada, de melissa e de canela, encontravam-se os polvos extraídos da ipecacuanha, planta medicinal americana.[8]

As menções feitas pelo irmão jesuíta Pedro de Montenegro a Riveiro, a Pedro Andrés Mathiolo, a Andrés de Laguna e a Dioscórides e a aplicação de alguns de seus pressupostos, especialmente, nos três primeiros capítulos da Materia Medica Misionera, parecem confirmar o acesso e a leitura destas obras médicas de referência pelos jesuítas em missão na América. Mas é preciso destacar a importância de outros membros da Companhia de Jesus para a história da botânica americana, tais como os padres Florián Paucke, Martín Dobrizhoffer e José Sánchez Labrador, que aportaram valiosos conhecimentos sobre a flora do continente americano nas obras que produziram.[9]

Para além do vasto conjunto de fontes documentais produzidas pela própria Companhia de Jesus, os investigadores têm podido contar também com documentos escritos em língua indígena. O começo do que poderíamos denominar de literatura em guarani coincide com a fase inicial do trabalho apostólico, pois a catequese exigiu a tradução de catecismos, orações e sermões para a língua dos nativos. A esta produção dirigida essencialmente à conversão, se somariam, no século XVII e XVIII, as cópias de receituários e de libros de medicina e, muito especialmente no Setecentos, outros gêneros de escritos indígenas, tais como cartas, atas de cabildos e narrativas históricas. Nos últimos anos, historiadores e antropólogos, como Ganson [2003], Neumann [2005, 2007] e Wilde [2014a; 2014b] têm se debruçado sobre estas fontes indígenas em guarani, com o propósito de interpretar o processo colonial e reducional desde uma “perspectiva dos indígenas” Eles, contudo, têm suas investigações condicionadas tanto à tradução destas fontes para o espanhol ou para o português, quanto ao acesso facilitado a esta documentação – que se encontra em arquivos europeus ou latino-americanos – cuja quantidade e qualidade já foram reconhecidas por renomados historiadores como Pastells [1912; 1933], Furlong [1948; 1953] e Melià [1992; 2006].

Dentre estes novos e valiosos manuscritos em guarani se encontram os recentemente descobertos por investigadores da Universidad de Kiel [Thun; Cerno; Obermeier 2015], que têm recorrido à tipologia de Harald Thun sobre as práticas de escritura em guarani [Thun 2002; 2015], para quem a participação do indígena no processo da escritura apresenta duas etapas: a primeira seria de uma escritura “guiada e controlada”, na qual o índio escreve sob a iniciativa e o controle de um padre da Companhia de Jesus, e a segunda seria a da “liberação da escritura”, que tem relação com as cartas indígenas da época do Tratado de Madri [1750] e das guerras guaraníticas [1754-1756] já analisadas por Eduardo Neumann [2005].

Sabe-se que os libros de medicina manuscritos circulavam de redução em redução, sob a forma de cadernos, sem especificação de seu autor, e, ainda, que estes cadernos eram copiados para que as receitas não se perdessem.[10] Um deles, denominado Manuscrito de São Borja[11] – supostamente do século XVIII, pela forma de sua escritura -, contém procedimentos e receitas para afecções do estômago e também para o parto e o puerpério, com destaque para os transtornos que costumavam se apresentar nesta fase crítica para o recém-nascido. A circulação deste manuscrito mostra a clara intenção, assim como também pudemos perceber na Materia Medica Misionera, escrita pelo irmão jesuíta Pedro Montenegro, de colocar estes saberes relacionados às artes de curar à disposição dos índios concentrados nas reduções.

Além deste manuscrito, a Biblioteca Nacional de Madrid (BNM) conta com uma versão do Libro de medicina en lengua guarani, denominado de Ms. B. N. Madrid, que, segundo a linguista Angélica Otazú Melgarejo [2014], circulou junto a um manuscrito de Gregorio López (1542-1596).[12] Otazú refere a existência de uma outra versão deste mesmo manuscrito, sob o título Pojhã Ñana[13] – redigido quase inteiramente em guarani e atribuído ao irmão jesuíta Marcos Villodas – na Wellcome Library de Londres, razão pela qual é denominado de Ms. W. L. Londres.[14] O Manuscrito Villodas, como também é conhecido, se constitui, segundo a pesquisadora paraguaia, em um dos poucos no qual o missionário revela que aprendeu – com os indígenas guaranis – algumas práticas médicas e, sobretudo, formas de diagnosticar doenças, o tipo e a duração do tratamento, bem como uma classificação das plantas medicinais. O texto traz ao final, escrita a lápis, a seguinte anotação: “Este ‘Códice Villodas’ es el único manuscrito médico guaraní conocido y se refiere a las propiedades terapéuticas de las plantas de las misiones jesuíticas en el Paraguay. El padre Furlong, S.J. no llegó a verle. Procede de la colección de Moisés S. Bertoni, Asunción, Paraguay, y fue adquirido del prf. Guillermo Tell Bertoni en Asunción, el 5 de mayo 1957.”[15]

Para Angélica Otazú, as versões do Manuscrito Villodas são, juntamente com Manuscrito de São Borja, de importância fundamental não somente para a História da Medicina americana, mas porque supõe a colaboração e a participação de enfermeiros guaranis nos ofícios de prevenir e curar enfermidades. Otazú, contudo, alerta que “uno de los inconvenientes para analizar el Ms. Londres es el difícil acceso al guaraní clásico o el guaraní que se empleaba en las Reducciones”,[16] o que parece explicar os poucos estudos realizados sobre o manuscrito atribuído a Marcos Villodas, salvo os de Carmen Sánchez Téllez [1990] e de Sabine Anagnostou [2005].

Neste artigo, compartilhamos os resultados de uma investigação sobre a produção científica de jesuítas que atuaram na América platina no Setecentos, privilegiando a análise da Matéria Medica Misionera e do Libro de Cirugía, escritos pelo irmão Pedro Montenegro, em 1710 e 1725, respectivamente, do manuscrito “Pojhã Ñana”, de 1725, cuja autoria é atribuída ao também irmão Marcos Villodas, e, ainda, do manuscrito Paraguay Natural Ilustrado, escrito entre 1771 e 1776, pelo padre jesuíta José Sánchez Labrador. Mais do que constatar a influência exercida pelas teorias médicas vigentes na Europa nas obras destes missionários jesuítas, interessa-nos também apresentar evidências da apropriação, difusão e circulação de saberes e procedimentos terapêuticos.

A Materia Medica Misionera e o Libro de Cirugía do irmão jesuíta Pedro Montenegro

Escrita em 1710, a Materia Medica Misionera tem 458 páginas, além de 148 desenhos de plantas feitos à mão, e conta em seu frontispício com uma imagem de Nossa Senhora das Dores, padroeira dos doentes. Sabe-se da existência de dois manuscritos originais, isto é, datados de 1710. Um deles se encontra na Biblioteca de Buenos Aires e do qual se originaram cinco versões impressas. A primeira versão impressa foi publicada em 1888, por Ricardo Trelles, na Revista Patriótica Del Pasado Argentino,[17] a segunda, em formato digital, disponível na Biblioteca Virtual del Paraguai,[18] e a terceira, em uma edição recente, do ano de 2009.[19] Localizamos, também, uma versão na Biblioteca Digital da Espanha, que data de 1710 e que acreditamos tratar-se do original. Sabe-se que uma cópia do texto original de Pedro de Montenegro – Libro primeiro de la propiedad y birtudes de los arboles i plantas de las misiones y províncias de Tucumán con algunas del Brasil y del Oriente – se encontra guardado na Biblioteca Nacional de Madri.[20]

Existe, ainda, uma cópia manuscrita da Materia Medica Misionera, com data de 1790, que se encontra disponível no Arquivo do Instituto Anchietano de Pesquisas da UNISINOS. Este manuscrito não conta com os desenhos presentes no original, e, ao que tudo indica, foi copiado por uma pessoa pouco letrada, haja vista as incorreções gramaticais, como observado pelo padre Bartolomeu Melià, em anotação feita à mão no frontispício com data de 1986: “El presente manuscrito parece ser de la época y está escrito por quien no domina la lengua castellana, y asi podría ser un índio misionero”.[21]

Sobre seu autor, Pedro de Montenegro, sabe-se que nasceu na Galícia, em maio de 1663 e, ainda jovem – provavelmente, em 1679 –, iniciou seus estudos de medicina no “Hospital General de Madrid”, tendo ingressado na Companhia de Jesus em abril de 1691. No Catálogo da Província do ano de 1703, consta que o irmão Montenegro “(…) había hecho los últimos votos el 25 de abril de 1703, que se allaba en las Misiones del Rio Paraná, que sus fuerzas físicas eran ‘débiles’ y su oficio era el de cirujano (Chirurgus).”[22] Considerando a formação que Pedro de Montenegro teve na Espanha e os procedimentos terapêuticos empregados pelos médicos e cirurgiões à época – que previam sangrias, ingestão de ervas medicinais, fricções, aplicação de ventosas e emplastros com os mais variados ingredientes e cataplasmas, bem como amputações e correções de desvios ósseos – e o ofício de cirurgião a ele atribuído no Catálogo, pode-se inferir quais as atividades que viria a desempenhar nas missões da Companhia de Jesus na América.[23]

As versões manuscritas e impressas do tratado Materia Médica Misionera, do irmão jesuíta Pedro de Montenegro – um dos manuscritos de medicina que circularam entre as reduções e colégios da Ordem na América platina ao longo do século XVIII e mesmo no posterior – já foram analisadas por vários pesquisadores. Apesar da contestação da autoria da obra, com destaque para a posição assumida pelo médico argentino Pedro Arata [1898], outros padres jesuítas, como Pedro Lozano [1733] e José Sánchez Labrador [1910], se encarregaram de assegurar a Pedro Montenegro a condição de principal autor de receituários de botânica médica da Companhia de Jesus no século XVIII.[24]

Na Materia Medica Misionera, encontramos registradas informações sobre aqueles que Montenegro denominou de “estos pobres índios”, aqueles que se encontravam sujeitos ao atendimento prestado por “médicos curanderos y curandeiras” [Montenegro 1945: Prólogo]. Contudo, à medida que avançamos nos capítulos da obra, os saberes indígenas, sobretudo sobre plantas medicinais e práticas curativas, assumem destacada importância, nem sempre reconhecida pelo irmão jesuíta, que prefere associá-los à providência divina. A manutenção de determinadas práticas curativas tradicionais nas reduções e o papel desempenhado por indígenas – como informantes ou enfermeiros, ou mesmo, como curandeiros – ficam também evidentes na correspondência trocada entre os missionários e encaminhada ao Padre Geral da Companhia de Jesus, como procuramos demonstrar neste artigo.

Para Montenegro, tanto a natureza, quanto os conhecimentos indígenas sobre ela são percebidos como intervenção do Criador – que agia de diferentes maneiras para garantir sua utilização “como sustento y medicina”, como se pode constatar nas passagens relativas ao uso da erva mate, que “en estos paises del Paraguay, y Misiones (…) la enseñó Santo Thomé á los Indios”, e cujas propriedades conducentes seriam bem superiores às do cacau do Oriente [Montenegro 1945: 4]. A utilização da erva mate pelos indígenas era, desta forma, legitimada em função da passagem do apóstolo São Tomé pela América, ocasião em que lhes ensinou a viver como cristãos civilizados e pregou sobre a “verdadeira religião”.

Em outros momentos, a justificativa dada pelo jesuíta para a aceitação dos saberes indígenas estava ligada à condição e à conduta do informante. Ao falar sobre a planta altocigo, Montenegro ressalta várias de suas qualidades – provenientes de seu amargor – e sua aplicação em doenças nos olhos decorrentes de fraquezas no cérebro, acrescentando que havia tomado contato com esta planta através de um índio cristão muito qualificado, chamado Clemente, “cierto Curuzúyara ó medico, el mas périto que en estas Misiones he hallado”. Na referência que faz às qualidades da raiz do Caápari guazú, empregada com sucesso nas epidemias de “camaras de sangre”, Montenegro afirma que, apesar de nunca ter feito experiências com a planta, dava algum crédito à informação por ter sido dada por “un capáz y buen cristiano llamado Clemente” [Montenegro 1945: 314].

A confiança depositada nas informações dadas pelo “capaz¸ buen cristiano e el más perito” – o informante indígena Clemente – parece apontar para a associação que Montenegro faz entre conversão e conhecimento, como se pode constatar em outra passagem na qual, ao descrever os usos possíveis da planta yacaré caá,[25] ele destaca que os indígenas costumavam buscá-la para neutralizar venenos de diversos animais e que “así me la dió a conocer cierto Indio viejo, el más expedito que he hallado en estas Misiones en el conocimiento de las yerbas, y su aplicación” [Montenegro 1945:118] Mostrou-se, também, atento aos efeitos do consumo do guembé[26] sobre certos animais:[27]

…hasta los gatos madrugan á hurtar su fruto, siendo de complesion tan calientes y secos como son los cuales; á pocos dias que lo han comido arman unos con otros graves y sangrientas pendencias, despues de las cuales he observado se bán secando y pelando, de suerte que vienen á morir á los cuatro ó cinco meses, y conozco es la causa el faltarles agua despues de haberlos comido [Montenegro, 1945:205].

As referências feitas aos conhecimentos dos nativos, sobretudo em relação à aplicação de plantas medicinais no tratamento de doenças acabam por revelar a atuação dos “médicos índios” pelo irmão jesuíta, como fica evidenciado nesta passagem, em que, ao descrever as propriedades do bejuco, Montenegro ressalta ter recebido informações de “varios medicos Indios los más capaces”, o que aponta para o relevante papel desempenhado pelos informantes indígenas na elaboração da Materia Médica Misionera.[28] Na descrição que faz de algumas das plantas, Montenegro acrescentará a informação de que elas podiam ser encontradas em “huertas y chacaras de los Indios”, o que sugere – além de se tratar de um recurso terapêutico tradicional entre os indígenas – a continuidade de seu emprego nas reduções jesuíticas (Montenegro, 1945: 209).

A identificação das plantas em guarani – e também em tupi – parece atestar a importância que Montenegro dava ao conhecimento que os indígenas tinham sobre a localização e sobre as propriedades curativas das plantas nativas, bem como a sua preocupação em garantir que os leitores da Materia Medica Misionera – padres que se encontravam em outras reduções, colégios ou residências jesuíticas – pudessem contar com a ajuda de indígenas – informantes ou enfermeiros – para sua utilização como remédio em determinadas situações. Além disso, é preciso considerar que, apesar do relativo isolamento e das longas distâncias, padres, indígenas e informações circulavam entre as diferentes regiões da América onde a Companhia de Jesus atuava, como se depreende desta passagem em que Montenegro refere os usos da copayba pelos índios Tupis: “Me he informado de los Portugueses, y Tupis, que en el Brasil lo han sacado, y dicen, que hay arbolea muy gruesos, y en tierra pingüe, que en quince dias llenan dos calabazos, como dos frascos, y más, de los nuestros de á dos cuartillos de medida mayor”.[29] Ou, então, na referência feita ao uso do Macaguá isipo no tratamento de mordidas de víboras que, segundo Montenegro, lhe havia sido ensinado por um índio Tupi instalado no povoado de San Borja, que “se vino de la Ciudad de San Gabriel huido, según me han dicho” [Montenegro 1945: 101].

A cópia manuscrita do tratado Materia Medica Misionera, com data de 1790, que localizamos no Arquivo do Instituto Anchietano de Pesquisas da Unisinos, parece confirmar a circulação de cópias de obras desta natureza entre os diferentes espaços de atuação da Companhia de Jesus. De acordo com o historiador Eduardo Neumann, o domínio do alfabeto pelos indígenas foi uma decorrência da catequese, que permitiu que atingissem notável destreza nas práticas letradas, participando diretamente na elaboração de vocabulários, catecismos, gramáticas e na reprodução (cópias) de obras que passavam a circular entre os colégios e as reduções.[30]

Heloísa Gesteira, por sua vez, defende que estes textos eram copiados (pelos próprios missionários ou, então, por copistas indígenas), sendo distribuídos e compartilhados pelos inacianos instalados em várias regiões atendidas pela Companhia de Jesus (daí, trazer os nomes das espécies de plantas em espanhol, tupi e guarani), conformando uma “rede de troca de experiências e de informações” e um “processo de cosmopolitização das práticas médicas, que, por sua vez, era acompanhada por um processo de experimentação, cultivo e disseminação de plantas”.

Encarregados das cópias de cartilhas com orientações para evitar o contágio, de fórmulas de medicamentos e de obras de medicina, muitos destes indígenas copistas não somente favoreceram a troca e a disseminação de uma série de saberes e práticas de cura entre as distintas e distantes terras de missão da Companhia de Jesus. Também a engenhosidade indígena foi registrada por Montenegro, como se pode constatar na descrição que faz da aplicação da planta “vivora de Tarija”.[31] O irmão jesuíta informa que, inicialmente, suas propriedades eram conhecidas apenas por um espanhol, que não as revelava por “el interéz que le corria”. O segredo, no entanto, acabou sendo revelado por um indígena – um caridoso cristão – que, muito perspicaz, observou-o – à distância – colher determinada erva após ser picado por uma cobra:

...al punto corrió á un vallecito de un arroyuelo, y un Indio tráz de él, vió que cojió esta yerba, la mascó y aplicó á la herida, y mascando mas tragó el zumo. Dicho Indio fué mas Cristiano, por que luego comunicó el secreto á un su compañero, y de aquí resultó el descubrimiento para conocer su preciosa virtud, y aquel secreto del codicioso europeo. Esto me lo contó dicho Pe. Tomas Moreno” [Montenegro 1945: 83-84].

Montenegro registra, também, as incursões que fazia – acompanhado de indígenas – em busca de determinadas plantas que, por serem provenientes do Oriente, eram tidas como raras, tanto nos herbários, quanto nas boticas europeias:

...pero viendo que le faltaba lo agudo y aromático que pide el verdadero esquinanto la arrojé, fiando del Todo Poderoso lo hallaría, y no me engañé, porque estando un día de gran Sol á la orilla de cierto arroyo á la sombra, á donde me guarnecí del cansancio del largo camino que traía, me lo deparo el Todo Poderoso, por medio del olfato, y en fin después de varias diligencias mías, y de tres Indios que venían en mi compañía, registrando arboles, y mato de alrededor, hice reparo, que en sentándome en tierra por lo cual me puse á buscar entre las yerbas y pasto el tal olor, cuando el uno de los Indios me dijo: este es Capiî-cati. Dije le, si, (…) esto es lo que buscaba: saqué sus raíces, y hallé por olor y gusto el verdadero esquinanto, de lo cual mucho me alegré”.

Como podemos constatar, mesmo tratando-se de um manuscrito de medicina, a Materia Medica Misionera parece comprovar não apenas a circulação de medicamentos e conhecimentos entre os jesuítas – através das cópias de tratados e receituários e da intensa correspondência que entre si mantiveram – como também a interação de indígenas e missionários, como evidenciado no relato feito pelo irmão jesuíta Montenegro – que, depois de muito procurar, encontrará o “verdadero esquinanto” com a ajuda de um indígena – e que aponta para as trocas culturais entre saberes e práticas de cura.[32]

As várias espécies referidas por Montenegro e, não exclusivamente suas distintas denominações, estão, com certeza, associadas às ecorregiões em que os colégios e as reduções jesuíticas se encontravam instaladas. Na ecorregião do Chaco Seco, encontramos o Colégio de Santiago del Estero e o Colégio de La Rioja. Este último se encontra instalado muito próximo da ecorregião Monte de Sierras e Bolsones que, devido às poucas precipitações, é muito árida. Na região mais a noroeste da atual Argentina, encontramos o Colégio de Tucumán e o Colégio de Salta, instalados em um território com condições climáticas mais favoráveis, pois adentravam a ecorregião denominada Selvas de las Yungas, que se caracteriza por precipitações mais frequentes, que favorecem uma flora e uma fauna mais diversa. Já o Colégio de Corrientes se encontrava em uma região com áreas sujeitas a inundações, típicas da ecorregião Esteros del Ibera, e muito próximo do Chaco Úmido e Delta do Paraná. Na região central, temos o Colégio de Córdoba – onde Montenegro completou sua formação e atuou como boticário –, que se localizava na ecorregião do Espinal, caracterizada pela sua aridez. O Colégio de Mendoza, por sua vez, se encontrava em uma região ainda mais inóspita, abarcada pelas ecorregiões Monte de Llanuras y Mesetas e da Estepa Patagonica. Já as reduções em que o irmão jesuíta atuou – a de Apóstoles e a de Mártires –, se encontravam na região de Missiones (região também denominada de Selva Misionera ou Paranaense), que se caracteriza pelas chuvas abundantes e pela sua biodiversidade, e que, além do território da atual Argentina, se estendia às regiões orientais do Paraguai e também ao sul do Brasil. Sua atuação em reduções nesta região parece explicar a diversidade das espécies de plantas medicinais nativas que Montenegro coletou (em expedições que realizou acompanhado de indígenas já reduzidos), testou e descreveu na Materia Medica Misionera.

Para muitos historiadores, o Tratado de Cirugía,[33] de 1725, também foi escrito pelo irmão jesuíta Pedro Montenegro, autor da Materia Medica Misionera, de 1710. Em consulta ao verbete Pedro Montenegro do Diccionário Histórico de La Companía de Jesús, e Charles E. O’Neill e Joaquin Maria Dominguez, encontrei a seguinte informação: “Escribió libros de medicina en español y guaraní. Sus principales obras fueron ‘Materia Medica Misionera’ [1710], con 148 ilustraciones hechas por él mismo, y ‘Libro de Cirugía’ [1725], aún inédito, que se conserva en la biblioteca del convento franciscano de Catamarca (Argentina)” [O’neill; Dominguez 2001: 13-15].

Posicionando-se em relação à polêmica quanto à possibilidade de o “Libro de Cirugía” ter sido escrito por um frei franciscano – de nome Pacheco –, o historiador jesuíta Guillermo Furlong [1947: 74] afirmou que “Montenegro es el indiscutido autor de la tan zarandeada Materia Medica Misionera pero, a nuestro parecer, es el igualmente el autor del ‘Libro de Cirugía’ que, en 1916, dio a conocer el doctor Félix Garzón Maceda en magna y eruditísima historia de la “Medicina en Córdoba”.[34] O texto do Prólogo da obra evidencia que seu autor recorreu a “autores clásicos y que son doctos para la Medicina” e que seu maior propósito era o “de reunir en un Cuerpo, lo que no he podido hallar en libro alguno, cuanto es preciso teniendo que caminar continuamente y por diversas partes; no podiendo llevar muchos libros que me hallaba falto” [Montenegro apud Acerbi Cremades 1999: 19]. O Libro de Cirugía, segundo Garzón Maceda, possui nove capítulos:

1 Capítulo: Dispensário Médico, conteniendo diferentes fórmulas magistrales de medicamentos, para ser administrados por via oral o em aplicaciones externas; 2 Capítulo: Anatomía del cuerpo humano; 3 Capítulo: El tratado de sangrar; 4 Capítulo: enfermedades de la cabeza; 5 Capítulo: Enfermedades del pecho; 6 Capítulo: Enfermedades de la cavidad abdominal; 7 Capítulo: Enfermedades de las Mujeres; 8 Capítulo: Tratado de las Fiebres; 9 Capítulo: Tratado sobre el pulso: orina y crisis. Algunos tratamientos quirúrgicos; medidas para curar el ‘morbo gálico’ y el Escorbuto. Se Cierra el Tratado de los Pronósticos con tablas que muestan la complexión y aspecto de los siete planetas y los doce signos celestes, entre los cuales está la luna y los dias más convenientes para evacuar los humores, por medio de las sangrias o purgantes. (…) Es lo más completo que ha circulado y lo de mayor mérito que puede hallarse entre los códices médicos coloniales que han llegado hasta nosotros [Garzón Maceda in: Acerbi Cremades 1999: 19].

Considerando a formação que Montenegro teve como aprendiz no Hospital General de Madrid e os procedimentos terapêuticos empregados pelos médicos e cirurgiões à época – que previam sangrias, ingestão de ervas medicinais, fricções, aplicação de ventosas e emplastros com os mais variados ingredientes e cataplasmas, bem como amputações e correções de desvios ósseos – e o ofício a ele atribuído no Catálogo – o de cirurgião –, pode-se inferir quais as atividades que viria a desempenhar nas missões da Companhia de Jesus na América.

Acreditamos que Montenegro pôde, efetivamente, exercer tanto as funções de boticário, de “enfermero” e de cirurgião, pois adquiriu junto ao Hospital Geral de Madri “amplia práctica tanto médica como quirúrgica y en farmacopea hispánica”. A esta “formación, empírica al parecer, pues no obtuvo nunca título de médico”, somou-se “un verdadero talento de observación, [que] le permitió adquirir un sólido conocimiento de nuestra aún desconocida botánica médica” [Mañé Garzon 1996: 231]. A atuação de irmãos jesuítas nesta função é confirmada por Pablo Pastells: “se señalaran enfermeros en cada pueblo y llevaran las medicinas ordinarias, como son: ventosas, lancetas, panos para hilar y vendar, sal, cuchillos para foguear, azufre, ajos, piedra de San Pablo, miel de abejas, 12 hamacas, por lo menos, para los enfermos” [Pastells 1912, Tomo I: 287]. Além disso, de acordo com Martin e Valverde [1985: 355] o irmão Montenegro “fue nombrado cirujano de los pueblos e San Borja, San Miguel de la Candelaria y del Ytapuã en 1705”, segundo consta em documento publicado em Pastells [1933].

A menos documentada das três atividades que Montenegro desempenhou é, sem dúvida, a de “cirujano (chirurgus)”. Sabe-se que Montenegro participou dos conflitos decorrentes da disputa pela Colônia de Sacramento entre portugueses e espanhóis,[35] e que

...en 1705 volvemos a tener noticias de él; esta vez en un certificado extendido por el capitán de coraceros Andrés Gómez de la Quintana, en ocasión del sitio de la Colonia del Sacramento, para cuya empresa los jesuitas armaron y condujeron un ejército de 4.000 indios guaraníes, donde venía, ‘como cirujano para curar heridos’, junto con otros religiosos, el hermano Montenegro [Bauzá 1895, Tomo I: 551].[36]

Além deste documento oficial,[37] que refere a sua participação como cirurgião junto a uma milícia de soldados indígenas, algumas informações, apesar de mínimas, podem ser encontradas na Materia Medica Misionera, de 1710, como se pode constatar nesta passagem em que Montenegro refere o sucesso de um preparado à base da raiz de orozús: “Esto tengo con más de cuatro hecho la experiencia, que atravezados el pecho de lanzas y balas,[38] en las guerras que me hallé, que nadie pensaba que los tales pudiesen vivir 24 horas” [Montenegro 1945: 176]. Ou, então, nesta passagem na qual refere que combateu as “camaras de contagio” – “diarreas sanguinolentas causadas pelas “muchas lluvias; y poco abrigo, y no tener mas que carne, y aquella flaca” [Montenegro 1945: 110]. [39] – que haviam atingido os soldados com arrayán e arazá, plantas que nasciam em “abundancia sobre la Colonia de San Gabriel” [Montenegro 1945: 37].[40]

Também nas reduções, Montenegro parece ter convivido com situações que requeriam mais do que os conhecimentos próprios de um enfermeiro ou boticário, como esta em que um indígena teve “una dislocación, con grave contución del espinazo y rodilla de un Indio, que por recojer guabirás se cayó del arbol sobre piedras, quedando alli casi muerto”,[41] no entanto, ele afirma ter recorrido a um um bálsamo de Yuquírípeí, que “mitigó los dolores, y quitó la inflamacion en 24 horas.”[42] Em outra passagem, Montenegro ressalta os benefícios da utilização “del ungüento del Guní-elemí” – já referido por Andres Alcazar, médico e professor em Salamanca, autor de livros de cirurgia, com destaque para um deles, no qual aborda o tratamento de feridas na cabeça (1582)[43] –, que “es admirable en las heridas penetrantes del pecho y ventre, porque saca las materias y sangre de lo interno por la herida y el ardor de la llaga al mismo tiempo” e, também, nas “quebraduras de los huesos y graves contorciones oseas (…) como yo me he valido y me valgo de el.”[44]

O manuscrito Pojhã Ñaña, do irmão jesuíta Marcos Villodas

Sobre o autor do assim denominado Manuscrito Villodas, sabe-se que nasceu em 1º de maio de 1695, em Nanclares de Gamboa, Álava, País Basco, e que era jesuíta desde 1712. Villodas chegou a Buenos Aires em 1717, e entre 1724 até 1735 exerceu atividades nas “Misiones del Uruguay”, sendo que no ano de 1725 (ano da divulgação do manuscrito) se encontrava na redução de “Concepción”. Foi destinado depois à cidade de Córdoba de Tucumán, onde esteve encarregado da botica até 1739. Era tido como bom cirurgião, mas como boticário, “se falava mal dele porque além de ser mesquinho, não sabia nada de botica e trocava os remédios e receitas, segundo dizem” [Furlong 1947: 97]. Foi transferido da botica de Córdoba para Santa Fe, onde veio a falecer em 1741.

O manuscrito MS-Londres ou Pojhã Ñana[45], estudado por Otazú, está escrito em guarani, bastante legível, encadernado em pergaminho moderno, que mede 19,5 x 14,5 cm, com 59 folios ou 119 páginas. Os títulos se encontram numerados em números arábicos, com uma seqüência de f.1-f.205, mas o manuscrito não conta com 205 receitas. O texto apresenta três seções, sendo que a primeira traz trinta tratamentos para doenças, desde dores de cabeça até varíola; a segunda seção, terapias indicadas para mordidas de víboras e picadas de insetos, e tratamentos para certas afecções da pele, como chagas e feridas decorrentes de queimaduras. É nesta última seção do manuscrito que se encontram indicações de uso de certas plantas medicinais e instruções sobre seu preparo, além de uma tabela intitulada “Nombres de algunas plantas en guaraní y castellano”, na qual se encontram também orientações quanto à substituição de uma planta medicinal por outra quando fosse necessário. Em relação ao tratamento de enfermidades, o autor deste manuscrito descreve sintomas, oferece ao seu potencial leitor/usuário vários procedimentos terapêuticos,[46] indicando, ainda, tanto a duração dos tratamentos que deveriam ser adotados, quanto os cuidados que os pacientes deveriam tomar, por exemplo, em relação à alimentação durante a convalescença.[47]

O manuscrito, apesar de estar escrito em guarani, se caracteriza pelo emprego recorrente de certos hispanismos, o que pode ser constatado no emprego de medidas como onça, libra e peso real e, ainda, de ingredientes como “azucar”, “conserva”, “aguardiente”, “azufre”; nas referências feitas a recipientes como vaso e frasco, e, especialmente, a termos da anatomia humana, tais como “hígado” e “corazón”. É plausível supor que Pojhã Ñana tenha sido escrito tanto para orientar enfermeiros guaranis – ou àqueles indígenas que, por terem aprendido a ler e a escrever em guarani, poderiam vir a assumir esta função em alguma eventualidade –, [Peramás 2004: 77] quanto para subsidiar jesuítas enfermeiros, encarregados de cuidar de pacientes que falavam o guarani [Otazú Melgarejo 2014: 05].

Considerando que este manuscrito foi divulgado quinze anos depois daquele que Pedro Montenegro escreveu e que ele coincide com o ano de divulgação do Libro de Cirugía, atribuído também ao irmão jesuíta, é plausível supor que no Pojhã Ñana, do irmão Marcos Villodas, muitos dos diagnósticos, de princípios humoralistas,[48] das virtudes medicinais de certas plantas e a indicação de tratamentos tenham sua origem no “libro de medicina” escrito em 1710. As evidências da apropriação de saberes ou da reprodução de certas receitas[49] presentes na Materia Medica Misionera podem ser constatadas, por exemplo, nos procedimentos terapêuticos indicados para o tratamento de “llagas viejas”, uma vez que o irmão Villodas recomenda:

Hay varias formas de llagas viejas, las que afectan la parte interna del cuerpo, otras que producen hinchazón/inflamación en la carne y otras que afectan la piel, otras producen pequeños agujeros en la carne del paciente, y producen pus. (…) [Hay las] que afectan los nervios y otras que afectan hasta los huesos. (…) si se le aplica el cocimiento del zumo de tabaco mata rapidamente todo tipo de gusanos de la carne. Y para que sea más eficaz cocer con tabaco o vinagre, y que se lave correctamente el gusano de la llaga con orín (humano), cuantas veces sea necesario. [A la par se recomenda emplear el zumo de juapekã como brebaje] Que se le dé el siguiente remedio para que transpire su cuerpo, coger once o doce raíces de juapekã de una pulgada, diez raíces de tarope. Un puñado de kapi’i kati, además, un puñado de cardo santo. (…) [Deve-se] frotar adecuadamente todas las razíces y machacarlas. Y cocer debidamente con cardo santo, se le añadirá seis vasos de agua. Después sacar del fuego (…) y dejar reposar adecuadamente el cocimiento durante la noche, recalentarlo al amanecer. Y colar para extraer el zumo, luego colocarlo en un cántaro [Ms W. L. Londres f. 171, 39r en Otazú Melgarejo, 2014]. [50]

Na Materia Medica Misionera, o irmão jesuíta Montenegro recomenda que “Para curar llagas de las piernas (…) [deve-se] Mascar una oja de tabaco, y aplicarla sobre las llagas tambien las cura” [Montenegro 1945: 415]. Quanto ao uso medicinal do tabaco, ele observa:[51]

Hallanse en estas Misiones dos diversas especies de Tabaco; [el] mas fuerte y mas eficáz para el uso de medicinas, que piden ó se requieren movimiento violento (...) La yerba del Tabaco es tan alabada de los antiguos, que llegaron á llamar la yerba sagrada, otros, yerba santa. (...) Mata las lombrices y gusanos chatos, y otras cualquier sabandija que se cria en los cuerpos, por malos mantenimientos. Sus ojas secas mascadas muy bien, y aplicada[s] á las heridas, ó [p.] 350 /ó llagas sordidas y putridas, ó aquellas que ya hacen materia, las mundifica, y las cura, y lo mismo hace en las muy viejas y sucias [Montenegro 1945: 347; el resaltado me pertenece].

As virtudes medicinais do taropé, referidas por Villodas no Ms W. L. Londres, foram também destacadas por Montenegro na Materia Medica Misionera, de 1710:

El Taropé, ó contra yerba del Perú está lo mas de estas tierras muy abundante de ella, y casi todos los Indios la conocen (...) Tiene virtud potentisima contra las mordeduras de las fieras, que arrojan de si ponzoña fria, como es la vibora, culebra, aspid, ceraste, escuerzo, zapos, y semejantes. El cocimiento de dos dragmas de su raiz tomado caliente con un poco de miel de avejas, deshace los grumos de sangre estravenada en las cavidades del pecho y vientre (Montenegro, 1945: 109; el resaltado me pertenece).

Como se pode constatar, em ambos os libros de medicina (Materia Medica e Pojhã Ñana) tanto as enfermidades, quanto as terapêuticas e as plantas medicinas indicadas por suas virtudes se aproximam – e até se repetem – de forma muito significativa, o que nos leva a considerar plausível que os manuscritos que se seguiram àquele que originalmente Pedro Montenegro escreveu, procuraram reproduzi-las de forma que missionários e indígenas pudessem – de forma mais eficiente – contornar os efeitos de epidemias e outras enfermidades sobre as “nascentes cristandades”.

O Paraguay Natural Ilustrado do padre jesuíta José Sánchez Labrador

O último manuscrito que analisamos é o Paraguay Natural Ilustrado,[52] que foi escrito pelo padre José Sánchez Labrador, entre 1771-1776, durante seu exílio em Ravena, na Itália, portanto, após a expulsão da Companhia de Jesus dos domínios coloniais ibéricos. O manuscrito original encontra-se sob a guarda do Arquivo Romano da Sociedade de Jesus (ARSI), em Roma,[53] se subdivide em seis tomos – perfazendo um total de 1.852 páginas –, que reúnem informações sobre geografia, geologia, zoologia e botânica[54] da vasta região que compreendia a Província Jesuítica do Paraguay.

José Sánchez Labrador nasceu em La Guardia, cidade de La Mancha, no dia 19 de setembro de 1714 ou 1717. Ingressou na Companhia de Jesus em 5 de outubro de 1731, de acordo com Ruiz Moreno [1948], ou em 19 de setembro de 1732, segundo Sainz Ollero [1989]. Iniciou seus estudos de Filosofia no Colégio de Valladolid, interrompendo-os para viajar ao Rio da Prata em 1734, acompanhando o Padre Antonio Machoni. De 1734 a 1739, estudou Filosofia e Teologia na Universidade de Córdoba, concluindo sua formação no verão de 1739. Entre os anos de 1741 e 1744, atuou como professor na mesma cidade, dedicando-se, concomitantemente, aos estudos de História Natural.

Assim, como muitos outros padres e irmãos jesuítas que o precederam nas terras de missão americanas, Sánchez Labrador não dedicou-se, exclusivamente, à conversão dos indígenas, mas também ao estudo da fauna e da flora americana que observou nas diversas regiões da Província Jesuítica do Paraguai em que atuou como missionário. De acordo com alguns de seus biógrafos, entre 1747 e 1757, o padre jesuíta atuou junto às reduções de San Francisco Xavier, Santa Maria la Mayor, La Cruz, Santo Thomé e San José.[55] A partir de 1757, passou a atuar em Apóstoles (Santos Apóstolos ou Apóstolos São Pedro e São Pablo), tendo como companheiros os padres Lorenzo Ovando e Segismundo Asperger, este último, reconhecido por sua atuação como médico e boticário. Sabe-se que, dois anos depois, lecionou Teologia no Colégio de Assunção, e que no ano seguinte (1760), missionou entre índios Mbayás, Guanas e Guaranis, que, mais tarde, formariam a redução de Nuestra Señora de Belén.

Em seu compêndio da flora americana, constatamos o emprego de critérios de classificação próprios da botânica, tais como taxonomia, morfologia, anatomia e, também, aspectos etnobotânicos e relativos aos tratos culturais, que, até o momento, eram tratados isoladamente por outros cientistas. Isto fica evidente na afirmação que ele faz na abertura do Tomo de Botânica:

...no se trata qui de dar una Notícia ayuna, y enxuta de las Plantas del Paraguay, sino, en quanto se há podido, formar una Botanica de las que produce este País, considerado hasta ahora con casi, ningun cuidado, e empeno (...) Muchos auctores restringen la Botanica à solo el conocimiento de las Classes, Generos, y Especies de las Plantas; à su exterior forma, y la descripción de todas sus partes. Estoy de acuerdo, que su objeto comprehenda todo el Reyno de los vegetables, em todo sus estados, en todos sus usos, y em todos sus respectos [Sánchez Labrador 1772: Tomo II, Introdução, f. num. I].

Cada planta descrita por Labrador está precedida por descrições morfológicas e ecológicas, seguidas por informações sobre sua utilidade, além do seu método de obtenção e cultivo. Ao longo deste Tomo, o jesuíta apresenta uma série de advertências, objetivando o êxito na busca e no emprego de determinado vegetal. Dentre as plantas apresentadas, se encontra o cupay (Copaifera sp.), nome vernáculo atribuído a diversas espécies nativas, produtoras de óleos essenciais terapêuticos, que foram empregadas nas reduções jesuíticas na preparação de diversos bálsamos, úteis no tratamento tanto de lesões externas, quanto da varíola.

Para além das virtudes medicinais das plantas, padre Sánchez Labrador também sistematizou as propriedades terapêuticas das pedras bezoares.[56] O primeiro Livro da Terceira Parte da obra, intitulado Animais quadrúpedes, conta com um capítulo [o sétimo, intitulado De las Piedras Bezares], que trata, especificamente, das origens dos bezoares, das falsificações, das espécies existentes, de suas virtudes e de outros tipos dessas pedras. Vale observar que ao longo do quinto capítulo do terceiro Livro da Segunda Parte do Paraguay Natural Ilustrado, intitulado Los Arboles en Particular, o jesuíta também faz referências às virtudes medicinais das pedras bezoares e a sua utilização tanto por europeus e orientais, quanto pelos indígenas da Província Jesuítica do Paraguai. Nestes dois capítulos, o jesuíta ressalta que tanto o bezoar ocidental, quanto o bezoar oriental possuíam suas virtudes relacionadas com a quantidade de sal volátil alcalino e sulfúreo que continham, sendo também bastante oleosos e contribuindo para a limpeza dos ácidos do corpo. Por possuírem estas propriedades, os bezoares seriam diaforéticos, provocariam o suor, sendo bons contra os venenos, dissipando as vertigens da cabeça e as palpitações do coração, e matando as lombrigas.[57]

Padre Labrador dedicou-se, ainda, às virtudes medicinais dos insetos, apresentando seus empregos pelos grupos indígenas com os quais contatou na condição de missionário. É no Terceiro Livro da Quarta Parte da obra que o autor trata d “Os Insetos”, sendo que no último capítulo, aborda a utilidade dos insetos na Medicina, dentre os quais se encontram os escorpiões, as aranhas, os percevejos, os besouros, os grilos, as formigas, as moscas, os piolhos e as sanguessugas.[58] Interessante observar que na documentação jesuítica são recorrentes as menções a acidentes com animais venenosos, como serpentes, escorpiões e aranhas, que podem ser atribuídas tanto ao ambiente natural em que as reduções se estabeleceram, quanto a desordens climáticas, tais como secas ou enchentes, que podem ter favorecido a sua proliferação ou deslocamento para outras regiões. A propósito, dentre as plantas que o irmão Pedro Montenegro refere para uso específico em acidentes com animais peçonhentos, está o “taropé”, popularmente conhecida como “figueirilha”, pertencente à espécie Dorstenia brasiliensis Lam., e que, em trabalhos atuais, é referida por suas propriedades antiofídicas, diaforéticas e antifebris.

Segundo Sánchez Labrador, algumas regiões da Província Jesuítica do Paraguai, como a do Chaco, apresentavam clima muito quente e úmido, portanto, bastante propício para a proliferação de insetos. Estes “pequeños vivientes” estavam, segundo ele, presentes na água, no ar e na terra, adornados ou não com asas, possuindo sempre uma simetria em seu todo, razão pela qual suas partes demonstrariam a sabedoria do Auctor, numa referência ao Criador. O jesuíta classifica os insetos por famílias, distribuindo-as entre os que voam, os que se arrastam ou os que parecem que se arrastam. Entre essas famílias existiam, segundo ele, distinções quanto aos corpos dos insetos, que poderiam se constituir de anéis, nós, placas e outras divisões. Afirma, ainda, que os insetos, diferentemente de outros animais, não tinham reconhecidas suas virtudes terapêuticas, porque os médicos depreciavam estes “animalillos” por seu tamanho.[59]

Além das enfermidades para as quais eles seriam eficientes, o jesuíta se detém nas formas de preparo destes insetos para que fossem ingeridos como medicamentos. Cabe ressaltar que as indicações feitas pelo jesuíta Sánchez Labrador, assim como as feitas por outros homens de ciência do período, tanto na Europa, quanto na América, levam em consideração os pressupostos da teoria humoralista hipocrático-galênica[60], segundo a qual a saúde era assegurada pelo equilíbrio entre os humores que compunham o corpo humano. Percebe-se que Sánchez Labrador fundamenta o emprego terapêutico de certos insetos a partir de pressupostos da teoria humoralista, na medida em que o emprego da medicina dos contrários – o uso de contravenenos – leva o enfermo a expelir os excessos dos humores em desequilíbrio, através do sangue, das fezes, da urina, do vômito e de demais formas de excreção. A apropriação da teoria hipocrático-galênica fica também evidenciada em várias outras passagens, como na referência que o jesuíta faz à náusea provocada pela ingestão de piolhos, que consistiria, segundo ele, justamente, na maneira de o corpo eliminar a febre.

Como se pôde constatar, praticamente todos os insetos eram tostados, moídos ou secados com o intuito de serem reduzidos a pó. Este pó podia, posteriormente, ser ingerido com alguma água ou “licor conveniente”, sendo misturado ou cozido com vinho ou chicha ou, até mesmo, infundido em algum azeite. O padre jesuíta relata alguns outros curiosos usos de insetos, tais como o das abelhas, moscas e mosquitos como medicamento contra a calvície, e o do carrapato para que o cabelo caísse. Há, ainda, o registro do uso das antenas do besouro em partos difíceis, mas sem o detalhamento dos modos de preparo, e o emprego da cochonilha de grana por uma mulher que, muito adoentada e, querendo confessar-se, não mais conseguia falar. Neste caso, um pedaço da grana foi diluído em vinho morno, colocado em uma colher e inserido na boca da enferma, com grandes resultados.

Cerca de doze dentre os vinte e um insetos contemplados pelo jesuíta possuem sal volátil, enquanto onze contêm óleo. De forma geral, quase todos que possuem sal volátil e óleo são diuréticos e/ou diaforéticos, sendo que as doenças mais frequentes se relacionam com a retenção de urina ou a pedras nos rins e/ou na bexiga. Esta constatação, que precisa ser estudada mais detidamente, parece apontar para a alta incidência destas enfermidades entre os grupos indígenas contatados ou observados pelo missionário jesuíta, e que podem estar relacionadas com mudanças nos hábitos alimentares, mais especificamente, do consumo de sal ou de açúcar, após a intensificação do contato com os europeus[61].

É importante lembrar que, ao longo das mais de trezentos e setenta páginas deste livro, Sánchez Labrador recorre a vários autores europeus para legitimar suas afirmações e descrições das indicações terapêuticas e modos de preparo dos insetos. Aliás, fica bastante evidente que Sánchez Labrador se valeu tanto de suas próprias observações, a partir de expedições que realizava pela região platina, acompanhado de indígenas, quanto através de obras autores clássicos e contemporâneos, muitas delas, redigidas por outros jesuítas, como os padres Alonso de Ovalle (1601-1651) e Athanasius Kircher SJ. (1601-1680),[62] ou por cientistas leigos, com os quais estabelecerá um interessante diálogo, tais como os médicos Caspard Bauhin (1560-1624), Robert James (1703-1773), Nicolás Lemery (1645-1715), Esteban Geoffroy[63] (1672-1731), Jacques-Cristophe de Bomare (1731-1807), Marcial[64] (38/40 d.C.-?), Dioscórides[65] (40 d.C.-90 d.C.), Martin Lister (1638-1712), Johann Schröder[66] (1600-1664) e Cláudio Galeno[67] (129-199/217 d.C.).

A referência a Galeno pode ser encontrada na passagem em que refere a utilização de “agua destilada de Moscas (…) contra los males de los ojos; para servirse de ella la mezclan con una yema de huebo, y forman emplasto. Galeno aprueba este remédio”.[68] Ao tratar das propriedades terapêuticas do mel das abelhas, Labrador deixa bastante evidentes as leituras que realizou e os autores nos quais se baseava: “Otras virtudes excelentes dela Miel podrán leerse en las Pharmacopeas Matritense, de Lemery, Palacios, James, etc.”[69] Mas, ao referir-se à cera de abelha, o jesuíta demonstra não somente conhecer a obra de Lemery, como manifesta sua discordância em relação ao já afirmado por ele:

Lemery juzga, que no hay mas cera virgen, que la que en las colmenas se llama propolis, y en Guarani Eybora; que es una especie de Matice dorado, o rubicundo, el qual contiene mucho oleo, y poca sal volátil acida. Es error este de Lemery, y solo impropriamente puede la Propolis llamarse Cera Virgen.[70]

Em outra passagem, que trata, especificamente, das sanguessugas, o jesuíta irá ressaltar as acertadas recomendações feitas pelo mesmo Lemery:

Para aplicar las sanguijuelas son necessarias algunas precauciones, que podran verse en el Diccionario de Drogas Simples de Lemery. Este Auctor enseña, que si por casualidad, bebiendo agua, se trago alguna sanguijuela, luego o se beba agua salada en abundancia, porque con ella desiste este insecto de atormentar; y que después se purgue con Mercurio dulce, u otra composición Mercurial.[71]

O diálogo que Labrador mantinha com as concepções e obras de outros homens de ciência da Companhia de Jesus fica atestado nesta passagem, na qual faz referência aos escorpiões, mencionando que “Cree el P. Kircher que los Alacranes atrahen el veneno por cierta virtud magnética; pero Hoffmann /in Medic. Rat. Syst. tom. P. 2. Cap. 2. §. 27. lo tiene por fabula, que atraiga por magnetismo.”[72]

Para abordar as propriedades terapêuticas de aranhas e de suas teias, Sánchez Labrador recorre aos trabalhos tanto de Martin Lister, quanto de Robert James, como se pode constatar nas passagens que destacamos. Em relação ao primeiro autor, o jesuíta afirma que em seu “/Tractat. De Araneís/ [Lister] las atribuye muchas facultades medicinales; pero se desean buenas pruebas, fundadas en experiências.”[73] Na referência que faz ao segundo, Labrador não apenas recorre a James para legitimar as virtudes e o mais adequado procedimento terapêutico, como para reforçar sua eficácia a partir de experiências bem sucedidas e de registros que a comprovam:

James escribe que se ha de tomar una vez una hora antes que venga el paroxismo; y otra vez quando ya esta próximo a venir. Dice, que le informaron, que los indianos en la Carolina Septentrional, tiene grande confianza en este remedio para el dicho mal, a que están muy expuestos. Añade, que un amigo suyo, que había estado muchos anos en aquellas tierras, le asseguro, que el mismo había sanado de aquel mal con la tela de Araña. Concluye James, y de hecho, la experiencia misma confirma la eficacia de este remedio para sanar las calenturas, que vienen con frío.[74]

Este recurso narrativo de legitimação pode ser também observado em outras duas situações, nas quais, ao referir-se à cochonilla, o jesuíta respalda suas descrições em autores como Geoffroy, Schröder e Lemery:

Geoffroy dice, que se usa la cochonilla para todos aquellos fines, a los quales sirve el Chermes. (...) En los Pasmos delas Quixadas, en que estas se aprietan de modo que se cierra fuertemente la boca, son excelentissimo, y prompto remedio, cogese un pedacito de Grana, (que es la substancia de los Gusanos) como una Almendra; desliese en vino; abrese la boca del enfermo con algún palito, y se le hecha en ella la dicha infusión algo tíbia con una cuchara: luego sele desetan los nervios, y habla. Practique este remedio en una ocasión, que llamado a confessar una enferma en la ciudad de Buenos Ayres, la encontré con el referido Pasmo. Pudo por este medio confessarse a satisfacción. De otras virtudes dela Grana, vease Schroder en el Libr. citad. Geoffroy. Lemery.[75]

Schröder será novamente mencionado na descrição que Labrador faz das virtudes medicinais dos besouros: “Dice Schroder, que el aceyte hecho de la infusión de estos insectos, puesto en el oído, o instilado en la oreja, quita los dolores de los oídos, yla sordera”.[76] Mas esta não será a única forma de preparo dos escarabajos , uma vez que Labrador irá destacar também “El modo mejor de hacerlos polvo, segun Hartmannes, es este: meter algunos escarabajos en un vaso de tierra; taparle bien, y ponerle al sol a secar; después moerlos hasta queden polvo”.[77] Referindo-se utilização terapêutica de piolhos, Labrador descreve e, ao mesmo tempo, desacredita uma das práticas adotadas, afirmando que “En quanto a el uso externo, sirven para los Ninõs [os indios], que padecen supressión de orina: suelen poner vivo un Piojo en el Cañoncito, que con la titilación se ensancha, y da lugar a que la orina salga. Schroder no aprueba esto”.[78] Por outro lado, ressalta a eficácia de outra forma de utilizá-los, sobretudo, por assegurar, em uma perspectiva humoralista, a retomada do equilíbrio: “Densele al enfermo al principio del paroxismo cinco, o seis, y que los trague, o mas o menos, según se juzgare conveniente. Nota muy bien Lemery, que por ventura al asco, y nausea, que siente el paciente al tomarlos, conduce para expeler la calentura mas, que el mismo remedio.”[79]

Por sua condição de autor erudito, o jesuíta Sánchez Labrador produziu uma obra em que fica, portanto, evidente a “necessidade de um comentário autorizado da parte de quem é suficientemente ‘sábio’ ou profundo” [De Certeau 1982: 82]. Entretanto, o que chama a atenção, especificamente, neste livro do Paraguay Natural, não são as recorrentes remissões e evocações aos conhecimentos de autoridades reconhecidas, mas as menções que Labrador faz às contribuições de outros sujeitos, no caso, os indígenas, a quem denomina de “inteligentes” e “sábios” em algumas situações. Em uma das descrições sobre a utilização terapêutica de grilos (quiyu, em guarani) encontramos menção aos indígenas que Labrador denomina de “inteligentes”, os quais atuavam, segundo ele, como curandeiros:[80]

En el Paraguay un inteligente los preparaba, como ya digo. Cocía levemente unos Grillos, les sacaba las tripas, molía lo demás; y estos polvos daba en licor conveniente alos que padecían dela orina: fluía esta, y quedaba aliviado el paciente. Otro tostaba dos Grillos en una cazuela de barro, los molia; yen un poco de vino, o de agua bien cocida, o de Chicha (Aloxa) de Maiz los daba a beber al enfermo, que padecia dela retención de la orina; obraba luego el buen efecto. Por el contrario si la enfermedad era de demasiado fluxo de orina, le daba al enfermo un solo Grillo sin tostar, machacado, yen infusión de un poco de agua tíbia.[81]

Labrador também descreve outra prática de utilização dos quiyus, que parece ter sido bastante comum entre os indígenas. Os grilos, segundo o jesuíta, deveriam ser enfiados ainda vivos “en un palito, como assador; tuestalos al fuego, y ya tostados muelelos en un poco de vino caliente: este vino mezclado con los Polvos de los Quiyus, daras al indio, o india, que padeciere la retención de orina, y esta poco a poco fluirá con feliz succeso”.[82] Em outra ocasião, ele afirma que presenciou dois “inteligentes” e “sábios” indígenas preparando grilos, com o propósito de curar um índio que se encontrava enfermo, e que o procedimento teve resultados positivos.

Essa prática de nomeação ou adjetivação dos indígenas traz consigo um caráter de distinção, na medida em que não são iguais aos cientistas europeus, mas se diferenciam dos demais indígenas. François Hartog explica que a nomeação do outro faz parte do processo da retórica da alteridade e envolve, principalmente, a classificação deste outro, que seria essencial, pois “classificando o outro, classifico-me a mim mesmo e tudo se passa como se a tradução se fizesse sempre na esfera da versão” [Hartog 1999: 259]. É importante considerar, ainda, que a distinção que Sánchez Labrador fez entre indígenas “’más racionales’ y ‘menos racionales’” se baseou no uso que estes faziam das espécies vegetais como medicamentos, porque para “él la medida de la lógica se daba en relación con el acercamiento al mundo natural, utilizando y aprovechando sus ventajas, a la vez que se despreciaba lo sobrenatural (el shamanismo, la magia, en suma), prueba clara de irracionalidad” [Di Liscia 2002: 40].

Considerações Finais

Trabalhos recentes têm apontado tanto para a premissa de que irmãos e padres da Companhia atuaram decisivamente na implantação de uma cultura científica nas terras de missão americanas, quanto para aquela que destaca a indiscutível contribuição dos indígenas para este conhecimento científico, que viria a ser difundido através da eficiente “rede de agentes da Companhia” encarregada de promover sua circulação entre os colégios jesuíticos da América e os da Europa [Millones Figueroa; Ledesma 2005: 28].

Para a doutora em Farmácia Sabine Anagnostou [2011], se a história natural e a farmácia missioneira podem ser consideradas como “as duas facetas principais do naturalismo jesuítico na América do Sul”, por outro, não devem ser percebidas como “precursoras deficientes das ciências atuais ou como cópias insuficientes dos modelos europeus, mas como formas independentes e singulares da história da ciência” [Anagnostou in: Wilde 2011: 175]. Esta singularidade, segundo ela, fica evidenciada na “experimentação e na incorporação do saber etnofarmacêutico indígena”, que decorreu da “posição relativamente imparcial e aberta dos jesuítas frente aos indígenas, baseada na espiritualidade inaciana”, que possibilitou “um intercâmbio intenso e persistente no campo da medicina” [Anagnostou in: Wilde 2011: 190].

A Materia Medica Misionera e o Libro de Cirugía, do irmão jesuíta Pedro Montenegro, mais do que comprovar “sus aficciones desde niño y su estudio favoritola virtud de las plantas para curarse con ellas y a sus projimos” – e o “ingenio” e a erudição e do jovem galego formado no Hospital de Madri, nos revelam um Montenegro pensador – um “autor de Botica” – que põe à prova os conhecimentos dos autores clássicos “por la esperiencia” e que investe “el tiempo aberiguando poco a poco las virtudes [das plantas], não limitando-se à compilação de virtudes, receitas e procedimentos terapêuticos divulgados nos tratados que ele tão bem conhecia. Condição que, aliás, o levou a afirmar que as plantas que havia descrito não se encontravam “en ninguno de los herbarios escritores, ni tampoco en ninguna otra parte” [Montenegro 1945: 264].

Em outro momento, em especial na Materia Medica Misionera, o irmão jesuíta, consciente das implicações das posições autorais que assumiu, chegou a antever as críticas que seriam feitas a “este pobre ignorante [que] quiera ir contra las reglas de un Dios Corides, Mathiolo, y Laguna, y otros muchos q.e en esta facultad han escrito” [Montenegro 1945: Modo de Recojer), recomendando que as receitas por ele indicadas fossem sempre administradas “en la forma que digo, y con las circunstancias que pide la medicina” [Montenegro 1945: Prefácio].

O Manuscrito MS W. L. Londres, ou Manuscrito Villodas, diferentemente dos dois escritos pelo irmão Montenegro e do que foi elaborado pelo padre Sánchez Labrador durante o exílio na Europa, foi redigido quase inteiramente em guarani, recorrendo a “el hablar cotidiano de los autóctonos”. Para além de seu ineditismo e desta distinção, o “manual de enfermedades y sus respectivas formas de curar”, não se detém na explicação das virtudes das plantas, na indicação de certos procedimentos terapêuticos, na preparação e na duração da administração dos remédios – como ocorria nos demais manuscritos da época escritos em castelhano –, privilegiando a descrição detalhada dos sintomas das doenças, o que parece acentua sua finalidade prática e o tornar bastante singular [Otazú Melgarejo 2014: 3-4].

Quanto aos registros que o padre jesuíta Labrador fez dos saberes e das práticas curativas indígenas no Paraguay Natural Ilustrado – com destaque para o emprego de plantas, pedras bezoares e de insetos – estes, seguramente, levaram em conta tanto as obras que consultou na biblioteca do Colégio de Valladolid e, posteriormente, na do Colégio de Córdoba, quanto o diálogo que estabeleceu com outros homens de ciência – durante seu exílio em Ravena, na Itália – período durante o qual dedicou-se à sistematização das informações levantadas na América e à escrita do Paraguay Católico e do Paraguay Natural. Sánchez Labrador, contudo, estabeleceu contínuas relações e comparações entre as práticas curativas indígenas e as europeias, fundamentando suas observações no conhecimento divulgado por autoridades em Medicina e Farmácia. Em algumas situações, contudo, ele contestou certas concepções europeias, contrapondo-as às observações e as experiências que realizou durante o período de sua atuação como missionário junto aos indígenas da região platina. Sua narrativa parece, portanto, sobrepor e mesclar as experiências que vivenciou na América àquelas próprias de seu período de formação na Europa e, ainda, às que viverá durante o exílio na Itália.

Como procuramos evidenciar neste artigo, tanto as trajetórias dos irmãos jesuítas Pedro Montenegro e Marcos Villodas e do padre José Sánchez Labrador, quanto os libros de medicina que produziram na primeira metade do Setecentos parecem, efetivamente, comprovar a existência de uma “escritura liminal” e de uma “epistemologia práctica”, aquela que se impôs nas zonas periféricas dos impérios ibéricos, e que se traduziu em “complejos procesos de redefinición del sujeto”, resultantes das tensões próprias da experiência missionera de “representantes del orden letrado en las fronteras” [Del Valle 2009: 13].

 Referências

* Doutora em História pela PUCRS (Porto Alegre, RS, Brasil). Professora Titular da Graduação e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em História da UNISINOS (Universidad de Vale do Rio dos Sinos, Brasil) e integrante dos Grupos de Pesquisa-CNPq “Jesuítas nas Américas” e “Imagens da Morte: a morte e o morrer no mundo ibero-americano”. Correio eletrônico: ecdfleck@terra.com.br

[1] Este artigo retoma análises já desenvolvidas anteriormente em Fleck 2014, 2015 e 2016, trazendo contribuição significativa à temática do presente dossiê, ao abordar evidências de apropriação e circulação de saberes e práticas de cura na Província Jesuítica do Paraguay, a partir da análise de três libros de medicina e de uma obra de História Natural que foram escritos por jesuítas no século XVIII.

[2] Para Miguel de Asúa, “hay suficientes elementos para concluir que (…) ya desde la época de los jesuitas (antes de su expulsión en 1767) hubo en el Río de la Plata episodios y personajes ‘modernizadores’ (…) en las misiones se desplegaba una interessante actividad científica como lo demuestran los casos del astrónomo Buenaventura Suárez (…) y los autores de las ‘historias naturales jesuitas del Nuevo Mundo’ o los manuscritos de materia medica. Hace bastante que vengo argumentando que a mediados del siglo XVIII el frente más avanzado de la ciencia en el Río de la Plata se ubicó en las misiones del Paraguay histórico.” [Asúa 2010: 192-193].

[3] Beatriz Helena Domingues afirma que os jesuítas assimilaram “algumas ideias caras à Ilustração – ainda que [de forma] seletiva e católica”, razão pela qual se deve relativizar a “abordagem tradicional que atribuiu à Companhia de Jesus uma visão retrógrada e resistente a mudanças, associada à tradição medieval católica e barroca”. (Domingues, 2009: 233). Também para Figueroa e Ledezma, os jesuítas incorporaram e assimilaram paulatinamente as ideias e os métodos de estudo da Ilustração, mas isto não significou “un rechazo absoluto del estudio de la naturaleza inspirado por la maravilla y el asombro que infundían las complejidades y mistérios del mundo natural americano”. Assim, a produção de um conhecimento baseado na observação e na experiência – tão caro aos jesuítas – “no ensombreció la fascinación por los mistérios de la naturaleza” [Millones Figueroa; Ledesma 2005: 22].

[4] A Companhia de Jesus adotou uma classificação de talentos “em diferentes categorias”, que eram os “talentos para ensinar, seja em nível elementar (ad docendum), seja em nível superior (ad legendas facultates); para a administração, que são ou de governo (ad gubernandum), ou de conselho (ad consultandum); para as tarefas espirituais: a pregação (ad condicionandum), a confissão (ad audiendas confessiones), o cuidado dos outros (ad agendum cum proximis), enfim, talentos ligados à gestão dos bens e à organização da vida material da província (ad negotia curanda, ad officia domestica).” [Castelnau-L’estoile 2006: 211].

[5] Sobre esta temática, recomenda-se ver: Amantino; Fleck; Engemann, 2015.

[6] As Cartas Ânuas tinham como base os relatórios anuais que o Provincial recebia dos superiores das residências, colégios, universidades e missões junto aos índios, sendo redigidas pelos secretários ou por pessoas com capacidade para escrevê-las, designadas pelo Provincial. Vale lembrar que cabia a esta correspondência unir, por meio da escrita, os diversos e esparsos membros da Companhia de Jesus, promover uma propaganda edificante que inspirasse novas adesões e, ainda, compartilhar as experiências alcançadas, de maneira a tornar as missões mais frutíferas pela troca de informações.

[7] Sobre os inventários dos bens das boticas dos colégios jesuíticos, recomenda-se ver: O Inventário formado por Lorenzo Infante Boticário en la Ciudad de Córdoba de los bienes medicinales, Julio de 1772 se encontra no Archivo Histórico de la Universidad Nacional de Córdoba, Argentina. Documentos de la Junta de Temporalidades de Córdoba. Caja 10, legajo 2, nº 27, fólios 4533r-4628 r. Recomenda-se ver a transcrição comentada do Inventário em: Fleck; Poletto, 2013.

[8] Page; Flachs, 2010:123.

[9] Trata-se de: Pauucke, 1943; Dobrizhoffer, 1967-1970 e Sánchez Labrador, 1910.

[10] Ilustrativo da prática da cópia de manuscritos é o documento intitulado Sobre el contagio de las viruelas [anônimo], que parece haver sido escrito como uma cartilha que deveria ser seguida pelos missionários responsáveis pelas reduções jesuíticas. Nela, pode-se encontrar uma série de recomendações para o cuidado dos doentes e medidas para evitar o contágio: “(…) Hagase también provisión de aguarabay, el cosimiento de el sirve para lavarse una o dos vezes al dia cuando ya las viruelas se van secando. Esta água les quita las ronchas y hediondez. También sirve para quemarlo en el hospital. Y es provechoso el humo en los aposentos apestados.” (MCA, 1951, Cx A, Doc. 04. Acervo XCCDA, Doc. A1) Apesar da menção explícita à aguarabay – termo em guarani para a planta medicinal que, segundo o tratado Matéria Médica Misionera, do Ir. Pedro de Montenegro, é comparável ao lentisco [aroeira-da-praia] ou molle de Castilla, e que pode ser empregada como bálsamo cicatrizante, contra a diarréia e contra infecções do aparelho respiratório e urinário –, os procedimentos terapêuticos recomendados se baseiam na tradição hipocrático-galênica amplamente conhecida – ou praticada – pelos missionários jesuítas.

[11] Sabe-se que este manuscrito foi encontrado na redução de São Borja, localizada sobre a margem esquerda do rio Uruguai, mas isto não significa que tenha sido redigido nesta redução. A data de sua elaboração é desconhecida, razão pela qual não se pode afirmar que este tenha sido o primeiro receituário de medicina escrito em guarani.

[12] Há cerca de dez anos, um manuscrito intitulado Curiosidad – un libro de medicina escrito por los jesuítas en las misiones del Paraguai, datado supostamente de 1580 (ano em que ainda não havia sido fundada a Província Jesuítica do Paraguai e sequer haviam sido instaladas as primeiras reduções jesuíticas na região do Rio da Prata), foi localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e analisado por Heloísa Gesteira. Ao constatar que os dois textos traziam “partes idênticas”, a pesquisadora levantou “a hipótese de que trabalhos deste tipo eram compartilhados pelos missionários”, e também, a de que o documento depositado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro pudesse ser “uma reprodução do texto de Montenegro” [Gesteira 2006: 2-3]. A existência de várias cópias manuscritas deste mesmo texto também foi observada pelo médico argentino Pedro Arata, que, em artigo de 1898, afirmou “Las copias del libro del Hermano Montenegro deben haber sido muchas, y repartidas en el Paraguay, en las Misiones y aun en Europa” [Arata 1898: 435].

[13] O manuscrito Pojha Ñana. Materia Medica Misionera o Herbario de las Reducciones Guaranies. Misiones. Año de 1725 por Marcos Villodas, S.J. consta de 59 folios, que equivalem a 119 páginas. De acordo com Angélica Otazú Melgarejo [2014], Pojhã pode ser traduzido como remédio e o termo Ñana por erva silvestre.

[14] O Wellcome Institute for the History of Medicine de Londres adquiriu este manuscrito em 1962, junto com outras peças da coleção do Dr. Francisco Guerra, bibliófilo e historiador da medicina de América Latina.

[15] Otazú Melgarejo, 2014: 7.

[16] Otazú Melgarejo, 2014: 1

[17] Trata-se de Trelles, 1888.

[18] Ver mais em Montenegro, 1945.

[19] Trata-se de Montenegro, 2009.

[20] Em sua Materia Medica, Montenegro ainda refere outras informações sobre a região de Tucumán. Em especial, são destacadas nomenclaturas de plantas que seriam típicas da região, como, por exemplo, ao referir-se a Correguela, que seria a mesma Purga criolla, que llaman por toda la gobernacion de Santiago y Tucuman.” [Montenegro 1945: 55]. Em outro momento, são destacas as quatro espécies diversas de Guayacán que eram encontradas na América: “he hallado (…) dos en Tucumán, y otras dos en estas Misiones” [Montenegro 1945: 21] e apresenta suas apreciações acerca das qualidades das mesmas, destacando a mais adequada para o uso: “pero solo en medicina se ha de tomar el negro de corazon, que es esa estampa segunda, que cierto es Guayacán, seguro, como he sabido en Tucumán sanaron varios que lo tomaron: y lo mismo en Santiago del Estero el llamado Tarco” [Montenegro 1945: 21].

[21] Ao compararmos a versão de 1790, a que tivemos acesso no IAP-UNISINOS, com a de 1710, percebemos que à primeira não foram adicionados alguns dos elementos pré-textuais presentes na versão original da obra, tais como as tablas com os nomes indígenas e dos vocábulos. O fato de a versão do final do século XVIII não ter considerado a versão integral do manuscrito pode estar associado a certo pragmatismo ou a uma seleção – arbitrária ou não – do seu conteúdo quando da realização da cópia.

[22] Furlong, 1947: 67. Para Di Liscia, o autor da Materia Medica Misionera foi, efetivamente, Pedro Montenegro. Ela, no entanto, sustenta que ele a escreveu em 1702 e que “el padre Asperger la copió em 1710 con su nombre.” [Di Liscia 2002: 301]. Neste trabalho, contudo, consideraremos o ano de 1710, por ser o mais aceito entre os historiadores. Para a historiadora argentina, a obra de Montenegro “es un compendio de plantas útiles de la región del Paraguay, escrita a princípios del siglo XVIII, donde las virtudes curativas de las plantas autóctonas están dispuestas de acuerdo al esquema medicinal clásico, agregando fórmulas y dosis de los compuestos. (…) la obra de Montenegro es la base de las recopilaciones botanicas posteriores y fue copiada una y otra vez por subsiguientes autores, interesados en este esfuerzo de síntesis realizado tan tempranamente (…) hasta el punto en que hubo momentos en que se dudó de su autoría.” [Di Liscia 2002: 301].

[23] Sobre a trajetória de Pedro Montenegro, recomendamos ver Fleck; Rodrigues; Martins, 2014 e Fleck, 2014.

[24] Este empenho pode ser constatado nesta passagem da História de la Conquista del Paraguay, na qual o padre Pedro Lozano assim se refere ao irmão jesuíta Pedro Montenegro: “Todas estas especies (…) de esta província, el hermano Pedro de Montenegro, de nuestra Compañía sugeto muy perito en la medicina (…)” [Lozano 1874, Cap. IX: 220].

[25] Por vezes, Montenegro adota a nomenclatura nativa, como fica evidenciado na descrição do Yacaré caá, que lhe teria sido apresentada por um velho índio conhecedor das plantas medicinais: “dijome llamarse así, por tener el olor del Yacaré” [Montenegro 1945: 118].

[26] Há registros da utilização do guembé ou imbé pelas populações tradicionais, porém a literatura farmacológica alerta que seu uso deve ser feito parcimoniosamente, assim como já havia feito Montenegro, na Materia Medica Misionera, ao advertir que “es tan venenosa cogida en creciente de luna”, não devendo ser empregada em demasia, pois poderia causar reações adversas severas. [Montenegro 1945: 200]. Segundo Ottobelli [2011], algumas espécies do gênero Philodendron apresentam atividade bactericida, combatendo os agentes causadores de doenças que acometem os órgãos genitais, havendo também registros de seu uso contra picadas de serpentes e de sua ação analgésica. Na literatura etnobotânica, encontramos uma série de propriedades medicinais referidas às espécies de guembé, em especial, à espécie P. bipinnatifidum, dentre as quais podemos citar a anti-reumática, a analgésica, a contraceptiva, contra orquite, contra hidropisia, contra parasitos intestinais, sendo também usada no tratamento de úlceras e erisipela, e, ainda, no tratamento de feridas, caracterizando sua ação vulnerária.

[27] Montenegro, aliás, não se limitava à observação dos comportamentos de determinados animais, como se pode constatar nesta passagem em que ele refere ter constatado que um pássaro de peito amarelo ou vermelho consumia a virga-aurea como alimento, o que levou o jesuíta a caçar e a matar o pássaro, “con el intento de reconocer la virtud de su carne, la cual comî y es muy densa y amarga, tira á parda como la de la paloma torcáz, con alguna agudeza en su amargor, la cual no dudo ser única para los que padecen piedra de riñones y vejiga, asi su caldo como su carne” [Montenegro 1945:184].

[28] O bejuco era também conhecido como ipecacuanha.

[29] As menções feitas aos saberes tupis e às plantas medicinais brasileiras podem ser atribuídas ao fato de que uma das principais referências para o irmão jesuíta foi a obra de Guilherme Piso, intitulada “India Utriusque Re Naturali et medica”, de 1658, e que foi reeditada e traduzida em 1957, sob o título de «História natural e médica da Índia Ocidental». Outra referência importante para Montenegro foi a obra “Libro que trata de las cosas que se traen de las Índias Occidentales, que sirven al uso de Medicina”, do também espanhol Nicolás Monardes, publicada em 1574. O médico argentino Pedro Arata chega a, inclusive, afirmar que: Las figuras copiadas de la obra de Pison, De indiae utriusque Re naturali et medica citada, pertenecen a las páginas siguientes: 308, 122, 146, 158, 146, 247, 261, 133, 231, 157, 118, 123, 143 [Arata 1898 438].

[30] Para Neumann, “a escrita indígena, registrada em diferentes suportes e com finalidades diversas, obriga-nos a rever em grande medida as avaliações simplistas que consideravam a atividade ‘escriturária’ como menor ou mesmo restrita aos textos canônicos nas reduções” [Neumann 2003: 2]

[31] É o próprio Montenegro [1945: 329] quem nos fornece tal dado, quando relata as qualidades da yerba de la vivora de Tarija. Ele destaca que havia obtido informações sobre a mesma e suas qualidades “estando en el Colegio de Cordoba, y pasando al de Tucumán, quiso mi fortuna, y la de otros muchos, que con ella he curado, el que la viese con todas sus partes, menos la flor”. A planta, no entanto, não parecia ser nativa da região de Tucumán, já que o jesuíta destaca tê-la recebido do então reitor do Colégio, padre Diego Ruiz, “quien partió conmigo la tercia parte del ház que traia, y hallé ser amarga sin acervidad alguna, ántes si, un amargor grato al estomago, y muy confortativo al corazon y celebro.” [Montenegro 1945: 329].

[32] De acordo com Ricciardi; Caballero; Chifa [2000], esquinanto é também conhecido como “capií cati”, “jahapé” ou, então, como capim cheiroso.

[33] O Libro de Cirugía foi “dado a conocer en 1916, por el Dr. Felix Garzón Maceda, en su obra La medicina en Córdoba. Se trata de un volumen con más de 600 páginas, escrito con letra pequeña y apretada, intercalando muchos dibujos del instrumental quirúrgico usado para diversas intervenciones. Incluye un apéndice, escrito con letra diferente y quizá por eso de otro autor o colaborador de la obra figurando en ella el año de edición, 1725” [Acerbi Cremades 1999: 19].

[34] Trata-se de Garzón Maceda 1916.

[35] Portugal e Espanha entraram em conflito, por motivos que envolviam a sucessão ao trono espanhol, em 1704, o que veio a ter consequências nos conflitos entre as coroas ibéricas na região do Prata. Inicialmente, cogitou-se o envio de nove mil indígenas missioneiros para o ataque à Colônia, mas os Superiores das Missões do Uruguai e do Paraná não autorizaram sua liberação, temendo pela segurança das reduções. Acredita-se que tenham se deslocado em torno de quatro mil indígenas, provenientes de Corrientes, Córdoba e Tucumán.

[36]Esta mesma informação pode ser encontrada na Notícia preliminar de Raúl Quintana à Materia Medica Misionera. Buenos Aires. Imprenta de la Biblioteca Nacional, 1945. Ver versão digital disponível na Biblioteca Virtual del Paraguay. Também o historiador jesuíta Charlevoix refere a participação: “O certificado expedido em 15 de junho de 1705, por Baltasar García Ros, destaca os serviços prestados pelos indígenas Diego Gaivipoy, Bonifacio Capi, Juan Mañani e Pedro Mbacapi, e que “al lado de ellos [estavam] los hermanos Pedro de Montenegro, Joaquín de Zubeldía y Josef Brasaneli ‘sus cirujanos’” [Charlevoix 1913: 377].

[37] Archivo General Administrativo (1705-1750). Certificado de Andrés Gómez de la Quintana: sobre los servicios prestados por los indios de las reducciones en el desalojo de los protugueses de la colonia. 1705, noviembre 29. Certificados. Caja 1, carpeta 1 bis (fls:2). Archivo General de la Nación del Uruguai.

[38] Ferimentos como os registrados por Montenegro eram, de fato, inevitáveis, já que as tropas “venían muy bien armadas”, sendo que os indígenas seguiram para o conflito “con diferentes bocas de fuego con sus frascos, y bolsas bien providos de pólvora y balas; y otros con lanzas, dardos, arcos con mucha cantidad de flechas, macanas y piedras, armas naturales suyas.” Ver Archivo General Administrativo (1705-1750). Certificado de Andrés Gómez de la Quintana: sobre los servicios prestados por los indios de las reducciones en el desalojo de los portugueses de la colonia. 1705, noviembre 29. Certificados. Caja 1, carpeta 1 bis (fl. 2). Archivo General de la Nación del Uruguai.

[39]Como bem apontado por Schiaffino, “En las cuatro expediciones militares, donde invariablemente se agregaran los enfermeros, el aspecto higiénico y sanitario ocupaba un lugar importante”. Archivo del Dr. R. Schiaffino. Originales de su obra Historia de la Medicina en el Uruguay. Tomo II, cap. II (La Colonia de Sacramento). Caja 245, carpeta 21. Archivo General de la Nación del Uruguay.

[40] Montenegro se refere à pitanga e ao guabiju como arrayán blanco e arrayán negro, respectivamente. Ambas as plantas eram indicadas para o tratamento de distúrbios estomacais e intestinais, por suas propriedades antidisentérica e antidiarréica. Também a espécie Psidium L., denominada como guayabas ou arazá pelo irmão jesuíta, é indicada para os males do estômago e intestinos.

[41] Vale ressaltar que na Europa, e mesmo na América, cabia aos cirurgiões-barbeiros, que não possuíam formação nas Academias, a realização de práticas cirúrgicas – que previam o tratamento de fraturas e amputações – e sangrias. De qualquer modo, o tratamento de fraturas ósseas na América portuguesa previa a indispensável manipulação e emprego de fármacos, aos quais se somavam emplastros, ataduras de panos, talas e muita aguardente para lavar as lesões e imobilizar o ferido. [Abreu 2007; Fausto et al 2013; Furtado 2002; 2005]. Considerando que os jesuítas enfermeiros contavam com “las medicinas ordinárias” das boticas instaladas nas reduções, tais como “ventosas, lancetas, panos para hilar y vendar, sal, cuchillos para foguear, azufre, ajos, piedra de San Pablo, miel de abejas” é, muito provável, que acabassem desempenhando as funções próprias dos cirurgiões-barbeiros. No caso de Montenegro, consideramos plausível que tanto o conhecimento prévio na Espanha, quanto a experiência adquirida no cuidado de ferimentos como os resultantes de quedas ou de conflitos bélicos – e que caberiam a estes profissionais das artes de curar – tenham sido fundamentais para a concepção e a elaboração do Libro de Cirugía, cujo sumário pode ser consultado na obra de Garzón Maceda [1916].

[42] Montenegro, 1945: 244. Também algumas reduções contaram com boticas que contavam com “el azufre, el alumbre, el sal, el tabaco, la pimienta, la enjuidicia de gallina, la graxa de tigre, buey y de carnero y pólvora. Fuera de estos simples tenían siempre prontos tres calabazas llenas de unguentos compuestas una de ellas con un verde hecho con sebo y veinte hierbas distintas y las cortezas de arboles famosas por sus virtudes medicinales” Archivo del Dr. R. Schiaffino. Originales de su obra Historia de la Medicina en el Uruguay. Tomo II, cap. II (La Colonia de Sacramento). Caja 245, carpeta 21. Archivo General de la Nación del Uruguay.

[43] No tratamento de feridas externas, Montenegro indicava a utilização do ceibo ou zuinadí para os guaranis. Sua casca, depois de raspados os espinhos, deveria ser esmagada e aplicada sobre as lesões. Com ela também podiam ser preparados bálsamos, com o extrato da casca ou da flor, que ficavam guardados nas boticas das reduções, para eventuais emergências. Ver Montenegro 1790: 55.

[44]Montenegro 1945: 237. Dentre as espécies nativas produtoras de óleos essenciais terapêuticos e que compunham os bálsamos empregados no tratamento de lesões externas indicados por Montenegro, estava a cupay (Copaifera sp.) ou copaíba. Na América portuguesa setecentista, os emplastros utilizados na regeneração de ossos fraturados eram feitos também primordialmente à base de copaíba, embaúba e terebintina. Já para doenças ósseas, causadas por fraturas, o físico Jean Vigier, autor de “Thesoro Apollineo, Galenico, Chimico, Chirugico, Pharmaceutico”, de 1714, recomendava que fossem administrados remédios de duas classes em caso de fóssea: os ácidos (espírito de sal, espírito de mel, óleo cáustico de antimônio, óleo de vitríolo) e os alcalinos poderosos (eufórbio, óleo de papel, alcanfor sem ácidos e o cáustico atual). Ver mais em FAUSTO et al., 2013.

[45] Segundo Angélica Otazú Melgarejo, apesar de na capa do manuscrito constar Pojhã Ñaña, o correto deveria ser Pojhã Ñana, já que ñana significa erva e o termo ñaña se refere à maldade ou a diabo. [Otazú Melgarejo 2014: 10].

[46] Cabe mencionar que, na maioria dos casos, o autor de Pojhã Ñana recomenda procedimentos como a sangria, a purga e a aplicação de ventosas.

[47] Para a Medicina do século XVIII, o consumo de certos alimentos garantia o balanceamento dos humores e, portanto, a saúde. Se, por um lado, a ingestão em excesso de comida ou bebida causava inúmeras doenças, por outro, o pão, as ervas e os legumes tinham uma “virtude cordial e confortativa” e asseguravam a conservação dos corpos.

[48] Interessante notar que o autor do manuscrito, o irmão jesuíta Villodas, não descuida de informar que “Si se multiplican los tumores, entonces se tiene que prolongar el tratamiento (…) debe aplicársele remedios más eficaces [sangria], [pois] el tratamiento empleado sirve solo para mitigar el dolor” [Ms W. L. Londres f. 171, 39r en Otazú Melgarejo 2014].

[49] De acordo com Angélica Otazú Melgarejo, é provável que os procedimentos terapêuticos recomendados no manuscrito Pojhã Ñana tenham sido extraídos de outros manuscritos que tenham circulado entre e nas reduções jesuíticas do antigo território paraguaio. Ver mais em Otazú Melgarejo, 2014: 11.

[50]Juapekã é uma espécie de planta febrífuga; o Tarope é uma espécie de contraerva e o Kapi’i kati, referido como esquinanto pelo irmão jesuíta Pedro Montenegro é também conhecido como capim cheiroso.

[51] Vale aqui lembrar que o médico sevilhano Monardes, no século XVI, exaltou, em sua obra “Primera y segunda y tercera partes de la historia medicinal”, as grandes virtudes curativas do tabaco, introduzido “nos jardins e nas hortas da Espanha, para tratamento de todo tipo de enfermidade: asma, mal de peito, dores de estômago, mal de útero”, não deixando, contudo, de referir que tinha “a faculdade de proporcionar ‘imaginações e fantasmas’”, a exemplo de outras duas substâncias, a maconha e o ópio [Ginzburg 2007: 96-97].

[52] Sánchez Labrador, José. Paraguay Natural. Ilustrado. Noticias del pais, con la explicación de phenomenos physicos generales y particulares: usos útiles, que de sus producciones pueden hacer varias artes. Ravenna, 1771-1776. (Manuscrito). Archivo Histórico de la Compañía de Jesús [ARSI], Roma. A transcrição e a análise deste manuscrito constituem objetivos do projeto As “artes de curar” em dois manuscritos jesuíticos inéditos do século XVIII, financiado pelo Edital Ciências Humanas e Sociais – Chamada MCTI/CNPq/MEC/CAPES Nº 22/2014.

[53] A obra Paraguay Natural Ilustrado já mereceu alguns estudos, todos eles realizados a partir da consulta à fonte manuscrita no ARSI, tais como os de Furlong, 1948; de Moreno, 1948, e de Sainz Ollero et. al., 1989. Sánchez Labrador realizou um dos mais amplos e detalhados trabalhos sobre a natureza, a geografia e as sociedades da região platina colonial, mas ainda permanecem dúvidas sobre a forma como o jesuíta a redigiu. Sainz Ollero e outros historiadores acreditam que, apesar das proibições feitas aos jesuítas expulsos, ele teria conseguido levar muitos de suas anotações, e que, mesmo podendo contar com algumas delas, é muito provável que tenha escrito parte da obra a partir de suas memórias [Barcellos 2013: 92-93].

[54] O Tomo de Botânica, especificamente, está subdividido em sete livros, compostos por 76 capítulos, que abordam os seguintes tópicos: Fisiologia, anatomia, histologia, reprodução vegetal; Florestas, campos, pântanos, desertos; Farmacologia, cultivo, etnobotânica.

[55] Sánchez Labrador faz referência também às reduções de Yapeyu, Trinidad, Jesús, Loreto, San Ignacio Mini, San Ignacio Guazu, San Cosme y San Damián e San Lorenzo, mas não informa se as conheceu pessoalmente ou a partir de informações de outros missionários ou de indígenas.

[56] Segundo a historiadora argentina Maria Silvia Di Liscia [2002], as pedras bezoares eram tidas como essenciais nas boticas europeias e americanas, sendo também referidas nas farmacopéias, nos compêndios e receituários da Companhia de Jesus e nas listas de mercadorias solicitadas aos Procuradores da ordem que se dirigiam à Europa. O inventário do Colégio de Córdoba, realizado logo após o decreto de expulsão da Companhia de Jesus, nos anos de 1771 e 1772, confirma que as pedras bezoares integravam “los bienes medicinales” das boticas deste colégio jesuítico da Província Jesuítica do Paraguai. As pedras aparecem relacionadas na categoria Preparaciones y Polvos, ao lado de chifres de cervo, dentes de javali, corais e olhos de caranguejo, pós de víbora e esperma de baleia, e, ainda, na categoria dos Polvos cordiales, na qual é feita, inclusive, uma distinção entre a pedra bezoar ocidental e a americana, que aparecem, mais uma vez, relacionadas entre outros itens, tais como corais, madrepérola e olhos de caranguejo. [Fleck 2014: 330-340].

[57] A utilização de pedras bezoares é referida em ao menos duas receitas na Materia Medica Misionera, escrita pelo irmão jesuíta Pedro Montenegro (1710). Numa delas, a pedra é utilizada contra a varíola, juntamente com quatro folhas de calamita menor (planta equisetínea) e duas onças de açúcar, o que provocava suores nos pacientes, razão pela qual o boticário recomendava que estes se resguardassem do vento. Em outra receita, Montenegro faz menção ao seu uso combinado com folhas da sextula maior: “E se lhe colocam umas duas folhas de borragem [borracha-chimarrona] ou de pedra bezoar, por ser mais sudorífica, atenua as dores internas, assim do ventrículo como do fígado” (Montenegro, 1945: 142). O inventário do Colégio de Córdoba, realizado logo após o decreto de expulsão da Companhia de Jesus, nos anos de 1771 e 1772, confirma que as pedras bezoares integravam “los bienes medicinales” das boticas deste colégio jesuítico da Província Jesuítica do Paraguai. As pedras aparecem relacionadas na categoria Preparaciones y Polvos, ao lado de chifres de cervo, dentes de javali, corais e olhos de caranguejo, pós de víbora e esperma de baleia, e, ainda, na categoria dos Polvos cordiales, na qual é feita, inclusive, uma distinção entre a pedra bezoar ocidental e a americana, que aparecem, mais uma vez, relacionadas entre outros itens, tais como corais, madrepérola e olhos de caranguejo [Fleck 2014: 330-340].

[58] Os vinte e um insetos cujas virtudes terapêuticas Sánchez Labrador apresenta são as Abelhas (Abejas), as Vespas (Abispas), os Escorpiões (Alacranes), as Aranhas (Arañas), as Cantáridas (Cantárides), os Percevejos (Chinches), a Centopeia (Cientopies), a Cigarra (Cigarra), as Cochonilhas (Cochinillas), as Baratas (Cucarachas), os Besouros (Escarabajos), os Carrapatos (Garrapatas), os Grilos (Grillos), as Formigas (Hormigas), os Gafanhotos (Langosta), os Vermes (Lombrices), as Moscas (Moscas), os Mosquitos (Zancudos), as Lagartas (Orugas), os Piolhos (Piojos) e as Sanguessugas (Sanguijuelas). Labrador apresenta, ainda, as virtudes de oito subprodutos destes insetos, com destaque para o mel (Abelha), cera (Abelha), vespeiro (Vespa), teia (Aranha), escarlata (Cochonilla de Grana), formigueiro (Formiga), ovos (Formiga) e goma lacca (Formiga).

[59] No Paraguay Natural, Sánchez Labrador parece estar em sintonia com os avanços no estudo dos invertebrados – particularmente dos insetos – observados no século XVIII, uma vez que não contenta-se em referi-los como “bichos venenosos” ou como organismos “imperfeitos” e, por isso, não dignos de atenção. Opondo-se a esta forma tão negativa de perceber os insetos, aponta para as virtudes terapêuticas de alguns deles e para seu largo uso pelos indígenas americanos. Em razão disso, o Livro sobre os “pequeños vivientes” – como a eles se referia Sánchez Labrador – não se caracteriza por descrições fantasiosas ou crenças arraigadas, oferecendo, ainda, evidências do estreito convívio do jesuíta com os indígenas junto aos quais atuou como missionário. Sánchez Labrador apresenta suas virtudes e indicações, tencionando sua adequação ao sistema europeu e à teoria humoralista hipocrático-galênica, em consonância com sua condição de europeu e de religioso, não desconsiderando os saberes próprios dos grupos indígenas com os quais conviveu.

[60] De acordo com essa teoria, o corpo humano seria formado por diferentes líquidos ou humores que eram “quase sempre quatro (Sangue, Fleuma, Bílis Amarela e Bílis Negra). A saúde consistiria no equilíbrio desses humores, assim como a enfermidade consistiria no predomínio de algum deles sobre os demais” [Freitas Reis 2009: 3.

[61] Dietas ricas em proteína, sódio (sal) ou açúcar podem levar à formação de cálculos reais, que são formações endurecidas nos rins ou nas vias urinárias, resultantes do acúmulo de cristais existentes na urina. No caso das dietas com presença elevada de sal, elas aumentam a quantidade de cálcio que os rins deverão filtrar, o que consequentemente leva a um risco maior. Também, o baixo consumo de líquidos ou doenças do trato digestivo, como inflamação gastrointestinal e diarréia crônica podem causar mudanças no processo de digestão, afetando diretamente na absorção de cálcio e água, aumentando também as chances de formação de pedras nos rins e/ou bexiga. Outra causa para a formação de cálculos renais é o excesso ou, então, a falta de citrato, substância presente, principalmente, nas frutas cítricas, a hipo e hipercitraturia.

[62] Padre Alonso de Ovalle atuou como Procurador da Vice-Província Jesuítica do Chile e é o autor da obra “Historica Relacion del Reyno de Chile” publicada em Roma, em 1646.

[63] Trata-se do químico e médico francês Esteban Francisco Geoffroy (1672-1731).

[64] A principal obra do espanhol Marco Valério Marcial [Marciel] (38/40 d.C.-?) é Liber spectaculorum (80 d.C.).

[65] O escritor e médico greco-romano Pedânio Dioscórides (40 d.C.-90 d.C.) escreveu a obra De Materia Medica, tido como o manual de Farmacopeia mais importante da Grécia e Roma antigas.

[66] O médico e farmacêutico alemão Johann Schröder (1600-1664) é tido como o primeiro a reconhecer o arsênio como um elemento.

[67] O médico, filósofo e cirurgião romano Cláudio Galeno (129-199/217 d.C.) defendia que a saúde do homem dependia do equilíbrio dos quatro humores, assim como já havia afirmado Hipócrates (460-377 a. C.).

[68] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 368.

[69] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 362.

[70] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 362 (el resaltado me pertenece).

[71] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 369 (el resaltado me pertenece).

[72] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 363.

[73] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 363.

[74] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 363 (el resaltado me pertenece).

[75] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 365 (el resaltado me pertenece).

[76] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 366

[77] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 366.

[78] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 368.

[79] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 368.

[80] Cabe lembrar que as observações que Labrador fez do emprego de insetos na cura de certas enfermidades decorrem das experiências que vivenciou como missionário na Província Jesuítica do Paraguai. Esta especial condição – de religioso com a missão de evangelizar e civilizar os indígenas – se manifestará, sem dúvida, nas apreciações que fará das práticas curativas indígenas.

[81] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 366 (el resaltado me pertenece).

[82] Sánchez Labrador, 1771, Tomo IV, Livro III: 366.

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Eliane Cristina Deckmann Fleck, «A medicina da conversão: apropriação e circulação de saberes e práticas de cura (Província Jesuítica do Paraguay, século XVIII)», Revista de Estudios Marítimos y Sociales [En línea], publicado el [insert_php] echo get_the_time('j \d\e\ F \d\e\ Y');[/insert_php], consultado el . URL: https://wp.me/P7xjsR-KO
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